Opinião

É preciso incentivar o setor de franquias em nível municipal

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24 de outubro de 2022, 19h31

Recentemente o município do Rio de Janeiro propôs o Projeto de Lei nº 1.511/22, que se destina a atividades de franquia (franchising) e tem por objetivos reduzir de 5% para 2% a alíquota do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e possibilitar a renegociação do pagamento com desconto e de forma parcelada caso o franqueador tenha dívidas de ISS. Nesses casos, a alíquota não será retroativa.

Como justificativa à iniciativa, duas questões se tornam centrais: o reconhecimento de um possível fluxo migratório das empresas franqueadoras estabelecidas no município do Rio de Janeiro para outros municípios, por conta da concessão de incentivos fiscais; e compreender quais seriam os melhores incentivos para se evitar perda de arrecadação e, ainda assim, motivar o setor para além da diminuição da alíquota de ISS.

Sobre a primeira questão — referente a um eventual fluxo migratório —, é preciso demonstrar alguns dados. As unidades franqueadas na cidade aumentaram de 13.978 no ano de 2018 para 16.917 no ano de 2021, gerando o aumento de empregos diretos de 122.385 em 2018 para 142.778 em 2021. Em três anos, mais de vinte mil empregos foram gerados, impactando positivamente na economia carioca. Além disso, aproximadamente 17% dos empregos diretos no setor de franchising são ocupados por pessoas em sua primeira experiência profissional [1].

O aquecimento no setor pode ser visto para além desses números. Das vinte e sete capitais, São Paulo, Goiânia, São Luís e Brasília possuem a alíquota de 2%. Duas possuem a alíquota de 3% (Belo Horizonte e Palmas). As demais capitais adotam a alíquota padrão de 5%.

No que tange ao estado do Rio de Janeiro, foram analisadas as alíquotas dos seus 92 municípios [2]. Alguns deles apresentam alíquotas mais competitivas e poderiam representar uma possibilidade de êxodo aos franqueadores que desejam mudar-se em busca de alíquotas de ISS reduzidas. Outros 20 municípios praticam a alíquota de 2% [3]. São João da Barra estipulou 2,5% de alíquota e outros 15 municípios praticam alíquotas que variam entre 3% e 4% [4]. Ao todo, 37 municípios têm praticado alíquotas menores que o Rio de Janeiro.

Manter-se em posição competitiva frente a diversos entes federativos é relevante para a saúde do ambiente de negócios. Compreender as alíquotas é um dado importante, que permite ao gestor público refletir sobre o quadro geral de incentivos existentes para uma determinada atividade econômica. Nem sempre o incentivo fiscal, por si só, basta para alavancar o crescimento do setor. É necessário interpretar os elementos existentes na conjuntura.

Nesse sentido, surge a segunda questão que justifica o referido PL. Pretende-se conceder a redução da alíquota de ISS mediante o adimplemento de uma condição por parte dos contribuintes: que a base de cálculo do ISS devido, em relação aos serviços de franquia prestados pelas empresas do setor como um todo, apresente um incremento anual de 10%, durante um período de 20 anos. Assim, o crescimento do setor torna-se condição para a manutenção da alíquota privilegiada. O impacto orçamentário-financeiro da renúncia fiscal em questão, que seria da ordem de 8,8 milhões de reais por ano [5], estaria compensada por meio do crescimento do setor.

O mecanismo proposto traz uma inteligência capaz de socorrer a todos e salvaguardar principalmente o interesse público, caso a redução de alíquota do ISS não seja realmente uma ferramenta capaz de atrair efetivamente o empreendedor da área de franquias.

Mas o debate sobre as alíquotas vem a reboque de um momento peculiar para o setor: houve recente decisão do Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade da incidência do ISS sobre a atividade de franquias, debate que vem sendo esgarçado desde 2010.

De um lado, argumentava-se que o contrato de franquia contempla somente a cessão de direito de uso da imagem — uma obrigação de dar — e não um serviço. De outro, houve quem defendeu que a atividade possui natureza mista, já que contempla — para além da cessão do direito de uso de imagem — serviços de treinamento, suporte e apoio na abertura e manutenção do negócio.

