Opinião

Blockhain para gestão e pagamento em criptomoeda por serviço ambiental

Autor

  • Yanara Pessoa Leal

    é advogada da Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema) membro da Comissão de Estudos e Impactos Ambientais e da Câmara de Compensação Ambiental da Sudema do Fórum Estadual de Mudanças Climáticas da Paraíba e da Comissão de Direito Ambiental OAB/PB e autora do trabalho "Contratos Inteligentes em Blockchain como Instrumento de Gestão na Prestação e Pagamento por Serviços Ambientais e Criptomoeda" (do livro "Paisagem Legal: Homem Sociedade e Meio Ambiente" (Uniesp 2021).

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19 de outubro de 2022, 6h06

O incentivo à prática de serviços ambientais, por vezes foi utilizado pela administração pública, que mediante pagamento, motivava pequenos agricultores rurais a preservarem as matas ciliares e de nascentes existentes em suas faixas de terra, como foi o caso de alguns municípios dos estados de Minas Gerais e São Paulo. No entanto, essa ferramenta ganhou força, com a publicação da Lei nº 14.119/2020, instrumento legal que instituiu a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, e trouxe significativa valoração aos recursos naturais, em razão da obrigatoriedade do pagamento por esses serviços, quando da efetivação, mediante adesão a um dos programas de governo disponibilizados.

Já o uso da tecnologia capitaneado pelos Contratos Inteligentes Blockchain, ora proposto no presente artigo, pode se revelar um start na prestação e pagamento por Serviços Ambientais, quando pensado na possibilidade de adesão por particulares do mundo inteiro, com interesse na preservação do meio ambiente, e que se propõem a pagar pela preservação deste, mediante repasse numerário em criptoativos, àquele que se dispõe a prestar o serviço ambiental de cobertura vegetal, podendo ser exercido por meio de manutenção,  florestamento ou recuperação de vegetação degradada.

Importante ressaltar, que os serviços ambientais prestados pelo homem, não se confundem com os Serviços Ecossistêmicos, aqueles que são inerentes à própria natureza, e que ela mesma se encarrega de prestá-los, proporcionando benefícios ao meio ambiente e a tudo que nele existe, através de ciclos naturais que ocasionam sua manutenção e recomposição, provendo bens de valor inestimável, a exemplo dos recursos hídricos, dos mantimentos, da emissão e absorção (sumidouro natural) de CO², dos insumos, que também se prestam à compostagem natural, o que por si só, não fosse a intervenção humana, garantiriam o equilíbrio ecossistêmico necessário à sadia qualidade de vida para as gerações presentes e futuras.

O modelo de Contrato Inteligente Blockchain, foi o instrumento escolhido neste artigo, para por termo e capitanear aos pactos celebrados na prestação e pagamento em criptoativos, pelos serviços ambientais de cobertura vegetal. Foi também inspirado na Standing Forest Coin (SFC), resultado de uma pesquisa em andamento que está sendo realizada pelo Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital (Lavid), na UFPB, que é coordenado pelo professor Guido Lemos, que prontamente se dispôs a colaborar no desenvolvimento do projeto, complementando a pesquisa em andamento, tratando e abordando aspectos da validação dos Oráculos propostos em construção no laboratório supracitado.

Os Contratos Inteligentes Blockchain com pagamento em Criptoativos por Serviços Ambientais de Cobertura Vegetal, ora proposto, se estruturam da seguinte forma: a área a ser contemplada com a manutenção, plantio ou a recuperação da cobertura vegetal (imóvel), o Recurso Natural em si (vegetação), a entidade ou pessoa física que se propõe a pagar pelo serviço Ambiental, (pagador), a entidade ou pessoa física que se dispõe a prestar o Serviço Ambiental (Provedor), o livro razão compartilhado e imutável onde será registrado o negócio e feito o rastreamento dos ativos em rede (contrato inteligente blockchain), os Criptoativos ou moeda digital (Forescon), a carteira virtual onde ficará aplicado o criptoativo (Oráculo), e as imagens de satélite e aeroespacial, que irão atestar a existência ou não da cobertura vegetal ao final do pacto.

