Opinião

Filtro para "inglês ver": critica ao comando do artigo 1.030 do Código de Processo Civil

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26 de outubro de 2022, 21h29

A origem da expressão contida no título deste artigo é controversa. A explicação mais difundida — e talvez não seja a verdadeira — é a de que o Brasil, a fim de aplacar a pressão inglesa pelo fim do tráfico negreiro no século 19, teria promulgado leis de combate ao escravagismo, sem, contudo, ter se esmerado no fim de tão importante chaga em nossa história.

Nessa linha, "para inglês ver" significa, atualmente, tudo aquilo que é feito ou praticado apenas para dar uma aparência de propósito ou eficiência, sem, entretanto, atingir qualquer desses desideratos.

Pois bem. O comando do artigo 1.030 do Código de Processo Civil, que confere aos presidentes ou vice-presidentes dos Tribunais de Justiça das unidades da federação ou dos Tribunais Regionais Federais os poderes do exercício do juízo de admissibilidade aos recursos especiais ou extraordinários, interpostos para atacar acórdãos proferidos pelos mesmos órgãos judiciários, perdeu a sua essência.

O filtro que os tribunais (teoricamente) fazem antes de o recurso especial ou extraordinário serem julgados pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal é medida atualmente inócua e ineficiente, conferindo apenas a aparência de melhor gestão do acervo processual que chega aos tribunais superiores e ao Supremo.

O que torna a sistemática prevista pelo artigo 1.030 do Código de Processo Civil ineficaz é a padronização de decisões dos presidentes dos tribunais de origem que, aparentemente, sem levar em consideração as peculiaridades dos casos concretos, inadmitem os recursos especiais ou extraordinários quase sempre calcados nos mesmíssimos argumentos, a saber, pretensa violação aos comandos das Súmulas 5 e 7 do Superior Tribunal de Justiça, 284 do Supremo Tribunal Federal[1], ou falta de repercussão geral, naqueles recursos dirigidos à Suprema Corte.

Cria-se, então, um rigor excessivo nas análises de admissibilidades desses recursos, que não espelham com exatidão o direito em análise, e, com essa "mão pesada", cria-se uma verdadeira via crucis para o jurisdicionado com a justificativa de não sobrecarregar as Cortes com recursos supostamente inadmissíveis.

Até aí, com as ressalvas aqui já registradas, o filtro se justificaria, não fosse a figura do recurso de agravo previsto no artigo 1.042 do Código de Processo Civil.

Tem-se, então, a figura de dois pesos e duas medidas. Todo aquele rigor utilizado excessivamente (e muitas vezes injustamente) na análise da (in)admissão dos recursos à terceira instância cai por terra quando se interpõe o recurso de agravo, que, necessariamente, faz subir o recurso especial ou extraordinário às Cortes de destino.

Sobe, é verdade, só que mais fragilizado quando chegam aos tribunais de Brasília, não valendo de nada aquele rigor inicial dado pelos tribunais de origem no intuito de reduzir, por supostamente inadmissíveis e contrários às súmulas, aqueles recursos inadmitidos prima facie em análises quase que intransponíveis.

Não seria mais fácil encontrar um meio termo para isto? Ou seja, nem tanto ao mar e nem tanto à terra, afinal, seja pela via direta ou indireta, os dois caminhos levam a Roma, com os recursos chegando aos tribunais se Brasília e os sobrecarregando da mesma maneira. Não é, afinal, um filtro para inglês ver?

Portanto, é chegada a hora de, modernizando o Código de Processo Civil, alterar o modo de submissão da análise do cabimento do recurso especial e extraordinário direta e exclusivamente pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal, porquanto os ingleses, que somos todos nós, advogados, já perceberam, há muito, a deficiência do sistema, com uma avenida estreita e esburacada para a admissão dos recursos especiais e extraordinárias e outra larga e pavimentada para os agravos em recurso especial e recurso extraordinário.


[1] Aplicável, por analogia, aos recursos especiais.

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