Opinião

"Mata atlântica em pé" e as alternativas de defesa ao alcance dos acusados

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19 de outubro de 2022, 8h07

Este artigo expõe a dimensão atual do desmatamento no bioma da Mata Atlântica, assim como o modus operandi da principal iniciativa das autoridades ambientais e de segurança pública para contê-lo (a "operação mata atlântica em pé") e as alternativas jurídica de defesa que existem ao alcance dos infratores/acusados, em especial no estado do Paraná.

Em 2019, o desmatamento contribuiu com 44% do total das emissões de gases do efeito estufa brasileiras, algo em torno um bilhão de toneladas, segundo o Observatório do Clima. Historicamente, esta foi a principal fonte de emissões brasileira e, não é por outro motivo que o Brasil assumiu no Acordo de Paris de 2015 a meta de controlar o desmatamento para a reduzir em 37% as suas emissões até 2025.

No entanto, ao invés de diminuir, o desmatamento no Brasil vem aumentando de forma dramática, em especial no bioma da Mata Atlântica, que abrange 19 estados da federação (cerca de 15% do território nacional), onde vive mais de 70% da população brasileira. O Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, elaborado anualmente pela Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o Inpe, registrou que entre 2020 e 2021 foram desmatados 21.642 hectares da Mata Atlântica, um aumento de 66% em relação aos dados registrados entre 2019 e 2020 (13.053 hectares) e, pior, um resultado 90% maior que o verificado entre 2017 e 2018, quando se atingiu o menor índice da história no desmatamento deste bioma (11.399 hectares).

O Paraná, por sua vez, foi a unidade da federação que sofreu o maior desmatamento em 2022: 11.929,94 hectares em 1.296 polígonos de áreas identificadas, um aumento de 45% em relação ao ano de 2021, quando se registrou 8.189 hectares, em 649 polígonos de área.

É nesse contexto dramático que vem ocorrendo, ano a ano, a "operação mata atlântica em pé" conduzida pelos órgãos ambientais e pelas autoridades de segurança pública, tanto federais, quanto estaduais.

E a metodologia adotada para a identificação da materialidade e da autoria das infrações engloba a utilização de sistemas de monitoramento via satélite, cujas informações são cruzadas com os bancos de dados oficiais existentes nas mais diversas plataformas, segundo o que permite a Portaria MJ-SP nº 535/2020, que instituiu o Programa Brasil Mais do Ministério da Justiça e Segurança Pública e promove a aplicação de geotecnologia em apoio às funções de segurança pública, com a disponibilização e integração de ferramentas tecnológicas.

Dentre estas, a plataforma do MAPBiomas Alerta é uma rede colaborativa, formada por várias entidades e que produz um sistema de validação e refinamento de alertas de desmatamento com imagens de alta resolução, cujos alertas e respectivos laudos de desmatamento são produzidos a partir da análise e classificação supervisionada de imagens de satélites da constelação PlanetScope, com o uso de algoritmos de aprendizagem de máquina e processamento dos dados em nuvem.

De posse desses laudos e informações, as autoridades realizam diligências, as quais podem consistir em vistorias presenciais seguidas da elaboração de termos de constatação, relatórios fotográficos, termos de georreferenciamento, boletins de ocorrência etc., que instruem a lavratura de autos de infração e a instauração de inquéritos e processos cíveis e criminais, cujo objetivo principal, segundo as autoridades divulgam, é o de que as áreas degradadas sejam restauradas.

