Opinião

Conversão de multas ambientais e o mercado de serviços ecossistêmico

Autor

  • Marcela Pitombo

    é coordenadora de PSA créditos de carbono e negócios verdes da MoselloLima Advocacia membro da Comissão do agronegócio da OAB-BA e da Comissão Nacional das Mulheres Agraristas (CNMAU) e especialista em gestão sustentável e meio ambiente (PUR-PR) e gestão de projetos com certificação em U.S. Public Policy: Social Economic and Foreign Policies pela Harvard University/HarvardX.

21 de outubro de 2022, 20h23

Os avanços trazidos pela Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais no Brasil (Lei Federal nº 14.119/2021) foram significativos e vêm adquirindo musculatura com o aumento de programas e projetos públicos e privados de PSA, além de incentivos como a conversão de multas ambientais em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, promovidos pelo aperfeiçoamento do Decreto Federal nº 6.514/2008, alavancando o mercado de serviços ecossistêmicos no país.

Instituído pelas alterações dos Decretos Federais nº 9.179/2017 e nº 11.080/2022, o Programa de Conversão de Multas Ambientais traz o aprimoramento do procedimento relativo a apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, em prestação de serviços ambientais, compreendidos como àqueles que contemplam áreas degradadas para conservação da biodiversidade e conservação e melhoria da qualidade do meio ambiente; proteção e manejo de espécies da flora nativa e da fauna silvestre; monitoramento da qualidade do meio ambiente e desenvolvimento de indicadores ambientais; mitigação ou adaptação às mudanças do clima; manutenção de espaços públicos que tenham como objetivo a conservação, a proteção e a recuperação de espécies da flora nativa ou da fauna silvestre e de áreas verdes urbanas destinadas à proteção dos recursos hídricos, entre outros, na forma do Artigo 140 do Decreto Federal nº 6.514/2008.

Em convergência com a lógica do Pagamento por Serviços Ambientais, a normativa traz as possibilidades de conversão de multa através da apresentação e implementação de projeto de serviços de preservação, de melhoria e de recuperação da qualidade do meio ambiente; ou para adesão a projeto, de entidade pública ou privada, previamente selecionado pelo órgão ou entidade ambiental competente pela apuração da infração ambiental, que no âmbito federal é competência do Ibama. Esses programas são regidos pelo Procedimento Administrativo de Seleção de Projetos (Pasps), através da publicação de editais e chamadas públicas, a exemplo do Pasp 01/2020, cujo objeto era promover recomposição da vegetação nativa nos biomas brasileiros, preferencialmente, em áreas de manancial e bacias de abastecimento humano e a proteção, recuperação e manutenção de vegetação nativa em áreas urbanas.

Ademais, o autuado arcará com os custos necessários à efetiva implementação do serviço ambiental descrito no projeto selecionado, que deve ser igual ou superior ao valor da multa convertida. A previsão do artigo 143, §2º do mencionado decreto, é de que caberá a autoridade julgadora, do deferimento do pedido de conversão, a aplicação sobre o valor da multa consolidada com desconto de até 60% quando o requerimento for apresentado no prazo estabelecido ou até a audiência de conciliação ambiental. Em momento processual posterior, a incidência do desconto poderá ser de 50% (até́ a decisão em primeira instância) e de 40% (até a decisão de segunda instância).

O plano de ação do programa de conversão de multas ambientais 2020-2023 apresentado pelo governo federal, destaca como pontos estratégicos de sua implementação a proteção da vegetação nativa e da fauna e flora silvestre; recuperação da vegetação nativa em Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e Áreas de Recarga de Aquíferos; prevenção a incêndios florestais em áreas nativas; Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN); unidade de conversação, entre outros, o que demonstra maior aderência e aproveitamento do incentivo para os setores florestal, agricultura, pecuária, energia e congêneres.

Para adesão, o autuado por infração ambiental, pessoa física ou jurídica, poderá apresentar manifestação de interesse na conversão da multa em serviços ambientais no momento da conciliação ambiental, ou a qualquer tempo na tramitação do processo administrativo ao órgão competente. Este, por sua vez, analisará o requerimento, e em caso de deferimento, será celebrado um termo de compromisso com as condições da conversão, bem como a indicação da modalidade de serviço ambiental a ser prestado ou projeto — existente ou previamente selecionado e aprovado pelo órgão — para execução, que será́ compatível com o valor e a localização da multa aplicada.

No âmbito estadual, o instituto de conversão de multas ambientais em serviços ecossistêmicos é destaque em Mato Grosso do Sul e São Paulo. O primeiro instituiu o Programa Estadual de Conversão de Multas Ambientais do Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul, por meio do Decreto estadual nº 15.156/2019. No estado de São Paulo, a Resolução SMA nº 51/2916 disciplina o procedimento, estabelecendo o valor mínimo para conversão de 2.000 unidades fiscais, equivalente a 1 hectare de área restaurada, através de projeto pré-existente no âmbito do Programa Nascentes ou da elaboração de um projeto de restauração próprio. Do mesmo modo, o estado do Paraná publicou o Decreto estadual nº 2.570/2019 que cria Programa de Conversão de multas, disponibilizando para adesão, através do preenchimento de formulário de requerimento de interesse, os programas Paraná Mais Verde, Rio Vivo, Pró-Fauna, Sinais da Natureza, Proteção do Solo, Programa Parques Urbanos e Saneamento.

Portanto, o decreto reforça a multifuncionalidade dos projetos e arranjos negociais de Pagamento por Serviços Ambientais, que oferecem ao setor privado, a possibilidade de retorno financeiro e reputacional, através das transações de natureza voluntária dos serviços ecossistêmicos, além da função reparadora, no caso da conversão de multas em serviços de provisão, regulação, suporte, habitat e culturais, e por isso, é indispensável o protagonismo e atuação coordenada do poder público com o setor privado.

Esse panorama estabelece mais um incentivo ao mercado de serviços ecossistêmicos no Brasil e a atenção com a pauta ambiental, como alternativa que abrange a reparação de danos ao meio ambiente, uma saída equilibrada para o desenvolvimento econômico e social do setor privado, a possibilidade de escala e custo-efetividade das ações realizadas, além do valor reputacional de um projeto com escopo em pagamento por serviços ambientais e o aproveitamento correspondente à agenda corporativa ESG.

Autores

  • é advogada, pós graduada em Direito Tributário e especialista em tributação no agronegócio. Membro da Comissão Especial do Agronegócio da OAB/BA.

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