Opinião

Novo quórum das limitadas: possibilidades de escolha de tipo societário

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  • Ivo Bari

    é sócio do BVZ Advogados professor de pós-graduação do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e mestre em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP).

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  • Renato Vilela

    é sócio do BVZ Advogados professor de pós-graduação do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) doutorando em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Direito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

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  • Rodolfo Arbex

    é graduando em Direito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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27 de outubro de 2022, 7h07

Na nossa tipologia societária, a sociedade limitada sempre foi, ao menos em tese, conhecida como um regime destinado a empreendimentos de pequeno e médio porte, que exigissem uma governança corporativa menos sofisticada e engessada, conferindo aos empresários maior autonomia para dispor sobre as suas sociedades.

Esse reconhecimento se deve à regulação das sociedades limitadas no ano de 1919, pelo Decreto nº 3.708, que trouxe disposições simples e objetivas e privilegiou o contratualismo entre as partes, ao invés de impor normas quanto à estrutura das empresas e às formalidades exigidas para os seus procedimentos internos.

Em que pese mais flexíveis, essa característica mudou com a promulgação do atual Código Civil em 2002. As limitadas, que até então eram governadas pela vontade da maioria, passaram a respeitar quóruns de deliberações de sócios de 75% para aprovações societárias significativas, tais como alterações de contrato social e decisões sobre a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, bem como a cessação do seu estado de liquidação.

Vale destacar que o Código Civil alterou os quóruns de deliberação das matérias mencionadas acima sem qualquer razão para tanto, submetendo outras matérias ao crivo de apenas a maioria do capital social, como a designação, a destituição e o modo de remuneração dos administradores e o pedido de falência. Em outras palavras, a nova legislação civil impactou gravemente o funcionamento das limitadas, sem, contudo, justificar tal alteração drástica.

Por outro lado, as sociedades por ações, regidas pela Lei nº 6.404/76, tinham por objetivo criar estruturas societárias mais sofisticadas, para grandes empreendimentos empresariais, com normas obrigatórias a serem respeitadas pelos acionistas em relação às deliberações sociais, aos seus deveres e à organização dos órgãos administrativos. Ao contrário das limitadas, as deliberações de acionistas nas S/As seguem o princípio majoritário, com quóruns de aprovação baseados no famoso "50%+1".

Os quóruns elevados de aprovações societárias previstos para as limitadas sempre geraram um empecilho para aqueles que gostariam de aderir a tal tipo, mas tinham sócios minoritários com mais de 25% do capital social. Criava-se uma dificuldade para a condução dos negócios sociais, uma possibilidade de obstrucionismo pelo minoritário mal-intencionado, e aumentava-se o custo de controle societário de tais sociedades.

Essa diferença de quóruns de deliberação entre as sociedades limitadas (75%) e as S/A (50%+1) acabou gerando uma indesejável “fuga” dos empresários, a partir da vigência do Código Civil, levando uma série de empresas a serem constituídas sob forma de S/As unicamente para assegurar a tranquilidade do controle.

Em razão do seu propósito de fomentar projetos de grande porte, as S/As exigem da empresa maiores formalidades registrais, obrigações de publicações e controle de informações e deliberações. Em complemento, a Lei das S/As também descreve os deveres e responsabilidades com que os administradores devem gerir a empresa, junto a hipóteses de descumprimento dessas obrigações, de modo a requerer uma maior fiscalização sobre os órgãos administrativos. 

Consequentemente, esse tipo societário sujeita os empresários à necessidade periódica de desembolsar custos com burocracia e trâmites que não teriam que incorrer no caso das limitadas.

A despeito disso, os empresários viram nesse regime um trade-off: a renúncia da flexibilidade organizacional das limitadas e das menores despesas administrativas em prol da detenção do controle societário com mais facilidade nas S/As.

Esse panorama na escolha do tipo societário perdurou durante duas décadas, até que, recentemente, em 21.09.2022, foi promulgada a Lei nº 14.451, que revogou o artigo 1.076, I, do Código Civil de 2002, e trouxe uma nova redação ao seu inciso II, segundo a qual, de agora em diante, as deliberações de sócios nas limitadas que antes dependiam de 75%+1, passam a depender de votos representativos de mais da metade do capital social.

A idealização dessa mudança veio do Projeto de Lei nº 4.498/16, apresentado pelo então Deputado Carlos Bezerra. Na justificação do projeto, o autor explica como o atual ordenamento jurídico se tornou confuso e com diversos erros que configuravam entraves ao empreendedorismo brasileiro, sobretudo a obrigatoriedade de aprovação de 75% do capital social para alteração do contrato social de limitadas. Com isso, o deputado sugeriu o projeto para simplificar os quóruns de deliberações do Código Civil de 2002 e eliminar essa exigência que retardava o desenvolvimento das sociedades limitadas.

A aprovação da lei foi muito bem recebida pela comunidade jurídica empresarial, que viu nela um conserto do percalço imposto pelo atual Código Civil. Essa alteração entra em vigor no dia 21.10.2022, e, com ela, soluciona-se o problema que tantos empresários vinham enfrentando, possibilitando a constituição de seus empreendimentos como sociedades limitadas, sem perder o controle societário pela detenção da maioria absoluta do capital social. Agora, os empresários que tenham sócios minoritários relevantes poderão usufruir do tipo societário da limitada para seus negócios, sem a necessidade de incorrer em burocracias e custos desnecessários impostos às S/As.

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