Opinião

Medida Provisória nº 1.137/2022 e a atração de investimentos estrangeiros

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24 de outubro de 2022, 17h08

A Medida Provisória nº 1.137/2022, com eficácia a partir de 1º de janeiro do ano que vem, trouxe importantes mudanças para os investimentos estrangeiros em títulos privados, ampliando e simplificando as hipóteses de isenção de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) para rendimentos e ganhos auferidos por investidores estrangeiros, conforme se verifica abaixo:

(1) simplificação dos requisitos para isenção de IRRF previstos na Lei nº 11.312/2006: com a Medida Provisória nº 1.137/2022 quaisquer Fundos de Investimento em Participações (FIPs), desde que enquadrados nos requisitos previstos na Instrução CVM nº 578/2016, podem ser beneficiados pela isenção do IRRF [1], sendo vedada essa fruição a determinados investidores estrangeiros; e

(2) ampliação do benefício fiscal para (a) os Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE) (b) Fundos de Investimento em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I), (c) Fundos Soberanos, (d) Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), (e) títulos ou valores mobiliários (artigo 2º, Lei nº 6.385/1976) e (f) Letras Financeiras.

Os objetivos [2] da Medida Provisória nº 1.137/2022 consistem em (1) atrair investimentos estrangeiros para o mercado de crédito privado brasileiro e (2) conferir isonomia de tratamento em relação às alíquotas para investimentos em ativos de renda fixa e de renda variável para investidores estrangeiros, que já se beneficiavam com a alíquota zero de IRRF. De fato, a medida conferiu maior isonomia de tratamento, mas será que o objetivo referente à ampliação dos investimentos estrangeiros no país será alcançado?

O receio quanto ao alcance das finalidades previstas na norma advém, de plano, da própria natureza precária da medida provisória [3], que, se não for convertida em lei no prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias, perderá eficácia, desde a sua edição. Neste caso, o Congresso Nacional deverá regular as relações jurídicas decorrentes da medida provisória.

Desse modo, em que pese se tratar de norma com viés econômico, que visa atrair investimentos estrangeiros, não podemos descartar a hipótese de a Medida Provisória nº 1.137/2022 caducar e, inclusive, a possibilidade de o Congresso Nacional entender que essa espécie normativa, durante o período em que esteve vigente, não produziu quaisquer efeitos. Trata-se de risco que, embora não pareça elevado, gera insegurança jurídica para os investidores estrangeiros e para o próprio mercado.

Além disso, em relação aos FIPs, embora tenha havido inegável simplificação dos requisitos para obtenção da isenção de IRRF prevista na Lei nº 11.312/2006, a Medida Provisória nº 1.137/2022 trouxe um novo requisito para fruição deste benefício fiscal: o investidor estrangeiro não pode mais ser residente ou domiciliado em regime fiscal privilegiado [4], a que se refere o artigo 2º da Instrução Normativa RFB nº 1.037/2010.

É bem verdade que a isenção de IRRF prevista na Lei nº 11.312/2006 não se aplicava a residentes ou domiciliados em países de tributação favorecida, razão pela qual, para fins de planejamento fiscal, muitas estruturas de FIP foram montadas por meio (1) de investimentos diretos de sociedades submetidas a regime fiscal privilegiado (que não tinha essa vedação) e (2) de investimento indireto de investidor residente e domiciliado em país de tributação favorecida, como Cayman [5].

Nesse contexto, para fins de fruição da isenção de IRRF estabelecida pela Lei nº 11.312/2006, passou a ser usual estruturas envolvendo Cayman, por exemplo, como investimento indireto em FIP e uma Limited Liability Company (LLC) em Delaware, que consiste em regime fiscal privilegiado, nos termos do artigo 2º, inciso VII, da Instrução Normativa RFB nº 1.037/2010.

Com a edição da Medida Provisória nº 1.137/2022, contudo, essa estrutura de FIP até então usual pode ter que ser repensada para fins de planejamento fiscal. Caso a medida seja convertida em lei sem ser abolido esse novo requisito para fruição do benefício fiscal, o investidor estrangeiro passará a ter que recolher IRRF sobre os ganhos e rendimentos auferidos no FIP.

