Opinião

Legitimidade da sociedade na execução específica de acordo de quotistas

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6 de setembro de 2022, 20h51

O acordo de quotistas, inspirado no acordo de acionistas previsto no artigo 118, da Lei nº 6.04/76 (Lei das Sociedades Anônimas), é negócio jurídico celebrado entre sócios de uma sociedade limitada. Por meio deste instrumento, seus signatários criam e regulam suas relações decorrentes do elo societário.

No direito brasileiro, sua natureza jurídica é de um contrato civil, que demanda, além dos requisitos previstos para a validade de todos os negócios jurídicos (artigo 104, Código Civil), dois requisitos complementares: o subjetivo e o objetivo. O subjetivo, correspondente à necessidade de seus signatários serem titulares de direitos de sócios da sociedade e o objetivo, correspondente a sua vinculação à existência da pessoa jurídica, pois ele é firmado tão somente para disciplinar os interesses sociais dos sócios de uma sociedade limitada.

Apesar de depender da sociedade para existir, as disposições do acordo de quotistas têm conteúdo distinto das declarações presentes no contrato social. Com efeito, os acordos de quotistas são concluídos para produzir efeitos no âmbito social, mas sua eficácia é limitada, em princípio, às partes que o celebram.

Não obstante ser pacífico na doutrina e na jurisprudência a impossibilidade de a sociedade ser parte em acordo de quotistas, na medida em que este pacto produzirá efeitos em sua esfera jurídica, é muito comum, além de aconselhável, que ela integre o contrato como interveniente.

Quanto ao seu objeto, contanto que acordo de sócios não contrarie o disposto no contrato social ou na lei, direta ou indiretamente, ele pode tratar de qualquer direito ou obrigação que decorra da condição de titulares de direitos de sócios da sociedade limitada.

As cláusulas mais comuns dos acordos de quotistas dizem respeito ao direito de voto (que visa regular o exercício do direito de voto para influenciar nas deliberações sociais ou dos órgãos de administração da sociedade), direito de preferência (que visa regular a preferência na aquisição de quotas do sócio signatário do acordo de quotistas que deseje alienar, total ou parcialmente, sua participação no capital social) e direito de bloqueio, que tem por escopo restringir a livre cessão e circulação das quotas das partes do acordo de quotistas (exemplo: lock up, tag along, drag along, put option, call option, buy or sell etc.).

Independentemente da forma adotada ou do preenchimento de qualquer outro requisito formal, os acordos de sócios validamente celebrados produzirão efeitos em relação às partes, que estarão obrigadas a cumpri-lo.

No âmbito das sociedades anônimas, em que o acordo de acionistas é regulamentado no artigo 118, da Lei nº 6.404/76, desde que tenha como objeto a compra e venda de ações, preferência para sua aquisição, exercício do direito de voto ou poder de controle e seja arquivado na sede da companhia, ele obriga a própria companhia e terceiros.

Nas sociedades limitadas, nos filiamos à corrente defendida por autores como Modesto Carvalhosa, Herbert Morgenstern Krugler e André Luiz Meneses Azevedo Sette, que entende que, independentemente do contrato social prever ou não a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima, deve-se aplicar, por analogia, o artigo 118, da Lei das S/A, aos acordos de sócios, naquilo que não contrariar a essência da sociedade limitada.

Desta forma, desde que o acordo de quotistas tenha como objeto as matérias previstas no artigo 118, da Lei das S/A; esteja arquivado na sede da sociedade, para que esta tenha ciência inequívoca dos seus termos; e seja arquivado na Junta Comercial, dado que a sociedade limitada não possui livros de registros que funcionem como registro de caráter público e nem emite certificados; ele obriga a sociedade e terceiros.

Nos termos do artigo 118, da Lei das S/A, em caso de inadimplemento de algum acionista ao disposto no acordo por ele celebrado, os demais podem promover a execução específica das obrigações assumidas.

Desta forma, diante do inadimplemento, por uma das partes, de obrigações assumidas no acordo de quotistas, poderão os demais sócios participantes do pacto exigir em Juízo a emissão de declaração de vontade (artigo 501, do CPC/2015). Neste sentido, a sentença judicial substituirá a declaração de vontade não emitida, produzindo o mesmo efeito que ela.

Não obstante a sociedade não ser parte do acordo de quotistas, muitas controvérsias surgem quanto à necessidade de que seja ela parte na ação de execução específica de suas obrigações.

