Armador não pode cobrar demurrage sem provar a devolução do contêiner
19 de outubro de 2022, 10h08
Em polêmica ação de mais de meio milhão de reais, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) entendeu que, sem comprovação do atraso na devolução do contêiner, o armador não pode cobrar a chamada sobre-estadia (demurrage)

A 20ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP entendeu que é obrigação do armador comprovar a incidência da demurrage, sob pena de improcedência da ação.
Na decisão de segundo grau, o Tribunal negou um recurso de um grande armador, por entender que a empresa não poderia cobrar demurrage do usuário sem apresentar provas das datas de descarga e devolução do contêiner, comprovando o atraso.
Na petição inicial, o armador alegou que a demurrage foi gerada porque um agente de cargas devolveu o contêiner com atraso, porém não trouxe aos autos provas suficientes para comprovar suas alegações.
O juiz de primeiro grau entendeu pela improcedência da cobrança e o TJ-SP manteve a sentença em favor do agente de cargas.
A autora da ação, por sua vez, sustentou que não teve a possibilidade de encaminhar os ofícios aos terminais portuários para comprovar a descarga de contêiner, bem como a data em que a unidade de carga foi devolvida.
O TJ-SP rejeitou a alegação de cerceamento do direito de defesa, sob o entendimento que as questões controvertidas, após os argumentos das partes, estão suficientemente esclarecidas pela prova documental constante dos autos, não demandando a produção de novos elementos ao processo.
O tribunal entendeu, de forma unânime, que é obrigação do armador anexar aos autos a prova da demurrage e que não cabe transferir tal obrigação ao usuário.
A decisão em favor do agente de carga aplicou corretamente o princípio do ônus da prova, basilar no direito processual, pois a prova da alegação (onus probandi) incumbe a quem a fizer. Ou seja, se o transportador alega que a unidade foi devolvida com atraso, cabe unicamente a ele fazer essa prova, e não transferi-la ao usuário.
Nesses casos, é obrigação do credor da obrigação (demurrage) reunir todos os documentos e recibos, a fim de comprovar as etapas da descarga até a devolução da unidade. O armador, em razão da sua atividade, tem e consegue reunir facilmente esses documentos, mas neste caso tais documentos não foram juntados aos autos. A cobrança de demurrage ainda prossegue como um dos temas mais polêmicos na relação entre importadores, agentes de carga e armadores.
O desembargador relator do caso assinalou que a prova anexada aos autos não gera o convencimento do negócio jurídico, em que a parte autora (armador) fundamenta seu pedido com base no bill of lading (B/L ou conhecimento de carga), nem pelo conjunto probatório, consistente nas faturas produzidas de forma unilateral, além do termo de responsabilidade, sem a assinatura do representante da ré (agente de cargas) .
O magistrado também observou que o armador não produziu a prova documental de que o agente de cargas recebeu e, posteriormente, efetuou a devolução dos contêineres indicados nas faturas juntadas com a inicial.
A questão ainda pode ser objeto de recurso especial perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ), entretanto a via especial não comporta a interpretação de cláusulas contratuais, tampouco o reexame de fatos e provas.
Processo 1038965-65.2016.8.26.0100
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