Opinião

Divulgação de fato relevante e suas implicações

Autor

1 de setembro de 2022, 15h13

A divulgação de informações sobre ato ou fato relevante é um dos princípios basilares para a estabilidade do mercado de capitais. Esse conceito se baseia no dever em que os diretores e os membros do conselho de administração da companhia aberta têm de informar sobre qualquer fato relevante ocorrido que possa influir, de modo ponderável, na tomada de decisão do investidor. Isso porque a prática de divulgação seletiva ou equivocada pode levar a uma perda de confiança dos investidores na integridade do mercado.

É natural que muitos investidores não esperam depender exclusivamente de pesquisas e análises realizadas por profissionais, como era mais comum no passado. Com os avanços da tecnologia da informação, as informações podem ser comunicadas aos acionistas diretamente e em tempo real, sem a intervenção de um intermediário. Essa revolução online criou uma maior demanda, expectativa e necessidade de entrega direta de informações de mercado. Portanto, há maior probabilidade de as informações não serem prestadas de forma precisa e adequada, gerando, consequentemente, impactos no juízo de valor dos investidores em negociar com os valores mobiliários de emissão da companhia.

O conceito de fato ou ato relevante está definido no artigo 157 da Lei Federal nº 6404/76 (LSA), onde impõe como obrigação aos diretores e administradores das companhias abertas o dever de divulgação de qualquer fato que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado em vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia aberta. Adicionalmente, a Lei Federal nº 6385/76 delegou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) o poder de fiscalizar a veiculação de informações relativas ao mercado de capitais.

No âmbito de sua competência, através da Resolução nº 44/21, a CVM buscou fornecer uma lista de eventos potencialmente relevantes para facilitar a avaliação que lhe cabe realizar sobre a relevância da informação. Contudo, a mesma se utiliza da expressão "possam influir" para dar um significado de obrigação, afastando-se, portanto, uma aparente presunção. Porém, a caracterização de um fato ou ato como relevante não depende, apenas, que o mesmo esteja identificado como uma das hipóteses elencadas pela CVM. A divulgação do fato relevante somente será obrigatória se tiver potencial de influir de modo ponderável 1) na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados; 2) na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários; ou 3) na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados.

Assim, o que é determinante para um fato relevante ser publicado é saber se ele pode repercutir na decisão dos investidores de negociar com os valores mobiliários emitidos pela companhia aberta. Esse entendimento se baseia no princípio do disclosure adotado pela legislação federal americana. O princípio do disclosure está pautado no dever de honestidade. O dever de honestidade inclui deveres de: 1) não fazer declarações falsas sobre fatos relevantes, 2) não omitir fatos relevantes de modo a tornar as declarações enganosas, 3) corrigir declarações materialmente falsas ou enganosas e 4) atualizar certas declarações que se tornaram materialmente falsas ou enganosas.

Ainda sob a ótica do direito americano, o simples fato de uma informação ser falsa ou enganosa não a torna material. E só porque a informação é material não significa que deva ser divulgada. Ou seja, os deveres de materialidade e divulgação são conceitos diferentes, embora relacionados. Cumpre ainda observar que o dever de divulgação diz respeito ao "se" e "quando" as informações devem ser divulgadas. Já a materialidade diz respeito a "quais informações" devem ser divulgadas. Isso significa que a primeira questão em qualquer contexto de divulgação de valores mobiliários é sempre uma obrigação. A menos que haja o dever de divulgação, a materialidade da informação é apenas de interesse teórico.

Um teste comum para identificar, de modo ponderável, se o fato ou ato relevante influiu na decisão dos investidores é a verificação da cotação do preço de mercado das ações da empresa na data em que as informações são divulgadas pela primeira vez. Uma mudança significativa no preço (na direção indicada) sugere materialidade; nenhuma mudança (ou uma mudança na direção oposta) sugere imaterialidade. Embora possa haver outros eventos ou outras divulgações na data da divulgação da informação que possa confundir essa análise, há inferência de que uma mudança de preço mostra que o mercado considerou a informação relevante.

Como forma de contextualizar a importância do dever de informação de forma correta e precisa ao mercado, podemos utilizar como exemplo o caso da empresa Multilaser Industrial S.A. ("Multilaser"), cujos dois dirigentes fecharam acordo com a CVM para encerrar a abertura de processo administrativo sancionador que teria como objetivo apurar "possível descumprimento do dever de guardar sigilo ao revelar, em entrevista veiculada, informação não divulgada pelos meios regulamentares".

Conforme apurado pela CVM, o diretor presidente da companhia teria divulgado informação de caráter sigiloso ao afirmar em notícia veiculada na website, em 5/10/2021, que a Multilaser possuía uma projeção de alta no seu faturamento em montante que seria superior a 60% ao total auferido no exercício social findo em 2020. No mesmo dia, após o encerramento do pregão na B3, a empresa emitiu um fato relevante confirmando a informação da reportagem, sem retificação.

Contudo, tal informação teria sido "reproduzida imprecisamente", eis que o diretor presidente teria informado, em verdade, que o faturamento realizado até 31/9/2021 "projetava", para o ano inteiro de 2021, um crescimento de 60% em relação ao montante auferido em 2020. A movimentação atípica da Multilaser no pregão de 6/10/21 teria sido objeto de divulgação pela mídia no mesmo dia, incluindo a informação sobre faturamento ainda não retificada, o que viria a acontecer com a publicação de um novo fato relevante, após o encerramento desse pregão.

O fato é que a imprecisão das informações reveladas ocasionou em movimentações atípicas nos valores mobiliários emitidos pela Multilaser em volume equivalente a 8,1 vezes a sua média, tendo os preços atingido alta de 14,22%, às 11h28, e fechado em 16,09% positivos.

Quando a divulgação de informações passadas coincide com mudanças anormais nos preços das ações públicas, há uma inferência de que a informação foi relevante, pois afetou o comportamento real dos negociadores de valores mobiliários. Isso ocorre porque a maioria das divulgações é de dados verificáveis sobre assuntos como resultados financeiros anteriores, transações comerciais concluídas, remuneração de executivos e participações acionárias e assim por diante. Para tais informações históricas, o teste de "verossimilhança substancial" enquadra o inquérito de materialidade.

Note, portanto, que no caso da Multilaser, tanto o seu diretor presidente quanto o Diretor de Relações com Investidores, ao firmarem o termo de Compromisso com a CVM, reconheceram, em tese, as movimentações atípicas nos valores mobiliários emitidos pela companhia em razão do equívoco na divulgação do fato relevante.

Por fim, não há dúvidas de que a CVM não possui poderes para divulgar atos ou fatos relevantes em nome das companhias abertas. Contudo, compete à entidade autárquica orientar a divulgação e sancionar o não cumprimento dessa ordem, bem como atuar para a prevenção desses acontecimentos no mercado. Isso porque o dever de informar fato relevante tem por finalidade buscar uma igualdade entre os diretores, conselheiros, acionistas e potenciais investidores, na medida em que a confiança e a consequente divulgação de informações relevantes configuram um requisito básico de segurança e até mesmo de existência e de manutenção do mercado de valores mobiliário.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!