Opinião

Servidor deve ser intimado pessoalmente sobre o julgamento final do PAD?

Autor

  • Matheus Gomes Setti

    é mestrando em Direito do Estado e graduado pela UFPR membro das comissões de Direito Eleitoral e de Estudos Constitucionais da OAB-PR e advogado no escritório Cid Campelo Advogados.

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13 de outubro de 2022, 9h09

Os atuais estudos de Direito Administrativo Sancionador vêm enfatizando a necessidade da garantia da ampla defesa e do contraditório nos processos administrativos disciplinares [1]. Ainda assim, parte da jurisprudência das cortes superiores — ou interpretações errôneas dela — levam a conclusões que violam tais direitos.

Com efeito, os direitos fundamentais em questão garantem ao acusado, entre outros, a possibilidade de tomar conhecimento dos atos processuais relevantes e se manifestar quanto a eles, bem como ter seus argumentos levados em consideração pelas autoridades pertinentes, estabelecendo um diálogo entre as partes do processo [2].

Neste artigo, abordarei brevemente os entendimentos da cortes superiores relativos à necessidade de intimação pessoal do servidor não assistido por advogado quanto ao julgamento final do processo. A controvérsia é se a comunicação pode ser simplesmente publicada em diário oficial, ou se o acusado deve ser intimado pessoalmente para tomar ciência inequívoca da decisão. Embora seja possível dizer que existe uma interpretação correta, ainda é necessário, no mínimo, esclarecer o posicionamento dos tribunais sobre o tema.

A Corte Suprema entendeu, pelo menos uma vez, que a intimação não seria necessária, haja vista que o servidor teria "plena ciência" do ato com a publicação no Diário Oficial [3]. Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça firmou a orientação, em julgados bem mais recentes, de que a publicação no diário é suficiente, quando o servidor tiver advogado constituído nos autos do PAD [4].

E quando não tiver? O STJ já decidiu no mínimo em uma ocasião que, nesse caso, é necessária comunicação pessoal [5]. Da própria leitura das demais decisões, essa parece ser a única interpretação razoável. Afinal, se a publicação no diário fosse adequada para qualquer servidor, não haveria necessidade de mencionar "assistido por advogado".

Apesar disso, alguns tribunais vêm aplicando entendimento diverso, no sentido de que a intimação pessoal não é obrigatória, sem mencionar de forma expressa a condição de que o servidor esteja representado por advogado, supostamente com base nos precedentes dos tribunais superiores [6]. É necessário, por conseguinte, estabelecer a interpretação devida.

No que concerne ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, a referência à "plena ciência" do acusado por meio da publicação na imprensa oficial possibilita interpretação consentânea com a ordem constitucional — de que tal meio de comunicação é válido desde que se comprove a efetiva ciência pelo servidor.

Em outro julgado sobre o tema [7], isso se extrai com ainda mais clareza. Na ocasião, a corte entendeu que a intimação na imprensa era válida porque o servidor havia se cientificado de seu conteúdo, tanto que impetrou o mandado de segurança antes do decurso do prazo para interposição de recurso administrativo. Ou seja, a ciência pode ser constatada no caso concreto, mas não se presume.

Realmente, não é possível considerar que o funcionário público consultará, todos os dias, o diário oficial. Esse método de notificação é tão inócuo, que é tido apenas como ficto no âmbito processual jurisdicional. Assim, no contexto penal, Aury Lopes Jr. observa que "é inegável que a citação por edital é uma ficção, descolada da realidade, pois ninguém acorda de manhã e lê o diário oficial ou procura nos principais jornais para ver se está sendo citado em algum edital…" [8].

É bem verdade que os processos administrativos disciplinares não se confundem com os penais. Todavia, é cada vez mais reconhecido que os princípios constitucionais que regem este último devem se aplicar também ao primeiro, ainda que de forma um pouco atenuada [9].

A legislação pertinente, inclusive, corrobora esse raciocínio: a Lei 9.784/99 — que se aplica subsidiariamente aos PADs — estipula em seus artigos 26, §2º, e 28 que a parte deve ser intimada de todos os atos processuais que sejam de seu interesse, por meio que garanta a certeza quanto à sua ciência.

Ademais, pela própria previsão do artigo 5º, inciso LV, da Constituição, é possível extrair que todos os processos — administrativos ou judiciais — devem respeitar um núcleo constitucional básico de processualidade, no qual se compreendem a ampla defesa e o contraditório [10].

