Opinião

Doenças odontológicas e planos de saúde médicos

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27 de outubro de 2022, 18h26

Há notícia que em 2737 a.C. o imperador chinês Shen Nongum, cientista que era, costumava beber água fervida para limpar o organismo, e indicava o chá de maconha para alguns tratamentos.

Pedânio Dioscórides, nascido em Anazarbo, atual Turquia, fundador da farmacognosia, um dos ramos mais antigos da farmacologia, que estuda os princípios ativos naturais (animais ou vegetais), na obra empírica De Matéria Médica, conhecida como a principal fonte de informação sobre drogas medicinais desde o século 1 até ao século 18, dentre as citações de 600 plantas, 35 fármacos de origem animal e 90 de origem mineral, estava a maconha.

O uso da maconha como remédio se tornou popular Ásia, Oriente Médio e África. Seitas hindus a usavam maconha (Bhang) para rituais religiosos e alívio do estresse e ansiedade, sendo considerada sagrada. Tem-se conhecimento que médicos da antiguidade prescreviam maconha para a maioria das enfermidades, principalmente aquelas ligadas a dor.

Em 1889, no artigo escrito pelo PhD. E.A Birch, para revista The Lancet indicou o uso da cannabis para o tratamento de dependência do ópio, sendo consolidada nos anos seguintes como medicamento nos EUA e Europa.

No Brasil, durante o período colonial, a maconha foi trazida por escravos africanos, tendo sua produção estimulada pela coroa.

No início do século 20 passou de consumida como hábito para socialmente discriminada, por uma elite moralista e por religiosos, difundindo-se a ideia do preconceito e da criminalidade, sendo o uso medicinal fortemente suprimido.

Em 1964 o químico e médico búlgaro professor dr. Raphael Mechoulam, um dos pioneiros no uso medicinal da cannabis, do Departamento de Química Medicinal e Produtos Naturais, da Escola de Medicina da Universidade Hebraica de Jerusalém, isola um dos canabioides da cannabis, o tetraidrocanabinol (THC).

A maconha é composta de diversos tipos de canabioides, sendo os mais conhecidos: o Tetrahidrocanabinol (THC) e o Canabidiol (CBD). O THC é o vilão responsável pelos efeitos psicoativos e neurotóxicos, e o CBD, o mocinho, com suas funcionalidades terapêuticas.

Em 2010, no Brasil, o documentário Cortina de Fumaça de Rodrigo Mac Niven apresenta uma abordagem multidisciplinar sobre o uso medicinal da maconha, e sobre os problemas advindos da proibição da planta.

Outros episódios — como a prisão do músico Pedro Caetano da Silva, da banda Ponto de Equilíbrio e a Marcha da Maconha para liberação do uso pelo Superior Tribunal Federal, ambos de 2011, o caso da menina americana Charlotte Figi portadora da síndrome de Dravet (2012), a realização em 2013 do primeiro Congresso Internacional de Drogas, Lei, Saúde e Sociedade, em 2014 o caso de Anny Fisher, como a primeira brasileira a conseguir na justiça a importação do óleo de CBD, discussões na Anvisa sobre a reclassificação do canabidiol, a campanha Repense pela regulamentação da maconha, o premiado internacionalmente documentário Ilegal, da Superinteressante, as políticas de incentivo da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (AMA+ME) — contribuíram um movimento rumo a informação e a desmistificação do assunto.

Em 2014 a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), autorizou a impostação do CBD, para tratamentos medicinais.

Nesse mesmo ano, o Conselho Federal de Medicina editou a norma 2.113 que classifica a cannabis como terapia experimental, para crianças e adolescentes com epilepsia, que não respondem ao tratamento convencional.

Na Câmara foi aprovado o projeto de lei (PL) 399/15, que autoriza o cultivo da planta para fins medicinais e industriais no Brasil.

Não resta dúvida sobre os potenciais benefícios terapêuticos do CBD no tratamento de inúmeras doenças, desde a produção da atividade de osteoblastos e suas propriedades imunossupressora, tratamento da Aids, até o controle da diabetes, anorexia, controle da depressão e psicose, dependência química, tratamento de doenças intestinais, artrites, tratamento do câncer de pâncreas, câncer de mama, pulmão, próstata, cólon e retal, estomago, enfim.

A lentidão do Conselho Federal de Medicina (CFM), em atualizar as regras, em especial a norma 2113 sobre o uso do CBD, tem deixado médicos que costumavam receitar esse tipo de tratamento expostos a processos judiciais e junto aos seus órgãos de classe, apesar da autorização da importação pela Anvisa, acima mencionado.

Tem-se notícia de inúmeras sindicâncias nos Conselhos Regionais de Medicina em virtude da prescrição de cannabis para tratamentos, que fujam daquele da norma 2113, em dissonância com a realidade do crescimento do número de brasileiros em tratamento com a cannabis medicinal.

Em 2021 foram mais de quarenta mil pedidos de importação no Brasil.

Em meados desse mês de outubro de 2022, foi publicada a Resolução 2.324/2022 do CFM, restringindo a prescrição de canabidiol em sua modalidade compassiva (aquele que não possui registro sanitário) e off label (fora da prescrição original), arrebatando a comunidade de pacientes, médicos e a sociedade civil.

Essa resolução restringiu a utilização da cannabis para epilepsia da criança e adolescente refratárias às terapias convencionais na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa, e vedou a "a prescrição de canabidiol para indicação terapêutica diversa da prevista nesta Resolução, salvo em estudos clínicos autorizados pelo Sistema CEP/Conep" (artigo 3.º, I).

Causa estranheza, que o mesmo CFM durante a pandemia, autorizou que os médicos, de acordo com sua autonomia e julgamento, prescrevessem cloroquina e hidroxicloroquina (Parecer nº 4/2020), em consonância com o código de ética médica; o médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.

Que contradição!

Essa resolução vedou, também, a possibilidade da realização de palestras e cursos sobre uso do canabidiol fora do ambiente científico, bem como fazer divulgação publicitária.

Censura?

Desde o dia 24 de outubro a resolução, criticada por múltiplos setores, está suspensa pelo CFM, aguardando contribuições da população sobre o tema, que pode ser feito até o dia 23 de dezembro no site da entidade.

O bem estar de quem utiliza o tratamento com canabidiol esta em pauta e é defendido por importantes sociedades.

A sociedade médica e civil não pode se intimidar, as resoluções são inconstitucionais, ante a redação do artigo 196, da Constituição Federal, que considera a saúde um direito de todos e dever do Estado, que deve garanti-la.

Eventual sedimentação dessa nova resolução é e será um retrocesso.

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