Opinião

Honorários sucumbenciais pós-julgamento da ADI 5.766: decisões marginais à lei

Autor

12 de outubro de 2022, 9h04

Desde a edição da Lei 13.467/2017, a chamada reforma trabalhista, poucos temas ganharam tamanha repercussão e dividiram tantas opiniões no universo juslaboral como a possibilidade legal da condenação do beneficiário da gratuidade de justiça ao pagamento dos honorários de sucumbência ao patrono da parte contrária.

De certo que esta possibilidade legal não era irrestrita, mas bastante flexibilizada pelo artigo 791, §4ª, da CLT, que apenas autorizava a suspensão da cobrança honorária na hipótese de não ter o beneficiário da gratuidade de justiça obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, observado o prazo prescricional de dois anos.

A referida flexibilização bastou para dar início a uma ferrenha discussão acerca da constitucionalidade do já mencionado §4º, tendo como pano de fundo central dos fundamentos contrários à constitucionalidade do referido parágrafo, a restrição de direitos sociais dos trabalhadores por meio da imposição de ônus de sucumbência aos beneficiários da gratuidade de justiça, especialmente diante da possibilidade de utilização de créditos trabalhistas no custeios das despesas processuais.

O debate acerca da constitucionalidade, ou não, do artigo 791, §4ª, da CLT alcançou o Supremo Tribunal Federal, provocado a se manifestar por meio do ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) pelo procurador-Geral da República e distribuída sob o nº 5766.

Da leitura da petição inicial da ação proposta pelo PGR, extrai-se que este pretendeu, por meio dos pedidos formulados, a declaração da inconstitucionalidade de três expressões introduzidas pela Lei 13.467/2017, quais sejam: a) "ainda que beneficiária da justiça gratuita", do caput, e do §4º do artigo 790-B da CLT; b) "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa" do §4º do artigo 791-A da CLT e c) "ainda que beneficiário da justiça gratuita" do §2º do artigo 844 da CLT.

A identificação da pretensão formulada pelo autor da ADI 5.766 deve ser, necessariamente, o ponto de partida para a análise de toda e qualquer decisão que sobrevenha nos autos da referida ação, porque é esta pretensão que, nos termos da lei e da regra da congruência, delimita o alcance do julgamento a ser proferido pelos ministros do STF.

O objeto central desta articulação recai sobre o entendimento do Supremo acerca da cobrança dos honorários sucumbenciais do beneficiário da gratuidade de justiça e, portanto, questão afeta ao segundo pedido formulado pela PGR, que é a declaração de inconstitucionalidade da expressão "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa" do §4º do artigo 791-A da CLT.

Iniciado o julgamento da ADI 5.766, em outubro de 2021 foi disponibilizado o extrato de julgamento, constando o que segue:

"O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar inconstitucionais os arts. 790-B, caput e §4º, e 791-A, §4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), vencidos, em parte, os ministros Roberto Barroso (Relator), Luiz Fux (Presidente), Nunes Marques e Gilmar Mendes. Por maioria, julgou improcedente a ação no tocante ao artigo 844, §2º, da CLT, declarando-o constitucional, vencidos os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Redigirá o acórdão o ministro Alexandre de Moraes. Plenário, 20.10.2021 (Sessão realizada por videoconferência  Resolução 672/2020/STF)".

Aqueles que se aventuraram à aplicação da decisão em efeito vinculante, partindo tão somente da leitura do extrato de julgamento, precipitaram-se. E não foram poucos!

Desde a disponibilização do extrato do julgamento nos autos da ADI 5766, a Justiça do Trabalho foi invadida, em todas as suas instâncias, por uma enxurrada de decisões que, com fundamento no efeito vinculante da decisão proferida pelo Supremo, passaram a afastar a condenação ao pagamento dos honorários sucumbenciais aos beneficiários da gratuidade de justiça.

Aventura jurídica! A uma, porque nos termos do artigo 102, §2º da CRFB, o extrato de julgamento não goza de natureza vinculante e não substitui a necessária disponibilização do acórdão por meio da publicação na imprensa oficial. A duas, porque os contornos da decisão prolatada, e isto inclui uma eventual modulação de aplicação da decisão, apenas podem ser entendidos a partir da análise do acórdão em sua integralidade.

A aplicação do teor do extrato de julgamento em um suposto efeito vinculante não amparado pela Constituição, tem o condão de criar uma série de perigosos precedentes que aplicam entendimentos à margem da Lei, porque contrários ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, assim como ocorreu no caso da ADI 5766.

De fato, não demanda grande esforço a localização de inúmeras decisões proferidas por juízes e desembargadoras no âmbito da Justiça do Trabalho que, desde a disponibilização do extrato de julgamento nos autos da ADI 5766, irrestritamente vêm deixando de condenar os beneficiários da gratuidade de justiça ao pagamento dos honorários sucumbenciais.