A legitimidade de parte relaciona-se à qualidade expressa em lei que autoriza o sujeito a buscar seu direito em juízo (legitimidade ativa) contra quem entende ser responsável por seu cumprimento (legitimidade passiva).

Nas ações que envolvem o cumprimento de obrigações de acordo de quotistas, portanto, é evidente que a legitimidade passiva ordinariamente pertence ao sócio que deixar de cumprir a obrigação assumida no acordo de quotistas.

Quanto à legitimidade ativa, ela pertence ao (s) sócio (s) que se sentir (em) prejudicado (s) pelo eventual descumprimento da obrigação assumida, pois dele é o direito de exigir seu adimplemento.

Assim, em princípio, não sendo parte do acordo de quotistas, a sociedade careceria de legitimidade para figurar na ação, seja como autor, seja como réu.

Relativamente à legitimidade ativa, nenhum autor pesquisado entende que possa a sociedade demandar o sócio em razão de descumprimento de acordo de quotistas, pelo simples fato de que ela nunca será titular do direito pretendido, esbarrando, portanto, no óbice do artigo 18, do CPC/2015.

Entretanto, como já salientado, mesmo que não seja parte do acordo de quotistas, tem-se que, em determinados casos, a sociedade terá sua esfera jurídica diretamente atingida.

Assim, a doutrina majoritária firmou seu entendimento no sentido de que a legitimidade passiva da sociedade, ainda que não seja parte do acordo de quotistas, pode surgir, a depender dos efeitos que a execução específica da obrigação produzirem.

Marcelo M. Bertoldi explica que, quando os efeitos da execução específica limitarem-se a substituir a declaração de vontade não emitida pelo sócio faltoso, a sociedade não teria legitimidade passiva para responder pela demanda, pois nestes casos, o efeito atinge apenas a esfera jurídica dos próprios sócios e a sociedade irá apenas recepcionar a sentença.

Por outro lado, nos casos em que os efeitos da execução específica ensejarem a ineficácia dos atos registrados na sociedade, sua esfera jurídica será diretamente afetada, pois deverá sujeitar-se aos efeitos da sentença, com a anulação da deliberação ou no que se refere aos registros quanto à eventual cessão de quotas que serão desconsiderados.

Este entendimento também é manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça:

"Recurso Especial. Direito Processual Civil e Direito Societário. Acordo de Acionistas. Execução Específica de obrigações de fazer e de entregar coisa certa (…)
A sociedade também tem legitimidade passiva para a causa em que se busca o cumprimento de acordo de acionistas, porque terá que suportar os efeitos da decisão; como na espécie em que o cumprimento do acordo implicaria na cisão parcial da sociedade. Recursos especiais não conhecidos" [1].

Nestes casos, portanto, poderá surgir a legitimidade passiva da sociedade para responder pela ação de execução específica e, até mesmo, para que a sentença proferida produza seus efeitos perante ela.

Dito isto, pode-se concluir que a legitimidade da sociedade nas ações de execução específica de acordos de quotistas não é automática. Ela deverá ser analisada caso a caso e dependerá dos efeitos que a declaração de vontade não emitida produzirá na esfera jurídica da sociedade.

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Bibliografia
BARBI FILHO, Celso. Acordo de acionistas: panorama atual do instituto no direito brasileiro e propostas para a reforma de sua disciplina legal. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. Vol. 121. São Paulo: Malheiros, 2001.

CARVALHOSA, Modesto. Eficácia e execução específica do acordo de acionistas. Revista EMERJ, vol. 7, nº 26, 2004.

SETTE, André Luiz Menezes Azevedo, Acordo de quotistas sob a ótica do novo Código Civil. Repertório de Jurisprudência. IOB, nº 13/2003, vol. III.

BENEMOND, Fernanda Hennenberg. Acordo de quotistas de sociedades limitadas. 54 f. Dissertação (Mestrado em Direito Societário)  Instituto de Ensino e Pesquisa — Insper, São Paulo, São Paulo, 2015.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 784.267/RJ. Relator: Nancy Andrighi. Terceira Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 17/09/2007. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=673809&num_registro=200501595030&data=20070917&formato=PDF. Acesso em: 30/08/2022.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 30/08/2022.

BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm. Acesso em: 30/08/2022.


[1] STJ – 3ª Turma – REsp 784267/RJ, ministra relatora Nancy Andrighi, j. 31.08.2007.

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