Opinião

STF deve resolver a celeuma das multas tributárias "isoladas"

Autores

  • Eduardo Gonzaga Oliveira de Natal

    é mestre em Direito Tributário pela PUC-SP presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (Abat) e sócio do escritório Natal & Manssur.

  • Cíntia Regina de Sanchez e Robin

    é especialista em International Taxation na Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) pós-graduada latu sensu em Direito Tributário na Pontifícia Universidade Católica (PUC) LL.M em International Taxation na Maastricht University (Holanda) e advogada no Natal & Manssur Advogados.

1 de setembro de 2022, 13h03

Ainda neste ano, o Supremo Tribunal Federal deverá resolver a celeuma em torno da aplicação das multas tributárias "isoladas". Em geral, elas são penalidades pecuniárias aplicadas quando o contribuinte descumpre um dever formal, mesmo que tenha recolhido o tributo.

Sob esse contexto, o STF definirá os critérios de aplicabilidade em dois casos com repercussão geral: um deles trata de multa aplicada pelo Estado de Rondônia pela falta de emissão de notas fiscais (Tema 487) e o outro trata da não homologação, pela Receita Federal, de pedidos de compensação feitos pelo contribuinte (Tema 736).

Ante a complexidade do sistema tributário brasileiro, o que se deve ter em mente é que multas dessa natureza deveriam levar em conta a intenção do contribuinte, ou seja, o intento punitivo deveria atingir apenas o contribuinte que age de má-fé. Contudo, na prática não há esse sopesamento, pois as multas isoladas atingem também os contribuintes idôneos, que por um equívoco, deixaram de cumprir suas obrigações acessórias corretamente.

Em detalhe, em 2010, foi acrescentado o §17 ao artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, instituindo a multa isolada de 50% sobre o valor do débito decorrente da não homologação de declaração de compensação, (Tema 736).

Apesar de tal penalidade contribuir para inibir compensações insubsistentes por contribuintes de má-fé, tal dispositivo vem sendo aplicado de forma ampla, penalizando igualmente, o contribuinte que simplesmente exerceu seu direito constitucional de petição, o que configura ofensa aos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade.

Outrossim, ao impor um percentual de 50% sobre o valor do débito não homologado, há uma latente ausência de gradação de pena conforme a intenção do agente, o que viola o princípio da isonomia, eis que bons e maus recebem a mesma punição. 

O mesmo se observa na famigerada multa de 40% aplicada pelo Estado de Rondônia, decorrente da não emissão dos documentos fiscais exigidos para o transporte de óleo diesel (Tema 487).

Em que pese a gravidade na falta de emissão de nota fiscal, sustentáculo da arrecadação do ICMS, quando se analisa o caso sub judice no Supremo, observa-se que o contribuinte não agiu de má fé, mas simplesmente assumiu que estaria dispensado da emissão, com base em dispositivo legal diverso daquele que serviu de base para a autoridade fiscal lançar a multa.

Ademais, e não obstante a lei outorgar à autoridade rondoniense a prerrogativa de graduar a aplicação das multas entre cinco até 40 pontos percentuais, o que se viu na prática foi a necessidade do contribuinte se socorrer do judiciário para obter da redução do patamar de 40% para 5%.

Posto isso, importante notar o pano de fundo do julgamento desses temas, que diz respeito ao excessivo contencioso tributário instalado no Brasil devido à dificuldade na interpretação das leis e a consequente aplicação das normas tributárias.

Afinal, a divergência na interpretação legislativa que gerou o caso de Rondônia foi corroborada pelo próprio subprocurador da República Paulo da Rocha Campos, que se manifestou nos autos de forma antagônica à fiscalização, defendendo a ausência de descumprimento de obrigação acessória pelo contribuinte.

A propósito desse ponto, a própria OCDE, por meio do IMF/OECD Report for the G20 Finance Ministers reconhece que as frequentes diferenças entre a norma jurídica originada do processo legislativo e sua respectiva orientação e interpretação pela administração tributária  são as principais razões da insegurança e conflituosidade nas relações tributárias. Essa constatação foi corroborada pelo próprio Tribunal de Contas da União, no Acórdão nº 1.105/2019.

Note-se que a complexidade do sistema tributário brasileiro é refletida, até mesmo, em estudos internacionais. De acordo com o Centre for Business Taxation da University of Oxford, o Brasil figurou em 20° lugar na verificação da incerteza quanto à tributação de pessoas jurídicas, dentre os 21 países analisados. Tratando-se do Índice Tax Complexity, elaborado pelas universidades alemãs LMU Munich e Universität Paderborn, o Brasil figurou na 60ª posição entre 69 países no índice geral de complexidade do sistema tributário, com base em dados coletados em 2020. 

E é justamente essa complexidade que contribuiu para o número elevado de demandas tributárias, que alcançou R$ 5,44 trilhões em 2019, o que equivalia a 75% do PIB, consideradas as esferas administrativa e judicial, nos três níveis federativos, segundo pesquisa do Núcleo de Tributação do Insper.  

Diante desse cenário, espera-se que o STF reconheça a latente falta de razoabilidade e proporcionalidade na aplicação das multas isoladas, de molde a afastar a aplicação de penalidades anti-isonômicas e confiscatórias e para o fim de promover um ambiente tributário menos complexo.

Autores

  • é mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (Abat) e sócio do escritório Natal & Manssur.

  • é advogada do Natal e Manssur Advogados, especialista em International Taxation na Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), pós-graduada Latu sensu em Direito Tributário na Pontifícia Universidade Católica (PUC) e LL.M em International Taxation na Maastricht University (Holanda).

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