À época da disponibilização do extrato de julgamento, bastaria uma análise mais detida da ratio decidendi dos votos proferidos pelos ministros do Supremo durante o julgamento, para verificar uma possível contradição entre o que constava do extrato de julgamento e o teor dos votos vencedores, especialmente no que tange ao voto do ministro Edson Fachin, a exemplo do trecho a seguir:

"Importante ressaltar que não há inconstitucionalidade no caput do artigo 790-B da CLT, com a redação da Lei 13.467/2017, quando admite a possibilidade de imputação de responsabilidade ao trabalhador sucumbente, pois admitir a imputação é ato distinto de tornar imediatamente exigível tal obrigação do beneficiário da justiça gratuita. Se cessadas as condições que deu ao trabalhador o direito ao benefício da gratuidade da justiça, admite-se a cobrança das custas e despesas processuais."

Neste sentido, por corolário lógico, não seria possível concluir pela impossibilidade de condenação do beneficiário da justiça gratuita ao pagamento dos honorários sucumbenciais tomando por base, tão somente, o extrato de julgamento, porque em evidente desarmonia com os fundamentos que integram os votos, sendo prudente aguardar a publicação do acórdão, inclusive porque é certo que a aparente contradição restaria aclarada. E o foi!

Alguns meses depois da disponibilização do extrato de julgamento e com inúmeras decisões já aplicando o que se julgava ser o entendimento firmado pelo STF, foi publicado o acórdão da decisão proferida, permitindo uma correta compreensão do que pretendeu o Supremo no julgamento da ADI 5.766.

A parte dispositiva do acórdão constou:

"Vistos, relatados e discutidos estes autos, os ministros do Supremo Tribunal Federal, em Plenário, sob a Presidência do senhor ministro LUIZ FUX, em conformidade com a ata de julgamento e as notas taquigráficas, por maioria, acordam em julgar parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar inconstitucionais os arts. 790-B, caput e §4º, e 791-A, §4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), nos termos do voto do ministro ALEXANDRE DE MORAES, Redator para o acórdão, vencidos, em parte, os ministros ROBERTO BARROSO (Relator), LUIZ FUX (Presidente), NUNES MARQUES e GILMAR MENDES. E acordam, por maioria, em julgar improcedente a ação no tocante ao artigo 844, §2º, da CLT, declarando-o constitucional, vencidos os ministros EDSON FACHIN, RICARDO LEWANDOWSKI e ROSA WEBER".

Uma análise da parte dispositiva do acórdão de forma desatenta e marginal à Lei, permitiria o entendimento de que restou declarada inconstitucional a integralidade do artigo 791-A, § 4º, da CLT e, assim, ilegal a condenação do beneficiário da gratuidade de justiça ao pagamento dos honorários sucumbenciais.

Este, inclusive, continua sendo o entendimento prevalecente no âmbito da Justiça do Trabalho, numa aplicação descuidada do que se supôs ser o entendimento firmado pelo Supremo sobre o tema.

A parte dispositiva do acórdão, no entanto, faz referência expressa ao voto do ministro Alexandre de Morais, voto este cuja análise é obrigatória para o correto entendimento do teor da decisão proferida pelo Supremo.

Do referido voto, constou:

"Em vista do exposto, CONHEÇO da Ação Direta e, no mérito, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para declarar a inconstitucionalidade da expressão 'ainda que beneficiária da justiça gratuita', constante do caput do art. 790-B; para declarar a inconstitucionalidade do §4º do mesmo artigo 790-B; declarar a inconstitucionalidade da expressão 'desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa', constante do §4º do artigo 791-A; peara declarar constitucional o artigo 844, §2º, todos da CLT, com a redação dada pela Lei 13.467/2017".

A leitura do voto do ministro Alexandre de Morais aclara os limites da decisão proferida e, portanto, os limites do seu efeito vinculante. A declaração de inconstitucionalidade não se refere à integralidade do artigo 791-A, §4º, da CLT, mas tão somente à expressão "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa".

E de outra forma não poderia ser, já que a declaração de inconstitucionalidade integral do artigo 791-A, §4º, da CLT sequer é objeto da ADI 5.766.

Neste ponto, necessário resgatar a já mencionada importância da identificação prévia da pretensão formulada pelo Autor da ADI 5766 como ponto de partida para a análise de toda e qualquer decisão que sobreveio no processo. Isso porque, é esta pretensão formulada na petição inicial que fixa os limites da demanda e o espaço por onde o julgador pode "transitar", em obediência à lei e ao princípio da congruência.

E foi justamente com base na pretensão formulada pelo PGR em sua petição inicial, que os embargos declaratórios posteriormente por ele apresentados foram rejeitados pelo ministro Alexandre de Moraes, que ratificou na decisão dos embargos que "seria estranho ao objeto do julgamento tratar a constitucionalidade do texto restante do caput do artigo 790-B e do §4º do artigo 791-A, da CLT", mantendo, assim, na íntegra, a decisão que limitou a declaração de inconstitucionalidade à expressão "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa".

Portanto, o entendimento que efetivamente se extrai da decisão proferida pelo Supremo e que deve ser aplicada ante a sua natureza vinculante, é que os honorários sucumbenciais devem ser fixados, apesar do direito à gratuidade judiciária. O que se autoriza, no entanto, com base no julgamento da ADI 5.766 é, tão somente, a suspensão da exigibilidade destes honorários enquanto existir a situação de insuficiência econômica que justificou a concessão do benefício, ainda que venha o autor a obter créditos capazes de suportar a despesa neste ou em outro processo.

Entendimento diverso é violação da norma constitucional (artigo 102, §2º).

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!