Nesse passo, o mínimo necessário para garantir o direito ao contraditório é certificar-se de que o acusado adquira conhecimento dos atos processuais relevantes e das decisões proferidas contra si ou ao seu favor [11]. Essa notificação não pode ser ficta, presumida. Deve ser concreta, com a certeza de que o servidor efetivamente teve conhecimento do fato.

É necessário considerar, na linha de Bacellar Filho e Hachem [12], que o direito à ampla defesa e ao contraditório não compreende somente a garantia da faculdade de ter acesso ao conteúdo dos autos e se manifestar sobre eles — a faceta negativa, que proíbe que o Estado impeça o acesso. Há também uma face positiva, que impõe às autoridades que tomem as medidas necessárias para proporcionar "condições fáticas e jurídicas necessárias para o adequado exercício do direito de defesa" [13]. Isto é, para assegurar que o acusado efetivamente tenha condições de participar do feito com paridade de armas quanto aos acusadores e à autoridade julgadora.

Nesse passo, vale ressaltar que não se deve aplicar aos processos disciplinares os mesmos institutos do processo civil, como a revelia e a possibilidade de conclusão do feito sem a efetiva ciência por uma das partes. Isso, pois os PADs têm um caráter punitivo que os aproxima muito mais do processo penal, de modo que as garantias aos acusados também devem se assemelhar [14].

De todo modo, mesmo no processo civil, a citação por edital é exceção, nunca a regra. Somente é realizada após esgotadas todas as buscas, que devem ser amplas, para cientificar efetivamente o requerido [15]. Ainda assim, não se presume que o demandado realmente tomou ciência da publicação no diário oficial, tanto é que o artigo 72, inciso II, do Código de Processo Civil impõe a nomeação de curador especial nessas hipóteses, até que o réu constitua advogado.

Ou seja, a comunicação por edital não é um meio idôneo para a cientificação do servidor público quanto ao julgamento do PAD. Em nenhum âmbito do direito esse tipo de ato leva à presunção de efetivo conhecimento do fato comunicado pelo suposto destinatário pessoa física sem assistência jurídica. Ainda menos razoável seria a adoção dessa concepção para a comunicação de uma decisão potencialmente tão gravosa para os interessados como as proferidas no âmbito dos processos administrativos disciplinares.

Esse, aliás, foi o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do MS nº 8.733, citado acima — o qual deve ser tomado como paradigma para a solução da presente controvérsia —, e cujas razões vale reproduzir:

"De acordo com o art. 26, § 3º da Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito federal, a intimação dos atos processuais deve ser efetuada por meio que assegure a certeza da ciência do interessado, o que não se coaduna com a mera publicação no Diário Oficial do ato sancionador. Uma das mais essenciais características do devido processo contemporâneo é a da ampla defesa, que preserva ao indivíduo o pleno conhecimento do que há contra ele, e isso tem sua eficácia condicionada pela efetiva ciência do interessado.
[…]
O outro ponto diz respeito à intimação pessoal do Servidor sancionado, neste caso, com a pena demissória; uma das mais essenciais características do devido processo contemporâneo é a da ampla defesa, o que assegura que o indivíduo tenha plena ciência do que há contra ele, o que, no Direito americano, se chama de ter o seu dia na Corte.
[…]
10. Insisto em que a intimação por publicação no Diário Oficial, em primeiro lugar, não é usada no processo civil comum para cientificar a parte de qualquer ato processual; a intimação por publicação é utilizada só e somente para cientificação do representante legal da parte. O Advogado pode ser intimado por publicação; mas a parte, não o pode. Realmente, não é comum, na nossa tradição jusprocessualística, a intimação de parte por publicação na imprensa, embora assim se faça com relação aos
Advogados.
11. Em segundo lugar, a publicação na imprensa oficial estabelece apenas a chamada ciência ficta, ao passo que, neste caso, a lei exige que o meio intimatório assegure a certeza da ciência do interessado; neste caso, o que o interessado pretende é somente exercer o recurso hierárquico, exercer o recurso administrativo, daí postular ser intimado pessoalmente para poder exercer o direito de recorrer, que é constitucional e não pode ser postergado, independentemente de estar reconhecido em lei."

Essa orientação já vem sendo adotada por alguns tribunais [16] e deve ser fortalecida para o futuro, firmando-se a concepção de que o servidor sem advogado deve ser intimado pessoalmente, de forma que tenha a sua ciência acerca do conteúdo do julgamento garantida.

Por evidente, caso o acusado tome conhecimento da decisão mesmo sem a intimação pessoal e apresente recurso, o vício fica sanado. Entretanto, do contrário, é forçoso que se declare a nulidade do ato punitivo, garantindo-se a plena ciência de seu conteúdo e a observância do prazo legal para interposição de recurso hierárquico.

