Legitimidade para processar

Caso de designer que não quer criar site para casamento gay vai à Suprema Corte

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10 de outubro de 2022, 10h17

A Suprema Corte dos EUA decidiu julgar uma ação movida por uma designer cristã que não quer criar sites para celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo, por contrariar sua crença religiosa. Ela perdeu a disputa em primeiro e segundo grau. Mas tem uma chance na corte em que os nove ministros são religiosos — e dos quais seis são conservadores que garantiram seguidas vitórias a religiosos no ano judicial passado.

montagem: Jeferson Heroico
O site Catholic News Agency (CAN) chama a ação de um caso de liberdade religiosa. O site LGBTQ Nation a chama de um caso para arruinar os direitos da comunidade LGBTQ. O padre jesuíta James Martin, bem conhecido da comunidade religiosa por ser editor geral da America Magazine, a chama de um caso de homofobia.

No caso 303 Creative vs. Elenis, a designer Lorie Smith contesta uma lei do estado do Colorado que, segundo a petição, viola seu direito de recusar serviços criativos, quando eles conflitam com suas crenças religiosas. A Lei Antidiscriminação do Colorado — Colorado’s Anti-Discrimination Act (CADA) — diz especificamente, segundo a Justia US Law:

"É uma prática discriminatória e ilegal de uma pessoa, diretamente ou indiretamente, recusar, negar ou rejeitar a um indivíduo ou grupo, por causa de deficiência, raça, credo, cor, sexo, orientação sexual, estado civil, nacionalidade ou ancestralidade, o desfrute total e igual de bens, serviços, instalações, privilégios, vantagens ou acomodações em um empreendimento destinado ao público (…)".

A peticionária alega ter recebido um chamado de Deus para promover e celebrar sua criatividade, fazendo websites personalizados de casamentos para casais heterossexuais e que ela declara sua crença na santidade bíblica do casamento a possíveis clientes e no website de sua pequena empresa, a 303 Creative, que opera em Denver desde 2012.

Em todo esse tempo de operação, nunca um casal gay pediu a ela para criar um site celebrando seu casamento, nem ela nunca esteve sob investigação do estado. Por essa razão, um tribunal federal decidiu contra ela. O juiz determinou que ela não tem legitimidade para mover tal ação judicial contra as autoridades do estado, porque ela nunca sofreu qualquer dano que justifique a contestação da lei.

Legitimidade nos EUA
A legitimidade (standing ou locus standi) para mover uma ação, na lei dos EUA, é explicada como uma condição em que uma parte, em busca de um provimento judicial, deve demonstrar ao juiz que sofreu ou está na iminência de sofrer um dano real e que há uma conexão do dano a uma lei ou ação de outrem, para justificar sua participação no caso.

O Legal Information Institute (LII) informa que a Suprema Corte criou, em Lujan v. Defenders of Wildlife, em 1992, um teste de três partes para determinar se uma parte tem legitimidade para processar:

1. O autor da ação deve ter sofrido um "dano de fato" ("injury in fact"), significando que o dano é protegido por um direito real (a) concreto e particularizado e (b) real ou iminente;

2. Deve existir uma conexão causal entre o dano e a conduta que gerou a queixa;

3. Deve ser provável, e não só possível, que uma decisão favorável do juiz irá reparar o dano.

O site da Alliance Defending Freedom (ADF), que representa a designer na ação, traz exemplos sobre legitimidade para processar (que servem para comparar com o que ocorre no Brasil):

"Se A e B assinarem um contrato e B descumpri-lo, o dano causado a A é real e é um 'dano de fato'. Entretanto, mesmo que B esteja errado e A sofreu um 'dano de fato', C (alguém que não é parte do contrato, nem foi diretamente afetado pelo contrato) não pode processar por causa do dano causado a A. C não sofreu um ‘dano de fato’ e, portanto, não tem legitimidade para processar."

"C teme que o cachorro de D pode mordê-lo. C não tem legitimidade para mover uma ação e pedir indenização por danos só porque o cachorro de D pode mordê-lo. C não tem legitimidade porque não sofreu dano realmente e não pode processar com base em seu medo. (Porém, se o cachorro estava agindo de maneira ameaçadora, não usava coleira e não estava preso, o juiz pode reconhecer a legitimidade)."

Decisão da Suprema Corte
Um Tribunal de Recursos em Denver, Colorado, manteve a decisão de primeira instância, acrescentando: "Precisamos considerar os graves danos causados, quando entidades discriminam como base em raça, religião, sexo ou orientação sexual. Combater tal discriminação é, como a autonomia individual, essencial para nossos ideais democráticos."

Assim, a designer cristã recorreu à Suprema Corte que, segundo o site LGBTQ Nation, poderá decidir que a peticionária não tem legitimidade para processar, uma vez que nenhum casal gay lhe pediu para fazer um website para celebrar um casamento e, portanto, a lei não lhe causou qualquer dano.

Ou poderá julgar apenas a questão da liberdade de expressão da peticionária. Nesse caso, a corte não irá decidir se é ilegal empresas discriminar contra a comunidade LGBTQ com base em princípios religiosos — ou se o estado pode obrigar proprietários de empresas a criar uma forma de expressão da qual discordam pessoalmente.

Uma coalizão de entidades religiosas protocolou um amicus curiae na Suprema Corte, em apoio à designer cristã — uma coalizão bem ecumênica, aliás, formada pela Conferência de Bispos Católicos dos EUA, Conferência Católica do Colorado, Conselho Geral das Assembleias de Deus, Conferência Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, Associação Evangélica Billy Graham e Bolsa Samaritana. A coalizão relata casos em defesa de religiões, incluindo alguns das Testemunhas de Jeová.

Padre jesuíta
A Catholic News Agency destacou, na notícia sobre o caso de liberdade religiosa, as mensagens que o padre jesuíta James Martin, editor da America Magazine, postou no Twitter. As mensagens provocaram uma ampla controvérsia na plataforma. Entre outras coisas, ele escreveu:

"A única matéria que parece ofender as consciências desses poucos católicos e líderes empresariais cristãos é o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Então, não devemos chamar esse caso de 'liberdade religiosa'. Vamos chamá-lo o que realmente é: homofobia."

"Com o disfarce de 'liberdade religiosa', donos de empresas católicas podem negar serviços a protestantes e, mais amplamente, cristãos podem negar serviços a judeus, muçulmanos, hindus, budistas, ateístas, agnósticos e assim por diante."

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