É importante destacar, que o tema abordado se mostra por demais relevante, dada à necessidade da preservação e conservação das florestas, já que essas são o maior sumidouro natural de CO² do planeta, capazes de ao ano, absorver cerca de 11,5 Gt (toneladas) de CO², enquanto que os oceanos absorvem pouco mais de 9,7 Gt, sendo todo o restante lançado na atmosfera, o que impede que a radiação solar que deveria ser refletida para o espaço ocorra, causando assim, o aumento da temperatura na terra. Acontece que só parte da vegetação brasileira é especialmente protegida por lei, a exemplo das Unidades de Conservação, das Reservas Legais, da vegetação de Mata Atlântica ou ainda das Áreas de Preservação Permanente (APP) e os manguezais, não devendo as demais formas de vegetação nativa ou plantada, serem desprestigiadas, porque elas têm significativo valor para o equilíbrio dos ecossistemas, auxiliando na contenção da emissão dos gases de efeito estufa, promovendo o fortalecimento do solo, ajudando no combate a polarização de espécies predadoras e influenciando na precipitação das chuvas, razão pela qual, fazem jus a olhares atentos.

Não obstante, no que se refere às vegetações de especial preservação, apesar do tratamento dispensado por legislação específica, bem como pela Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais, como é o caso das APPs, responsável pela mata ciliar, pelas vegetações de restingas e dunas, pela vegetação dos manguezais, das encostas e topos de falésias, infelizmente, também sofrem com a degradação, e por terem a função social de preservar os recursos hídricos, a biodiversidade, as belezas cênicas e de promoverem a estabilidade geológica, precisam ser sumariamente preservadas.

Ocorre que muitos são os fatos noticiados pelos veículos de comunicação, no tocante à ocorrência de queimadas e desmatamentos ilegais no Brasil, e apesar desse "modus operandi de degradação", representar para o planeta, cerca de 3,5 Gt de emissão do CO², enquanto que a queima de combustível fóssil representa 34, Gt de CO², no Brasil, a maior contribuição no que diz respeito ao aquecimento global, está relacionado às queimadas e ao desmatamento, principalmente aos ocorridos em áreas de especial preservação, sendo certo que a prática de pagamento por serviços ambientais destinados à conservação e recuperação de vegetação degradada, poderia trazer significativa ajuda no controle aos gases de efeito estufa, que prometem fazer a terra aquecer até 2030, em até 2C, lembrando que já atingimos a marca dos 1,5 C.

No entanto, mesmo o carro chefe no Brasil, no que diz respeito ao combate no aquecimento global, ser justamente a manutenção de suas florestas, a recuperação de vegetação degradada e o plantio novas coberturas vegetais, a cultura secular da prática de desmate e uso do fogo na vegetação, afastou do país, organismos e pessoas interessadas em investimentos destinados a projetos de preservação florestal, uma vez que os resultados esperados poderiam não ser alcançados, o que acarretaria o insucesso dos projetos e o desperdício do recurso financeiro aportado, ressaltando por oportuno, que essa foi uma das preocupações enfrentadas no cumprimento do Protocolo de Kyoto, quando relutou-se em investir em projetos relacionados, porque a prática de reflorestamento no Brasil, se dava no intuito de supressão futura, uma vez que a finalidade era comercial. Além do que, à época, houve dificuldade na aferição do nível de carbono absorvido pela folhagem das árvores em estágio de crescimento, desfavorecendo o controle das ações, o que desmotivou os investimentos em MDL nas florestas brasileiras.

Ademais, apesar dos compromissos assumidos pelo Brasil na COP26  Conferência do Clima das Nações Unidas, no que diz respeito à diminuição dos gases de efeito estufa e metano, e da redução do desmatamento, que será realizado por meio da implantação de projetos de preservação de florestas e recuperação de áreas e vegetação degradada; um relatório sobre as mudanças climáticas elaborado pelo órgão consultivo da Organização das Nações Unidas (ONU), afirmou que em até trinta anos, a Amazônia poderá se transformar numa savana, e que a seca será uma realidade iminente, mesmo que se consiga conter a emissão dos gases de efeito estufa, nos percentuais propostos pelos países compromissários. 