Diante do exposto, conclui-se que o servidor público acusado em processo administrativo disciplinar tem o direito a ser intimado pessoalmente acerca do julgamento pela autoridade competente, quando não estiver representado por advogado. Apenas quando possuir essa assistência jurídica, é cabível a intimação por meio do diário oficial, em nome de seu procurador. Não há outra interpretação da jurisprudência dos tribunais superiores compatível com a ordem jurídico-constitucional.


Referências bibliográficas

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. V. 1. Ed. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

BACELLAR FILHO, Romeu Felipe; HACHEM, Daniel Wunder. É Imprescindível a Defesa por Advogado em Processo Administrativo Disciplinar: sobre a súmula vinculante nº 5 do STF. In: BITTENCOURT NETO, Eurico; MARRARA, Thiago (org.). Processo Administrativo Brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2019.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Ed. 10. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. Ed. 17. São Paulo: Saraiva Jur, 2020.

OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. Ed. 8. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022.

TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. V. 1. Ed. 16. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

 


[1] A título de exemplo, vide OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. Ed. 8. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022.

[2] ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. V. 1. Ed. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 282-283.

[3] RMS 24.619, relator(a): GILMAR MENDES, 2ª Turma, julgado em 11/10/2011, DJe-221 DIVULG 21-11-2011 PUBLIC 22-11-2011 EMENT VOL-02630-01 PP-00047

[4] Por exemplo, vide AgInt no MS nº 24.338/DF, relator ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, julgado em 10/2/2021, DJe de 30/3/2021 e AgInt no MS nº 24.961/DF, relator ministro Og Fernandes, 1ª Seção, julgado em 26/6/2019, DJe de 1/7/2019.

[5] MS n. 8.733/DF, relatora ministra Maria Thereza de Assis Moura, relator para acórdão ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 3ª Seção, julgado em 27/8/2008, DJe de 28/10/2008.

[6] Por exemplo, veja-se TRF4 5002436-30.2017.4.04.7200, 4ª TURMA, relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 16/10/2019 e TJ-AC – MS: 10002147220208010000 AC 1000214-72.2020.8.01.0000, relator: Regina Ferrari, data de julgamento: 29/4/2020, Tribunal Pleno Jurisdicional, data de publicação: 4/5/2020.

[7] RMS 24526, relator(a): EROS GRAU, 1ª Turma, julgado em 3/6/2008, DJe-152 DIVULG 14-08-2008 PUBLIC 15-08-2008 EMENT VOL-02328-02 PP-00235

[8] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. Ed. 17. São Paulo: Saraiva Jur, 2020. Versão digital, p. 852.

[9] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. Ed. 8. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022. p. 44 e seguintes, versão digital. Veja-se também JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Ed. 10. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 1553-1555.

[10] BACELLAR, Romeu Felipe; HACHEM, Daniel Wunder. É Imprescindível a Defesa por Advogado em Processo Administrativo Disciplinar: sobre a súmula vinculante nº 5 do STF. In: BITTENCOURT NETO, Eurico; MARRARA, Thiago (org.). Processo Administrativo Brasileiro. Belo Horizonte: Forum, 2019. p. 229.

[11] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. Ed. 8. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022. p. 366.

[12] BACELLAR FILHO, Romeu Felipe; HACHEM, Daniel Wunder. É Imprescindível a Defesa por Advogado em Processo Administrativo Disciplinar: sobre a súmula vinculante nº 5 do STF. In: BITTENCOURT NETO, Eurico; MARRARA, Thiago (org.). Processo Administrativo Brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 229.

[13] Op cit.

[14] Op cit. p. 230.

[15] TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. V. 1. Ed. 16. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 292, versão digital.

[16] Veja-se, exemplificativamente: TRF-1 AC 0001942-07.2006.4.01.3100, JUÍZA FEDERAL CRISTIANE MIRANDA BOTELHO, TRF1 – 2ª TURMA, e-DJF1 17/08/2018 PAG; TRF1 AC: 00001386720074013100, relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA, data de julgamento: 26/9/2018, 2ª TURMA, data de publicação: 21/11/2018; TJ-MT APL: 00015334920158110078 MT, relator: ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES, data de julgamento: 2/10/2018, 2ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, data de publicação: 24/10/2018

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  • é mestrando em Direito do Estado e graduado pela UFPR, membro das comissões de Direito Eleitoral e de Estudos Constitucionais da OAB-PR e advogado no escritório Cid Campelo Advogados.

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