Opinião

Liberdade econômica, ambientalismo e responsabilidade

Autor

  • Carlos Sérgio Gurgel da Silva

    é professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte doutor em Direito pela Universidade de Lisboa mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte especialista em Direitos Fundamentais e Tutela Coletiva pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte advogado geógrafo conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Rio Grande do Norte presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-RN conselheiro titular no Conselho da Cidade do Natal (Concidade) e no Conselho de Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Norte (Conema) autor de inúmeros livros capítulos de livros e artigos nas áreas de Direito Ambiental Direito Urbanístico e Direito Constitucional.

12 de outubro de 2022, 18h40

A liberdade econômica é um dos pilares do Estado brasileiro. Está desenhada de forma clara no arranjo institucional e no modelo de Estado proposto com a Constituição de 1988. A lógica do desenvolvimento sustentável, que desponta na década de 1970 e que ganhou força especialmente em 1987 com o famoso Relatório Brundtland, teve seu ápice, em termos de abrangência internacional, no âmbito da Conferência Mundial de Meio Ambiente de Desenvolvimento de 1992, realizada no Brasil, mais especificamente na cidade do Rio de Janeiro. Antes mesmo deste marco histórico, ainda em 1988, inspirado pela Conferência de Estocolmo (1972) e pela Constituição Portuguesa de 1976, o constituinte brasileiro elaborou um dos textos constitucionais mais emblemáticos do mundo em matéria de defesa ambiental, a ponto de receber a alcunha de "Constituição Verde", em alusão aos diversos dispositivos que encontram assento em seu corpo.

A "equação" que corresponde ao desenvolvimento sustentável, como se sabe, não é tarefa simples e fácil. Envolve muitos ganhos e perdas, em uma relação que requer habilidade e responsabilidade. A Constituição Federal de 1988 aponta na direção de um desenvolvimento econômico e social responsável. Tal ideia está perfeitamente ilustrada no artigo 170 e seu inciso VI, quando define a defesa do meio ambiente como um dos pilares que deve sustentar o edifício da ordem econômica do país. Refletindo a respeito, podemos compreender que as políticas ambientais precisam subsistir e conviver em harmonia com políticas de viés econômico e social. Este trio da sustentabilidade deve caminhar de mãos dadas, fazendo concessões mútuas e respeitando limites de usos, não usos e formas de ocupação dos espaços territoriais (urbanos, rurais, florestais, marítimos, etc.).

O Brasil não pode dispensar o uso e exploração de seus inúmeros recursos naturais e ambientais, uma vez que sua população anseia pelo desenvolvimento responsável que garanta o atendimento de suas necessidades básicas (saúde, educação, transporte, energia, meio ambiente ecologicamente equilibrado, etc.). Sabe-se, no entanto, que temos espaços territoriais mais sensíveis a intervenções antrópicas (impactos) do que outros. Tal fato aponta para a necessidade de um planejamento que aponte na direção do uso sustentável ou até mesmo do não uso em determinadas áreas. A ideia de realizar levantamentos científicos que identifiquem: a) a capacidade de suporte dos solos; b) a estrutura geológica, geomorfológica e até mesmo edáfica (solos); c) o fluxo e a estrutura de drenagem; d) as características e a distribuição espacial da fauna e da flora, são fundamentais para a definição de usos ou não usos dos espaços estudados. Este é o espírito do zoneamento ambiental, especialmente aquele conhecido como Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE). Não há outra forma de conferir utilidade econômica a determinadas áreas e ao mesmo tempo garantir o equilíbrio dos processos ecológicos, mesmo que em termos mínimos. Não há fórmula única a reger todas as situações e, neste sentido, os órgãos de controle e fiscalização ambientais, integrantes da estrutura do Sisnama, terão que analisar, caso a caso (dentro de padrões e limites previamente estabelecidos pela legislação pátria), os detalhes do projeto de instalação e da operação do empreendimento proposto. Caso entenda que há mais impactos negativos do que positivos, ou até mesmo, se identificar violações às regras ambientais, não deverá emitir a licença ambiental pleiteada, em cumprimento aos princípios da prevenção, precaução e do desenvolvimento sustentável.

Neste sentido, é importante destacar que a liberdade econômica dos agentes privados é fundamental em um Estado que dá sustentação ao sistema econômico capitalista, em toda sua essência. No entanto, adentrando nos anseios do constituinte, expressos no próprio texto constitucional e nas atas da assembleia, percebe-se que a dimensão e a dogmática das ordens econômica e social apontam para a imprescindibilidade de um capitalismo responsável, único capaz de viabilizar o verdadeiro desenvolvimento sustentável.

Por outro lado, o ambientalismo constitui um movimento legítimo de defesa do meio ambiente, tendo como base obras e ensaios produzidos por filósofos, economistas, geógrafos, biólogos, ecólogos, dentre outros, os quais apontam fragilidades ecossistêmicas e/ou riscos de danos ambientais irreversíveis ou de difícil reparação. O ambientalismo surge como uma proposta de conscientização humana acerca da necessidade de se preservar o ambiente, impedindo a ruptura das cadeias ecológicas presentes nos diversos biomas, o que pode gerar sérios prejuízos à qualidade de vida de todos os seres vivos, incluindo, por óbvio, os seres humanos. Tais aspectos ganharam, no entanto, conotações políticas, o não poderia ser diferente, já que tal dinâmica é o resultado natural da evolução dos debates. O resultado de seu amadurecimento faz surgir a resposta normativa diante de riscos que se acumulam nos processos produtivos e de utilização dos espaços territoriais. No entanto, tal política não deve ser capturada como um discurso exclusivista de viés partidário. A incorporação de valores por partidos políticos é uma coisa, sendo muito bem-vinda. Contudo, a dimensão do discurso é suprapartidária, uma vez que pertence à coletividade como um todo.

Diante dessas colocações, percebe-se que a responsabilidade da defesa ambiental cabe a todos, Estado e Sociedade, assim como prescreve o art. 225 da Constituição de 1988: "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade, o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Sendo assim, convém ao Estado (acepção ampla) criar e garantir o funcionamento das estruturas administrativas que possam garantir a realização da legislação ambiental federal, estadual, distrital e municipal, no que for cabível e punir os infratores no caso de violações às regras que ensejam a tríplice responsabilização do agente: a) civil (objetiva); b) administrativa (subjetiva); e c) penal (subjetiva). Por fim, resta destacar que o movimento da estrutura estatal não afasta a responsabilidade que a população em geral possui de cooperar e, por que não, de promover a defesa intransigente do meio ambiente, utilizando-se, se preciso for, os remédios constitucionais (ações constitucionais) adequados à defesa desses interesses.

Autores

  • é advogado especializado em Direito Ambiental, doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa (Portugal), professor adjunto IV do curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, conselheiro estadual da OAB-RN, presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-RN (2022-2024), autor de inúmeros artigos e capítulos de livros na área do Direito Ambiental, geógrafo e consultor ambiental.

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