Além do mais, considerando ainda, que quando do cumprimento da Agenda de Kyoto de 1997, os projetos de mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) investidos no Brasil, foram destinados preferencialmente no desenvolvimento de tecnologia de aterros de rejeito, no uso de biomassa, em energia eólica, nas hidroelétricas em substituição de combustível por energia e na suinocultura, o que nos deixou em demasiado atraso no que diz respeito às ações de florestamento e reflorestamento, reafirma-se que a proposta trazida neste artigo, qual seja; a criação de condições paralelas de incentivo em serviços ambientais relacionados à vegetação, capitaneada por contratos inteligentes Blockchain, se vislumbra uma alternativa exeqüível e com grandes chances de sucesso, dada à segurança e transparência que tais contratos propiciam.

Pois bem, com os avanços tecnológicos e a adesão incontestável ao mundo digital, fomentou-se a aparição de novos modelos de realização de negócios, a exemplo da rede blockchain, também conhecia pelas operações com criptoativos, os Contratos Inteligentes Blockchain, como instrumento jurídico regulador na prestação e pagamento por serviços ambientais proposto, garantem segurança na execução dos termos e condições pactuados, considerando que o repasse da contrapartida só ocorrerá na medida em que for aferida a execução do projeto apresentado e registrado, vejamos: o Investidor (pagador), escolhe um contrato de interesse na blockchain, onde estão apresentados os projetos de serviços ambientais. Escolhido o projeto, este será registrado com os termos e condições. O valor em criptoativo pactuado será transferido da carteira do pagador para a carteira do contrato, e ficará sob a guarda de um software (oráculo), só sendo repassado para a carteira do Provedor (prestador do serviço), quando houver a comprovação da respectiva execução.

A comprovação da execução do projeto será atestada através do processamento por imagem de satélite e aeroespacial, que confirmará ou não a existência da cobertura vegetal objeto do contrato, garantindo assim, segurança ao Pagador que aportou os recursos, e a certeza do recebimento pelo Provedor que prestou o serviço ambiental, isto porque os contratos registrados na blokchain são invioláveis, imutáveis e transparentes, isto porque, o blockchain como uma tecnologia que permite a gravação de transações de maneira permanente, não possibilita alterações em transações anteriores, apenas gravações de novas transações, mantendo-se, PIS, um histórico matematicamente, praticamente, inviolável, nos parâmetros computacionais atuais (FERRAZ, 2019, p. 23), e graças a essa tecnologia, não é possível que as especificações e o cronograma de execução dos projetos de serviço ambiental geridos pelos contratos inteligentes blockchain de cobertura vegetal sejam alterados, tampouco que ocorra o desvio de finalidade, pois de acordo com a Standing Forest Coin (SFC), os projetos são submetidos ao crivo de uma espécie de auditor (um software), também conhecido como Oráculo, que tem a função de certificar a confiabilidade da proposta e vincular o registro do projeto ao contrato específico, tornando-o público, com exceção dos dados sensíveis.

Já no que concerne à segurança do direito de propriedade, os contratos inteligentes blokchain de pagamentos em criptoativo por serviço ambiental de cobertura vegetal, determinam que o Provedor seja pessoa física ou jurídica, proprietário ou posseiro, desde que neste último, comprove a utilização legal da área a ser contemplada com a benfeitoria, mediante apresentação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) (quando imóvel rural), ou certidão cartorária, contrato de aluguel, arrendamento ou direito de uso (quando imóvel urbano), sendo certo que os Provedores só farão jus ao repasse dos recursos aportados, mediante comprovação da execução do projeto (certificação da cobertura vegetal), que será atestado por meio do processamento de imagens de satélite ou aeroespacial, e somente após isso, será realizada a transferência pelo oráculo, do valor em Criptoativo para a carteira do Provedor.

Esse tipo de contrato é legal e tem validade, pois faz parte dos negócios do direito privado, onde as partes são particulares, o que lhes permite escolher como desejam pactuar, ao passo em que também obedecem o preconizado no Código Civil Brasileiro (CCB), no que se refere à necessidade da existência de agente capaz, objeto lícito e de forma prescrita, o lhe assegura característica formal e previsível, bem como segurança jurídica, uma vez que a regra do direito privado é a liberdade das formas, de modo que os contratos inteligentes blockchain, não fazem subsunção ao preconizado no artigo 107 do CCB.