O STF confirmou a constitucionalidade da Lei Complementar Federal 116/2003 e da Lei Municipal 3.691/2003 do Município do Rio de Janeiro, normativos que previam a incidência de ISS sobre o setor de franquias. Como argumento, o voto vencedor sustentou a visão de que muito embora o objeto central do contrato de franquia seja a cessão do direito de uso de imagem, suas características também apresentam uma série de serviços e intermediações de caráter empresarial que se enquadrariam na categoria de "serviços" e, portanto, estariam sujeitos à cobrança de ISS.

O julgado foi objeto da Repercussão Geral de Tema 300 e as ações encontravam-se suspensas desde setembro de 2010. Com a nova decisão, as empresas franqueadoras que não recolheram o ISS de suas atividades terão de fazê-lo de modo retroativo dos últimos cinco anos, além de passarem a recolher o tributo a partir da decisão.

Com isso, o setor, já impactado pela pandemia do Covid-19, passou a ser devedor de vultuosos valores a título de ISS retroativo, além de passarem a suportar um custo antes não existente a título de ISS corrente. Diante desse cenário, surge o debate acerca do papel do Estado — e, nesse caso específico, dos municípios — no desenvolvimento de ações para mitigar os impactos negativos que tais passivos gerarão no setor e, por consequência, no mercado local.

Tal tarefa não é trivial. Isto porque, de um lado, muito embora a discussão da cobrança do ISS de franquias estivesse suspensa em razão da Repercussão Geral do STF, sua previsão é estabelecida por lei e, portanto, presume-se sua constitucionalidade. Diante disso, as boas práticas empresariais e tributárias em casos como esse sugerem depositar os valores questionados em juízo ou provisioná-los para futuro pagamento. Contudo, e sobretudo em tempos de crise, tal ação por vezes é de difícil planejamento pelos contribuintes.

É inegável a relevância do setor para o mercado local, e tomar medidas para auxiliá-lo representaria um ganho para os municípios. Por serem estabelecimentos que oferecem serviços ou produtos usualmente reconhecidos pelos consumidores, os empreendimentos possuem maiores chances de consolidação e sucesso. Não por outra razão, são frequentemente escolhidos por pequenos e médios empreendedores que desejam abrir o próprio negócio com menos riscos aos aportes realizados — gerando empregos e movimentando a economia local.

Necessário ponderar ainda que os valores de ISS que passarão a ser recolhidos pelo setor de franquias estarão na composição de preços dos produtos e serviços comercializados, contribuindo para uma eventual alta dos valores repassados ao consumidor.

Os setores da indústria e comércio passam agora por um momento de retomada após a estabilização do cenário da pandemia de Covid-19. Por isso, mercado, Estado e sociedade civil devem trabalhar juntos e de forma coordenada visando contribuir para o avanço do cenário econômico a nível local e nacional, sem descuidar de criar uma arquitetura de escolhas que realmente incentivem determinado setor ao crescimento. No caso, parece muito acertado aparelhar incentivo de redução de alíquota à meta de crescimento do setor. Caso a Câmara dos Vereadores aprove e o PL possa viger como lei, será interessante verificar nos próximos anos como irá se desenvolver o setor de franquias.

 


[1] Dados apresentados pela Associação Brasileira de Franchising em https://www.abf.com.br/numeros-do-franchising/

[2] A presente pesquisa não encontrou dados referentes aos Municípios de Conceição de Macabu, Laje do Muriaé, São Francisco do Itabapoana, Trajano de Moraes, Varre-Sai e Duas Barras.

[3] São eles Cachoeiras de Macacu, Campos dos Goytacazes, Cardoso Moreira, Comendador Levy Gasparian, Duque de Caxias, Guapimirim, Japeri, Miguel Pereira, Paracambi, Paty dos Alferes, Petrópolis, Pinheiral, Piraí, Porto Real, Rio Bonito, Santo Antônio de Pádua, São Fidélis, São Sebastião do Alto, Saquarema e Volta Redonda.

[4] São eles Araruama, Bom Jardim, Bom Jesus do Itabapoana, Miracema, Quatis, Resende, Rio das Ostras, São José do Vale do Rio Preto, Silva Jardim, Tanguá, Barra Mansa. Itaocara, Itatiaia, Rio Claro, Santa Maria Madalena.

[5] Dados contidos na Mensagem do Projeto de Lei nº 1.511/22.

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