Opinião

Lei da Sociedade por Ações: brechas para abuso das minorias

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11 de outubro de 2022, 15h03

Por diversas vezes, na Lei da Sociedade por Ações, o legislador optou pelo princípio majoritário de votação para viabilizar a aprovação de determinadas matérias. Nesses casos, procurou-se privilegiar a formação coletiva da vontade e, por efeito, assegurar a sua capacidade de agir, superando o imobilismo que pode decorrer da exigência de quórum unânime.

Por outro lado, é de praxe que estatutos sociais ou acordos de sócios estipulem a aprovação de determinadas matérias por unanimidade. Ocorre que, ainda que esse quórum majorado seja estabelecido de conforme acordo pelos acionistas, poderá expor a sociedade à inação, como se atribuída fosse a qualidade de representante da vontade social a apenas um acionista, abrindo espaço para um entrave absoluto ocasionado por uma minoria votante.

Este cenário possibilita que os poderes individuais de sócio e que os direitos de minoria sejam exercidos de maneira desleal e utilizados de forma abusiva. Isso vale, inclusive, para minorias de bloqueio em alterações estatutárias, isto é, atuar no sentido de bloquear o processo decisório, impedindo ou atrasando a aprovação de matérias nas deliberações. O que ocorre, na prática, é um abuso negativo ou omissivo por parte de referida minoria, não sendo necessariamente votos contra a proposta discutida em assembleia, mas que, utilizando-se de seu poder de voto, tais sócios mantêm-se inertes aos casos nos quais deveriam agir.

Tal postura contraria o dever de lealdade dos sócios, que devem agir em conformidade com o interesse social da sociedade. Assim, o que deve ser levado em consideração quando da elaboração dos instrumentos societários é que a sociedade existe pelo interesse dos sócios, os quais, em princípio, estão investidos da prerrogativa de decisão sobre interesses alheios, prevalecendo sempre a vontade do maior número, julgado cada qual segundo o seu próprio interesse. A ideia originária da base do princípio majoritário é a de que o ordenamento social deve estar de acordo com o maior número possível de sujeitos, e em desacordo com o menor número possível.

Ademais, já houve lide no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) sobre o tema, no sentido de que os minoritários de uma sociedade anônima de capital fechado não devem tentar impedir alterações estatutárias que tinham como especificação o quórum de 100% do capital exigido, isto é, foi impedida a atuação das minorias de bloqueio. No caso em tese, o relator Cesar Ciampolini citou a lição de José Waldecy Lucena "exigência de unanimidade nas votações, se não banida, deve ser reservada a casos graves, excepcionais, porquanto a experiência revelou que a exigência de deliberação unânime fortalece as minorias, as quais, impedindo a tomada de decisões, imobilizam os administradores e as próprias atividades sociais. Por isso mesmo, chamadas de 'minorias de bloqueio', mereceram estudos que se detiveram na análise dos 'abusos das minorias' e da 'ditadura das minorias'".

Pode-se utilizar de uma simples analogia sobre a decisão acima no que diz respeito a matérias com quóruns majorados pelo estatuto social, i.e., na prática, ao adotarmos um tratamento de extrema rigidez para quaisquer reformulações de cláusulas em um estatuto social, existirá o risco de um abuso das minorias, prejudicando o funcionamento adequado da sociedade. Se, desde deliberações corriqueiras, como alteração das regras para outorga de procurações, até outras mais substanciais, como aumento de capital social, há a necessidade de se ajustar o estatuto social, e tal alteração está vinculada à aprovação unânime dos sócios, tem-se uma linha tênue entre fazer valer o interesse comum dos acionistas, nos quais todos devem aprovar uma decisão, e cercear essa mesma motivação compartilhada, dado que um único acionista, contrariando todos os demais, pode frustrar uma aprovação.

Portanto, ainda que as resoluções de conflito se deem no âmbito judicial ou por meio de arbitragem, é necessário extremo cuidado quando as partes decidem por majorar o quórum previsto em lei para aprovação de determinadas medidas, principalmente em decisões básicas e operacionais de uma sociedade, sendo que, ainda que os direitos da minoria sejam reconhecidos por tal disposição, sempre existirá o risco e perigo do abuso do direito.

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