Do ponto de vista administrativo, no Paraná, os autuados têm a alternativa de invocar seu direito subjetivo à conciliação ambiental e firmar um acordo de recuperação da área desmatada irregularmente, segundo a liturgia prevista no Decreto Estadual nº 2.570/2019 e na Instrução Normativa nº 2/2021 do Instituto Água e Terra, se a autuação tiver sido lavrada pelas autoridades estaduais e, se o foram pelas autoridades federais, podem se socorrer do Decreto Federal nº 6.514/2008 e da Instrução Normativa Conjunta MMA/Ibama/ICMBio nº 01/2020. Aliás, a recentíssima Portaria nº 118/2022 do Ibama instituiu uma metodologia oficial para estimativa dos custos de implantação e manutenção de projeto de recuperação ambiental nos biomas brasileiros, para compor valor mínimo da reparação por danos ambientais à vegetação nativa, que pode e deve ser usada para que haja a recuperação administrativa das áreas desmatadas, a qual é essencial para que haja também a composição do conflito sob a perspectiva civil e criminal, conforme permitem o artigo 28 da Lei Federal nº 9.605/1998 e o artigo 28-A do Código de Processo Penal.

Entretanto, a conciliação ambiental é essencialmente uma alternativa atraente ao autuado/acusado quando a infração estiver tipificada no artigo 38-A da Lei Federal nº 9.605/1998 e no artigo 49 do Decreto Federal nº 6.514/2008 que são os dispositivos aplicáveis quando o desmatamento ocorre comprovadamente em áreas de Mata Atlântica em estágio médio ou avançado de regeneração. Por outro lado, se o desmatamento ocorreu em área que esteja em estágio inicial de regeneração, ou em áreas de pousio, que são aquelas em que houve interrupção do uso do solo por até dez anos, conforme o artigo 3º, III, da Lei Federal nº 11.428/2008, então, a infração não consiste em crime e está tipificada apenas no artigo 50 do Decreto Federal nº 6.514/2008, no qual o autuado tem o direito subjetivo de regularizar a supressão da vegetação e seguir realizando o aproveitamento econômico da área desmatada, conforme asseguram os artigos 16, 25 e 26 da Lei Federal nº 11.428/2008, regulamentados no estado do Paraná segundo o artigo 23 da Instrução Normativa nº 2/2021 do Instituto Água e Terra.

Contudo, há um problema quando as autoridades que vistoriam as áreas desmatadas durante a fiscalização que precede o auto de infração diagnosticam o estágio de regeneração de forma equivocada, isto é, quando afirmam equivocadamente por exemplo que uma área em estágio inicial já atingiu o estágio médio de regeneração. Aliás, isso é bastante comum, dado que nem todas as autoridades estão qualificadas para realizar esse diagnóstico de forma tecnicamente precisa. Nestes casos, o infrator/autuado tem o direito subjetivo de produzir prova pericial em seu favor, inclusive mediante a condução de uma investigação defensiva, conforme o Provimento nº 188/2018 do Conselho Federal da OAB. Em casos mais extremos, em que a autoridade julgadora do auto de infração retarde a análise do processo administrativo ou se recuse a reconhecer a validade da prova pericial produzida, ou ainda naqueles casos em que seja necessária uma prova mais robusta, seja para o manejo de ação anulatória com pedido de suspensão liminar, seja ainda para a instrução processual defensiva em inquéritos civis ou criminais, ou até mesmo para sustentar um habeas corpus ou um mandado de segurança, é possível a produção de prova pericial na modalidade antecipada, segundo o que permite o artigo 381 do Código de Processo Civil, para demonstrar que a supressão ocorreu, para além de qualquer dúvida razoável, em área em estágio inicial de regeneração de Mata Atlântica.

Enfim, é evidente que o combate ao desmatamento é necessário e as autoridades ambientais e de segurança pública estão no seu papel quando realizam a "operação mata atlântica em pé". Contudo, é essencial que os infratores/acusados tenham a oportunidade ou de conciliar, ou de se defender, dado o que garante a legislação ambiental em vigor, cabendo aos profissionais da advocacia manejar as ferramentas jurídicas disponíveis segundo as circunstâncias.

Autores

  • é sócio-fundador da Nichetti, Filippin e Comazzi Advogados, doutor em meio ambiente e desenvolvimento pela UFPR, mestre em Direito pela UFPR e vice-presidente da Comissão de Direito Ambiental da Seção Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil.

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