Opinião

Regime Centralizado de Execuções alcança clubes que não são SAF

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9 de outubro de 2022, 7h06

As possibilidades de adesão ao Regime Centralizado de Execuções, instrumento previsto no artigo 13 da Lei nº 14.193 (da SAF), vem causando debates entre os especialistas em direito desportivo. O ponto principal em discussão é objetivo: a constituição da sociedade anônima de futebol é condição necessária e obrigatória para que o clube originário possa requerer o Regime Centralizado de Execuções?

A resposta, também bastante objetiva e direta, é simples: não. Clubes que buscam recuperar suas finanças, ainda que não transformados em SAF, podem buscar o RCE como parte do esforço necessário para quitar débitos e restabelecer a saúde do caixa da agremiação.

Há diversos motivos que pesam em favor dessa conclusão. A Lei da SAF prevê a possibilidade de tratamento tributário e fiscal diferenciado para os clubes de futebol com o propósito de garantir a recuperação estruturada das entidades desportivas. Ou seja: o objetivo dos instrumentos previstos na lei é garantir a sobrevivência de protagonistas de um segmento — o futebol — que gera empregos e riqueza para milhões de pessoas. Mais que isso: a possibilidade de recuperação das agremiações projeta para o futuro um cenário de geração de desenvolvimento econômico e social ainda maior, com a crescente proximidade entre o mundo do esporte e o entretenimento e as novas tecnologias.

Nesse sentido, é fundamental permitir que os gestores que abraçaram a tarefa de recuperar os clubes atuem com previsibilidade, sem sobressaltos. Parecer jurídico que embasou a relatoria do projeto de lei da SAF diz que a regra tem inspiração no âmbito do Plano Especial de Pagamento Trabalhista (Pept). "Largamente utilizado por tribunais espalhados no país, em que a parte executada requer, ao presidente do tribunal, a análise, segundo critérios de oportunidade e conveniência, da concessão do Pept a fim de evitar penhoras ou ordens de bloqueio de valores decorrentes do cumprimento de decisões judiciais trabalhistas, prejudicando, por consequência, o soerguimento da sua atividade econômica, bem como o adimplemento de obrigações de credores de natureza diversas."

A reunião dos processos de execução, inicialmente testada no âmbito da Justiça do Trabalho é extremamente relevante. A experiência do RCE (que pela Lei da SAF pode ocorrer com passivos trabalhistas e passivos cíveis) é amplamente testada — e com sucesso — no âmbito dos tribunais. Além disso, a medida traz para o âmbito da legislação desportiva o princípio da igualdade entre credores, aplicável às legislações de insolvências. Testado no meio empresarial, o mecanismo evita inconsistências no pagamento de credores. O regime centralizado beneficia também aos credores, que passam a ter um tratamento seguro e igualitário.

A prática dos tribunais também indica que o caminho do RCE pode ser seguido pelos clubes que buscam reorganizar suas finanças. Há decisões nessa direção no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (para Vasco da Gama e Botafogo), no Tribunal de Justiça de São Paulo (Portuguesa e Corinthians ) e no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (Avaí).

Há, por outro lado, quem levante dúvidas sobre a questão. Provimento do Tribunal Superior do Trabalho editado em agosto define no artigo 153: "O RCE disciplinado pela Lei nº 14.193/2021 destina-se única e exclusivamente às entidades de prática desportiva definidas nos incisos I e II do § 1º do art. 1º e que tenham dado origem à constituição de Sociedade Anônima de Futebol na forma do art. 2º, II, da referida lei".

Mais adiante, porém, a mesma norma, em suas disposições transitórias, estabelece que "Os planos aprovados com os benefícios do RCE previstos na Lei nº 14.193/2021, para entidade desportiva que não se enquadre na regra do art. 153 desta Consolidação, deverão ser apresentados na forma de pedido de instauração de Pept, no prazo de 90 dias, sob pena de se presumir o desinteresse no procedimento de reunião de execuções para pagamento parcelado do passivo trabalhista". Em resumo, é correto afirmar que o TST interpretou a lei de forma a limitá-la, mas previu que o Regime Centralizado de Execuções pode ser autorizado aos clubes de futebol que não se transformaram em SAF diante de condições específicas.

Quem ama e pratica esportes sabe que é essencial que competidores disputem em condições de igualdade. A possibilidade de negar a certos clubes de futebol um benefício aberto aos outros — aqueles transformados em SAF — causaria grande desequilíbrio no mercado. Isso contraria frontalmente o princípio da igualdade e fere o espírito da lei. Aprovada no Parlamento e nos campos de futebol, a regra veio para garantir a reorganização financeira do futebol brasileiro — e a prática mostra que seus instrumentos estão sendo efetivamente usados para isso.

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