Outrossim, a jurisprudência reconhece e já vem utilizando de forma reiterada, as imagens de satélite como prova de materialidade do desmatamento ilícito, bem como na presunção de veracidade, legalidade e legitimidade dos autos de infração lavrado pelos órgão de fiscalização e execução da política nacional de meio ambiente, sendo certo que esse entendimento jurisprudencial, é proveniente da constatação dos avanços tecnológicos no âmbito do sensoriamento remoto, que garantem alto grau de segurança e confiabilidade às imagens de satélite, isto porque, são tão completos que possibilitam, inclusive, o reconhecimento do estágio de sucessão de remanescentes por meio da análise histórica de imagens de satélite, ressaltando, que o MapBiomas Alerta — iniciativa interinstitucional que gera laudos de alertas de desmatamento em todo o país com base em imagens de satélite de alta resolução, atestou que em 2021, o Brasil, em relação ao ano de 2020, teve um aumento de 20% no desmatamento ilegal, identificando cerca de 69.796 de alerta, e que revelou o desmatamento numa área de 1.655.782 (ha), indicando um índice de ilegalidade que ultrapassa 98% de supressão vegetal sem autorização dos órgãos de controle ambiental, e se sobrepõe a áreas de especial preservação, nos seguintes percentuais:  9% em Unidades de Conservação, 4,7% em terra indígena, 0,2% e 77% em áreas cadastradas no CAR, sendo 33% em Reserva Legal e 05% em APP.

Considerando o exposto acima, haja vista a pertinência e relevância da necessidade de unir esforços para evitar o esgotamento dos recursos naturais, considerando ainda que, de acordo com o Relatório da ONU, mesmo que o Brasil e o mundo consigam conter os gases de efeito estufa e cumprir as metas da COP 26, as mudanças climáticas vão afetar sobremaneira a vida na terra, e a utilização da tecnologia através dos Contratos Inteligentes Blockchain para a gestão e o pagamento em criptoativo por serviços ambientais de cobertura vegetal, considerando as garantias de efetivação que estes oferecem, pode e deve ser uma ferramenta efetiva no combate ao esgotamento dos recursos naturais, trazendo resultados positivos para o Brasil, no sentido de que, com a adesão de pagadores em criptoativos por serviços ambientais de cobertura vegetal capitaneados pelos contratos inteligentes blokchan, iria acelerar sobremaneira o processo de reflorestamento no brasil, bem como o processo de recuperação das áreas de vegetação degradadas, e ainda propiciar a criação de novos espaços de vegetação, o que certamente contribuiria  para a existência de muito mais sumidouros naturais de CO², e assim o Brasil teria mais chances conseguir dar sua parcela de contribuição, para impedir que a temperatura do planeta se eleve aos 2C.

Ademais, o presente artigo não esgota o tema, sendo necessário a continuidade de pesquisas na busca por de contribuições técnicas, a fim de encontrar mais mecanismos que possibilitem a utilização dos Contratos Inteligentes Blockchain, como instrumento gestor de execução e pagamento em criptoativos por serviços ambientais de cobertura vegetal no Brasil, onde possam figurar como sujeitos, pessoas físicas ou jurídicas, que desejem aportar recursos financeiros para o pagamento desses serviços (Pagadores) e pessoas físicas e jurídicas, que se disponham a promover o florestamento, manutenção ou recuperação de vegetação degradada (Provedor), por entender que as ferramentas propostas na composição dos Contratos Blockchain, garantem a objetividade, a transparência dos termos e a certeza de que o repasse financeiro, só acontecerá com a efetivação do resultado pactuado.

Autores

  • Advogada da Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema), membro da Comissão de Estudos e Impactos Ambientais e da Câmara de Compensação Ambiental da Sudema, do Fórum Estadual de Mudanças Climáticas da Paraíba e da Comissão de Direito Ambiental OAB/PB e autora do trabalho "Contratos Inteligentes em Blockchain como Instrumento de Gestão na Prestação e Pagamento por Serviços Ambientais e Criptomoeda" (do livro "Paisagem Legal: Homem, Sociedade e Meio Ambiente" (Uniesp, 2021).

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