Opinião

Ações listadas no exterior e captação de recursos no Brasil

Autor

  • Rodrigo de Abreu Pinto

    é graduando em Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e coordenador do Núcleo Acadêmico de Direito Societário e Mercado de Capitais da PUC-Rio.

21 de outubro de 2022, 15h04

O Nubank está prestes a cancelar o registro de emissor de ações no Brasil para seguir apenas nos Estados Unidos, onde é listado na Bolsa de Nova York (Nyse).

O banco não negocia as suas ações diretamente no Brasil, e sim os chamados Brazilian Depositary Receipts (BDRs), que são certificados representativos das ações listadas no exterior. Mas então o Nubank vai parar de negociar os BDRs? Não.

Na prática, o Nubank vai migrar seu programa de BDRs Nível 3 para Nível 1. De acordo com a Instrução CVM nº 332/2000 que dispõe sobre os BDRs, as diferenças entre os dois regimes são basicamente duas:

— BDR Nível 1 1) não exige o registro de emissor na CVM e 2) permite apenas a distribuição de BDRs via oferta com esforços restritos (Oferta 467); e

— BDR Nível 3 1) exige registro de emissor na CVM e 2) permite a distribuição de BDRs via oferta pública (Oferta 400).

Ambas as diferenças, juntas, explicam a decisão do Nubank.

Numa mão, não há oferta pública em seu horizonte. As ações de tecnologia tiveram os maiores ganhos em meio a expansão monetária da pandemia, mas também foram desproporcionalmente atingidas pela reversão recente. Como os Bancos Centrais estão dando provas de que aumentarão as taxas mesmo que suas economias entrem em recessão, é difícil imaginar uma onda de IPOs e follow-ons no futuro próximo.

Noutra mão, a crise obriga que as companhias atingidas respondam à desaceleração com maior ênfase na redução de custos. Sair do programa de BDRs Nível 3 desobriga a submissão ao registro de emissor do Brasil, do qual sucede a obrigação de publicar documentos e atualizá-los continuamente junto ao regulador brasileiro.

Segundo o fato relevante divulgado pelo Nubank, a decisão "tem como objetivo maximizar a eficiência e minimizar redundâncias consequentes de uma companhia aberta em mais de uma jurisdição". A fundadora Cristiana Junqueira reforçou que a medida "visa maximizar a eficiência e a escalabilidade, reduzindo cargas de trabalho duplicadas desnecessárias em requisitos regulatórios, que consomem recursos consideráveis".

A notícia é uma boa oportunidade de discutir brevemente o regime jurídico dos BDRs, em especial porque a CVM recentemente lançou a Audiência Pública nº 03/21 para modificar algumas de suas características.

As regras de BDRs já passaram por reformas recentes que aprimoraram o uso do instrumento cuja função é permitir que investidores brasileiros acessem ativos de companhias estrangeiras, bem como que empresas brasileiras usem estruturas societárias no exterior (como o Nubank que está sediado nas Ilhas Cayman e listado na Nyse).

A Resolução CVM nº 03/2020 alterou a Instrução CVM nº 332/2000 para 1) garantir acesso aos BDRs de Nível 1 aos investidores não qualificados (investidores de varejo) e 2) excluir exigência de que as companhias deveriam ter a maioria dos ativos no exterior para vender BDRs no Brasil (o que permitiu a negociação de BDRs por companhias brasileiras que recentemente listaram ações no exterior).

Pouco antes, a Instrução CVM nº 585/2017 modificou a Instrução CVM nº 332/2000 para admitir a distribuição de programa de BDRs Nível I via oferta com esforços restritos, independente do registro emissor, como exposto acima quando falamos das características dos BDRs Nível I.

A oferta com esforços restritos (476), assim como a oferta pública propriamente dita (400), são operações em que os ofertantes distribuem ações e outros valores mobiliários (nesse caso, os BDRs) para financiar a sua atividade produtiva. A diferença é que a oferta com esforços restritos exige muito menos contrapartidas das companhias pois é voltada apenas a investidores qualificados, que não precisam do mesmo grau de proteção do investidor de varejo, sendo uma forma mais simples e barata de captação de recursos.

Atualmente, está em curso a Audiência Pública nº 03/21 em que a CVM, dentre outras mudanças, propôs que o programa de BDRs Nível I não inclua mais a possibilidade de realização de ofertas públicas de esforços restritos. Caso a regra seja aprovada, programas de BDRs Nível I se converterão em apenas um mecanismo de admissão à negociação no Brasil de ações previamente distribuídas no exterior, e não mais um meio alternativo de captação de recursos no Brasil.

Paradoxalmente, a mudança ocorre justo no momento em que o apetite dos investidores pelo BDR pode diminuir na esteira da facilitação dos investimentos diretos no exterior.

O Colegiado da CVM firmou precedente na reunião de 23/2/2021 em que dispôs condições para que investidores brasileiros contratem os serviços de intermediação de corretoras estrangeiras e comprem diretamente ações e outros valores mobiliários listados no exterior. Na mesma linha, a reforma das regras de fundos de investimento deve incluir a permissão para que fundos destinados ao público em geral apliquem até a totalidade de seu patrimônio em ativos financeiros no exterior.

As ações do regulador merecem ser elogiadas já que aumentam o quadro de serviços e produtos à disposição dos investidores brasileiros. Por outro lado, podem naturalmente desestimular a negociação de BDRs, tendo em vista que a aquisição de forma direta das ações listadas no exterior pode incluir vantagens em termos de custos e liquidez.

Será o caso em que apenas os BDRs de Nível 3 terão a possibilidade de distribuição de BDRs via ofertas no Brasil, obviamente desde que registrado como emissor nos termos da Resolução CVM nº 80/2022, sujeito a todas as obrigações ali prescritas — além, é claro, das demais obrigações no país em que as ações estão originalmente listadas. Nesse sentido, o regime dos BDRs se tornaria ainda mais rigoroso do que o convencional, já que nesse as ofertas com esforços restritos de valores mobiliários representativos de dívida (embora não de ações) podem ser realizadas por emissores dispensados de registro perante a CVM, nos termos da Instrução CVM 476/2009.

A consequência será o afastamento das companhias que não estão aptas ou dispostas a se submeter aos requisitos informacionais e estruturais exigidos aos programas de BDRs Nível III, tendo sido essa uma das razões da decisão do Nubank.

Autores

  • é graduando em Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e coordenador do Núcleo Acadêmico de Direito Societário e Mercado de Capitais da PUC-Rio.

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