Opinião

O STF, o Direito Tributário e a segurança jurídica

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20 de outubro de 2022, 16h01

O Supremo Tribunal Federal está julgando em Plenário dois recursos extraordinários: o RE 949.297 (Tema 881 da Repercussão Geral) e o RE 955.227 (Tema 885 da Repercussão Geral), nos quais são examinados os limites da coisa julgada na relação jurídico-tributária de trato continuado. Ao apreciar esses casos, o STF decidirá se o contribuinte, que tinha a seu favor decisão individual judicial transitada em julgado assegurando-lhe o não pagamento de tributo — por sua inconstitucionalidade —, perderá, de forma automática, esse direito antes salvaguardado, caso sobrevenha posterior decisão plenária passando a considerar constitucional a sua cobrança, em acórdão com validade para além das partes do processo.

Embora ambos os casos tratem da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o julgamento terá impacto em outros tributos pagos em decorrência de relações jurídicas de trato continuado. Ao longo dos anos 90, alguns contribuintes conseguiram decisões judiciais que lhes garantiram o direito de não recolher a CSLL. À época, títulos judiciais declararam que esta contribuição era inconstitucional, posto que deveria ter sido instituída por lei complementar, e não por lei ordinária, como aconteceu. Em 2007, o STF julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 15, na qual se posicionou no sentido de ser a mencionada contribuição constitucional. Desde então, a Fazenda Nacional sustenta que essa decisão do STF é suficiente para permitir a retomada da cobrança do tributo, sem a necessidade de ajuizamento de ação rescisória ou revisional. Esse é o âmago da questão sob análise no primeiro recurso extraordinário (RE 949.297).

A votação dos dois recursos extraordinários foi a Plenário em 30/9/2022. O entendimento que vem prevalecendo nos dois julgamentos é parcialmente favorável à União. Como regra geral, o título judicial só pode ser desconstituído em algumas hipóteses específicas e mediante o ajuizamento de uma ação rescisória (ação autônoma que busca desfazer os efeitos de uma decisão que já se tornara imutável).

Agora, a depender da decisão, o novo julgado, proferido em processo com validade para além das partes (RE 949.297), teria o poder de encerrar os efeitos da decisão definitiva anterior com validade entre partes sem a necessidade de a Fazenda Pública ajuizar ação rescisória ou revisional. Significa dizer que, a depender da decisão do STF nesses casos, a figura jurídica da coisa julgada individual perderia eficácia de forma automática quando for publicada a ata de julgamento posterior do STF, em sentido oposto, no processo com efeito geral.

Os dois recursos guardam algumas divergências entre si. No RE 949.297, se discute se uma decisão do STF exarada em controle concentrado de constitucionalidade, em ADI ou ADC, por exemplo, tem o efeito de cessar automaticamente os efeitos da coisa julgada individual formada anteriormente. Nesse tipo de controle, o STF analisa a constitucionalidade da lei em si, de forma que se diz que essa decisão possui eficácia erga omnes, ou seja, para todos. O relator desse caso, ministro Edson Fachin, votou, em parte, de forma contrária ao interesse dos contribuintes. Em seu voto, ele opina que a publicação da ata de decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade cessa imediatamente os efeitos da coisa julgada formada (isto é, decisão definitiva) individualmente com validade entre duas partes. Segundo o ministro, a referida decisão deve se impor à autoridade fiscal, que ficará obstada de cobrar de forma retroativa o valor devido a título do tributo — o que resguarda parcialmente o interesse do contribuinte.

Para o ministro Fachin, a nova decisão do STF equivale à instituição de um novo tributo. Portanto, devem ser observados os princípios da irretroatividade, anterioridade e anterioridade nonagesimal, aplicáveis a cada espécie tributária. Assim, superados esses prazos, a Fazenda poderá começar a cobrar o tributo imediatamente, sem a necessidade de propor as mencionadas ações desconstitutivas. Os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Dias Toffoli já votaram, e acompanharam esse entendimento. Após pedir vista, o ministro Gilmar Mendes ressaltou que apresentará voto em separado. Nele, acompanhará o ministro Fachin ao afirmar que, em sua visão, a decisão plenária do STF faz cessar os efeitos da coisa julgada individual anterior. Mas divergirá em um ponto fundamental da discussão. Em sua visão, a nova decisão do STF deverá retroagir na cobrança da CSLL, alcançando os fatos pretéritos. Assim, os contribuintes poderiam ser obrigados a recolher os valores de forma retroativa — ou seja, não seria necessário observar qualquer regra de irretroatividade.

Já no RE 955.227, discute-se se uma decisão do STF no controle de constitucionalidade difuso (em um recurso extraordinário, com validade apenas entre as partes do processo) tem o poder de cessar automaticamente os efeitos de decisões individuais anteriores transitadas em julgado (isto é, não mais recorrível). No controle difuso de constitucionalidade, a decisão do STF, em regra, vale apenas para o caso concreto em análise (eficácia inter partes). Entretanto, quando há repercussão geral, aquela decisão deverá vincular todo o Poder Judiciário. No caso específico, o ministro relator, Luís Roberto Barroso, votou no sentido de que os julgamentos de recursos extraordinários só terão o condão de cessar os efeitos das decisões anteriores se ocorrerem na sistemática da Repercussão Geral.

O ministro Barroso fixou um marco temporal em seu voto, para indicar que apenas as decisões do STF proferidas em ação direta ou em sede de Repercussão Geral deverão impactar de forma automática a coisa julgada individual, mas respeitando os preceitos da irretroatividade, anterioridade anual e noventena, conforme a natureza do tributo. Decisões do STF anteriores à instituição do regime de Repercussão Geral não surtem efeitos sobre a coisa julgada individual que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas de trato sucessivo. Os ministros Rosa Weber, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes acompanharam o voto do ministro relator. Também neste caso, o ministro Gilmar Mendes inaugurou divergência adiantando que, em seu voto, ele afirmará que, mesmo nos casos em que não há Repercussão Geral, uma decisão do Plenário do STF em recurso extraordinário deverá cessar os efeitos de decisões individuais anteriores transitadas em julgado. Até o presente momento, o entendimento do ministro não foi acompanhado por nenhum de seus pares nos dois julgados.

Ainda que os dois julgamentos não tenham sido finalizados, parece que o STF determinará que a nova interpretação do tribunal, em controle concentrado de constitucionalidade, ou em repercussão geral, faz cessar de forma automática os efeitos de decisão final individual formada anteriormente — ou seja, será dispensando o ajuizamento de ação desconstitutiva. Ressaltamos aqui o caráter inovador dos aludidos votos, pois revelam mudança na compreensão do Judiciário de que os efeitos da coisa julgada, ainda que individual, eram imutáveis.

No RE 949.297 faltam votar, após o voto-vista do ministro Gilmar Mendes, os ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Nunes Marques e André Mendonça. No RE 955.227, resta o voto do ministro Edson Fachin, além dos outros supracitados.

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