Opinião

A constitucionalidade da emenda do teto de gastos e as eleições

Autor

  • Fernando Mundim Veloso

    é mestre em Direitos Fundamentais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) professor de Direito Administrativo no Centro Universitário Mário Palmério de Monte Carmelo/MG (Unifucamp) e autor de livro publicado pela Editora Dialética intitulado "A Inconstitucionalidade Material da Emenda Constitucional 95 de 2016".

19 de outubro de 2022, 17h06

No fim de outubro ocorre o segundo turno das eleições presidenciais mais mais polarizadas desde a vigência da Constituição de 1988. No meio de tamanho acirramento eleitoral, muitos meios de comunicação questionam se os concorrentes a ocupar o Palácio do Planalto respeitarão a chamada regra do teto de gastos, instaurada através da Emenda Constitucional 95 de 2016, ainda no conturbado mandato do presidente Michel Temer. Porém muito pouco é debatido sobre se a mudança radical do sistema constitucional respeita as normas materiais do Regime Jurídico instaurado pela Carta Magna após a redemocratização do Estado brasileiro.

Tal discussão se faz necessária, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal recebeu sete ações questionando justamente a constitucionalidade da referida emenda. Todas propostas por associações de classe e por partidos políticos. Estas foram reunidas em uma só e atualmente se encontram conclusas com o relator, sem data prevista para o julgamento.

O atual titular do Poder Executivo e candidato à reeleição, por meio da nova Emenda Constitucional, decretou estado de calamidade e por conta dessa decretação pode extrapolar o limite do teto de gastos durante este exercício fiscal. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, frequentemente, tem dado a entender em manifestações por redes sociais ou em discursos que espera rever a regra de contenção de gastos. Mas não é noticiado a existência das ADIs (ações diretas de inconstitucionalidade) direcionadas à nossa Suprema Corte.

A Constituição de 1988, como bem leciona o ilustre professor Lenio Streck, trouxe para o Brasil a promessa da modernidade tardia. Conhecida como a Constituição Cidadã, por ter colocado no cerne de seu ordenamento jurídico a defesa da dignidade da pessoa humana, foi pródigo ao instituir direitos fundamentais aos cidadãos. Mais do que uma mera declaração política de intenções, o Estado comprometeu-se juridicamente a cumprir a efetivação de direitos sem os quais o cidadão não tem condições de ter uma vida minimamente digna.

Ciente da importância dos direitos fundamentais, os arquitetos da Constituição de 88 criaram mecanismos de proteção. Nesse sentido, o próprio texto constitucional determina que direitos fundamentais não podem ser revogados, nem mesmo através de uma nova emenda.

Dessa forma, os propositores das ADIs que questionam a constitucionalidade da EC 95 entendem, entre outros argumentos, que essa mudança revoga na prática uma série de direitos fundamentais, tendo em vista que o Estado brasileiro, ao ser impedido constitucionalmente de aumentar investimentos em direitos sociais, estes ficariam sem financiamento suficiente para atender possíveis aumentos populacionais e demandas pontuais, como aconteceu com os gastos em saúde no momento em que o país atravessou uma severa pandemia.

No ano de 2019, em pesquisa realizada no programa de mestrado de Direitos Fundamentais na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, concluí em minha dissertação que a EC de 2016 é materialmente inconstitucional.

Analisando a evolução da teoria constitucional dos modelos aos quais a Constituição de 1988 se filia, e a própria estrutura da Carta Magna vigente, concluí que essa mudança não é compatível juridicamente com o modelo constitucional implantado pela Constituição Cidadã. Posteriormente, por convite da editora Dialética, publiquei minha dissertação em livro intitulado a Inconstitucionalidade Material da Emenda Constitucional de 2016.

O país está às vésperas de escolher seu representante do Executivo federal, em uma das eleições mais acirradas e violentas desde a redemocratização. Os meios de comunicação comerciais sempre questionam os candidatos se respeitarão o teto de gastos, porém, pouco ou quase nada se debate à cerca da constitucionalidade da emenda tão radical que modificou a própria natureza da até então Constituição Cidadã.

A sociedade que a Constituição de 1988 tentou constituir ao ser promulgada tem como seus objetivos fundamentais, como pode ser observado em seu texto "I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".

Tais objetivos não são compatíveis com as restrições orçamentárias determinadas pela emenda do teto de gastos e precisam ser discutidas com a população e julgada pela Suprema Corte do nosso país.

Autores

  • é mestre em Direitos Fundamentais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), professor de Direito Administrativo no Centro Universitário Mário Palmério de Monte Carmelo/MG (Unifucamp) e autor de livro publicado pela Editora Dialética intitulado "A Inconstitucionalidade Material da Emenda Constitucional 95 de 2016".

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