A indefinição quanto à incidência tributária sobre ganhos e rendimentos para regimes fiscais privilegiados gera insegurança jurídica não só para os investidores estrangeiros, como também para todo o mercado.

Ora, não se sabe se (1) se a Medida Provisória nº 1.137/2022 será realmente convertida em lei ou perderá seus efeitos, desde a sua edição, (2) se, uma vez convertida em lei, permanecerá a redação quanto à impossibilidade de fruição do benefício fiscal a regimes fiscais privilegiados ou, ainda, (3) se será abolida essa restrição para regimes fiscais privilegiados, mantendo-se a vedação somente para os residentes e domiciliados em país de tributação favorecida (previsão já existente antes da edição da medida provisória).

O cenário ora descrito indica a necessidade de cautela por parte do mercado e dos próprios investidores no atual momento. Sem saber ao certo quais serão os rumos da Medida Provisória nº 1.137/2022, qualquer modificação das estruturas de FIP já existentes podem ser acertadas ou não.

Apesar dessa insegurança inicial, se a Medida Provisória nº 1.137/2022 for convertida em lei, é provável que o objetivo relativo à atração de investimento estrangeiro no país seja alcançado, uma vez que houve (1) a ampliação de investimentos em títulos privados abrangidos pela alíquota zero de IRRF e (2) a simplificação dos requisitos para fruição de benefícios fiscais em relação aos FIPs.

Ainda que se confirme a impossibilidade de aplicação da alíquota zero para investidores residentes ou domiciliados em regimes fiscais privilegiados, a Medida Provisória nº 1.137/2022 — que se espera seja convertida em lei — será positiva, sendo necessário, contudo, analisar a possibilidade de reorganização de fundos que contam com estruturas em tais regimes, previstos no artigo 2º da Instrução Normativa RFB nº 1.037/2010.


Referências:

BRASIL. Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 5, de 17 de dezembro de 2019. Brasília, Distrito Federal, Receita Federal do Brasil, 2022. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=105652&visao=anotado

BRASIL. Medida Provisória nº 1.137 de 22 de setembro de 2022 — Exposição de Motivos. Brasília, Distrito Federal, 2022. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Exm/Exm-Mpv-1137-22.pdf

 


[1] Os requisitos para fruição da alíquota zero para fins de IRRF, estabelecidos na Lei nº 11.312/2006, eram os seguintes: (1) o cotista, isoladamente ou em conjunto com pessoas a ele ligado, deveria deter menos de 40% das cotas do FIP ou dos direitos que representassem mais de 40% de seus rendimentos; (2) o FIP deveria ser titular de títulos de dívida em percentual menor do que 5% de seu patrimônio líquido, (3) pelo menos 67% da carteira do FIP deveria conter ações, debêntures conversíveis e bônus de subscrição e (4) o cotista não poderia ser residente ou domiciliado em país com tributação favorecida. Dentre tais requisitos, a Medida Provisória nº 1.137/2022 manteve apenas a restrição à residentes ou domiciliados em país com tributação favorecida, incluindo ainda a vedação do benefício para regimes fiscais privilegiados.

[2]BRASIL. Medida Provisória nº 1.137 de 22 de setembro de 2022 — Exposição de Motivos. Brasília, Distrito Federal: Congresso Nacional, 2022. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Exm/Exm-Mpv-1137-22.pdf.

[3] Trata-se de espécie normativa com caráter excepcional e precário, de competência do chefe do Poder Executivo, permitida em casos de relevância e urgência, conforme disciplinado pelo art. 62 da Constituição Federal. Após a sua edição, a medida provisória deve ser submetida de imediato ao Congresso Nacional.

[4] O deputado federal Heitor Freira do União/CE apresentou emenda a esse dispositivo, que diz respeito à limitação do benefício fiscal para regimes fiscais privilegiados.

[5] O Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 5/2019 esclareceu que, para fins de aplicação da alíquota zero, o importante é avaliar se o investidor direto no país preenche os requisitos legais para tanto, exceto nos casos de dolo, fraude ou simulação.

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