Opinião

Mudanças que finalmente podem destravar o potencial do Fust

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4 de setembro de 2022, 11h17

O Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) foi criado pela Lei 9.998/2000 com o objetivo original de custear a parcela das despesas referentes ao cumprimento de obrigações contratuais de universalização de serviços de telecomunicação que não eram cobertas pelas receitas das prestadoras.  

Ao longo dos anos, o Fust conseguiu arrecadar quase R$ 1 bilhão por ano por meio da cobrança de 1% da receita operacional bruta mensal de atividades de telecomunicações. Porém, em que pese a clara destinação do Fust, nos últimos 22 anos, a União sempre utilizou esses recursos para finalidades alheias ao seu propósito original, como para fazer superavit primário e auxiliar no fluxo de caixa da União, por exemplo.

Naturalmente, a ingerência do Fust nas duas décadas acabou gerando pressão da sociedade, players setoriais e até da própria Anatel para que o fundo passasse a ser utilizado de forma correta. Em 2020, com a publicação da Lei 14.109/2020, que atualizou a destinação dos recursos do fundo, um importante passo foi dado.

A lei discorre sobre o estímulo à expansão, o uso e a melhoria da qualidade das redes e dos serviços de telecomunicação, redução das desigualdades regionais e estímulo ao uso e ao desenvolvimento de novas tecnologias de conectividade. A mudança é relevante em um contexto em que o serviço de internet se tornou essencial.

Uma segunda novidade relevante, foi a criação de incentivos fiscais para prestadoras de telecomunicação, que ao utilizarem recursos próprios na execução de projetos aprovados pelo Conselho Gestor do Fust, são beneficiadas com descontos no recolhimento do fundo. Esse modelo de incentivo é interessante por facilitar o emprego de recursos em projetos de telecomunicação diretamente pelo prestador, eliminando uma etapa do processo  a contribuição ao fundo e subsequente apoio.

Em março deste ano, a publicação do Decreto 11.004/2022 regulamentou o uso de recursos do Fust. E, em junho, com a adaptação da regulação da Anatel com a Resolução 751/2022, mais avanços foram feitos nesse sentido.

Dentre os muitos tópicos que o novo regulamento prevê estão pontos como a ampliação do acesso com velocidade e qualidade aos serviços de telecomunicações; expansão e adequação das redes, inclusive de transporte de alta capacidade; inovação tecnológica; conectividade e inclusão digital, entre outros. Mas a transformação digital da economia brasileira e o acesso à internet em banda larga em velocidade nas escolas públicas brasileiras, em especial as situadas fora da zona urbana, são dois aspectos em destaque.

O texto do decreto demonstra que projetos voltados às escolas públicas serão prioridade do Fust, uma vez que 18% dos valores arrecadados devem ser aplicados em projetos envolvendo estas instituições. Trata-se de um direcionamento importante, dado que, determinados arrematantes de frequências do leilão 5G deverão investir cerca de R$ 3,1 bilhões em projetos em escolas públicas.

O novo decreto também regulamenta todos os aspectos do funcionamento do Fust determinando que o conselho gestor será o órgão competente para aprovar as políticas de aplicação de recursos nas iniciativas.

Todavia, o decreto cria uma potencial insegurança jurídica, uma vez que a primeira modalidade deve ser utilizada, "quando possível", para a redução de desigualdades regionais e sociais, por meio da priorização de áreas com menor desenvolvimento social e maior população potencialmente beneficiada.

Ou seja, os agentes interessados em utilizar os recursos na modalidade de apoio não reembolsável, ficarão à mercê do que o conselho gestor entender como compatível, ou não, com a definição mencionada dado o caráter vago do texto legal.

O artigo 28 do regulamento aprofunda também o incentivo tributário para projetos aprovados pelo conselho gestor na modalidade de apoio não reembolsável e estabelece que determinados projetos não serão financiados, como aqueles impostos por atos regulatórios ou que sejam redundantes em relação a compromissos assumidos em decorrência de outras ações regulatórias da Anatel, por exemplo.

 A Resolução 751/2022 inseriu esse incentivo fiscal ao Regulamento de Arrecadação de Receitas Tributárias, fazendo com que fique compatível com a legislação aplicável ao fundo. Válido até o final de 2026, e sem a certeza de ser renovado, os interessados em implementar projetos compatíveis devem aproveitar esse benefício o quanto antes.

Assim, conforme é possível notar, após mais de duas décadas de discussões acerca dos bilionários recursos do Fust, os últimos dois anos foram marcados por significativas reformas ao fundo. A expectativa é que, com um setor mais maduro e em constante expansão  principalmente com 5G e redes neutras  esse novo arcabouço legal/regulatório poderá finalmente destravar o potencial do Fust de proporcionar avanços expressivos para o setor de telecomunicações.

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