Opinião

Decentralized autonomous organization: o que são as DAOs?

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5 de outubro de 2022, 15h06

Antes de adentrar nos desafios jurídicos envolvendo DAOs, é importante iniciar com a conceituação do que pode ser interpretado e quais características são relevantes nesse novo tipo de organização. De partida, vale frisar que uma DAO, na prática, nada mais é do que um algoritmo: uma sequência de instruções definidas, de ações executáveis, escritas em uma linguagem de programação. No momento atual, DAO são representadas por um ou mais smart contracts, escritos em blockchains, como, por exemplo, a blockchain do Ethereum.

DAO é um acrônimo para o conjunto de três palavras em inglês: decentralized autonomous organization, ou, em português, organização autônoma descentralizada. Cada uma dessas palavras traz conotações significativas para o conceito e para as suas aplicações práticas.

A primeira delas, organização, remete a um coletivo de pessoas com um objetivo comum, um grupo de indivíduos com um propósito unificado, de realizar determinadas condutas em prol de uma meta compartilhada  uma visão escolhida por respectivas pessoas para guiar as ações que serão coletivamente promovidas. Nesse sentido, uma DAO normalmente reúne duas ou mais pessoas (e potencialmente milhares de pessoas ao redor do mundo), organizando os trabalhos que serão empreendidos por elas para alcançar o fim comum de respectiva organização.

A segunda delas, autônoma, tem diversos significados. Em primeiro lugar, a ideia de uma organização autônoma pode ser interpretada pela desnecessidade de intermediários para a criação de uma DAO, já que esta representa literalmente um código em linguagem computacional, executado em um computador, sem que haja necessidade de qualquer aprovação governamental ou registro em junta comercial para o seu regular funcionamento. Em segundo lugar, DAOs podem ter um caráter completamente autônomo (quando se tratarem de DAOs algorítmicas), ou, quando forem gerenciadas por membros, uma condição autônoma de funcionamento após determinadas propostas terem sido aprovadas, na medida em que a sua execução seria automática e, portanto, autônoma, desde que as ações a serem executadas estejam previstas nos próprios smart contracts.

A terceira delas, descentralizada, também pode representar significados distintos. Num primeiro viés, a descentralização pode ser observada na própria tecnologia da blockchain, que é, por sua natureza, um registro descentralizado de informações, mantidas ao mesmo tempo por vários computadores distintos da rede, evitando o problema de um ponto central de falha, que possa impactar toda a rede caso seja comprometido, e retirando a necessidade de intermediários. Por outro olhar, o conceito de descentralização também pode ser visto na governança das DAOs, que, diferentemente de organizações tradicionais, não possuem uma hierarquia vertical, com pessoas em posições chaves para direcionar as atividades da organização (como CEOs, CFOs, etc.), cabendo a todos os membros votar em qualquer proposta que seja apresentada por eles, de acordo com as regras estipuladas pela própria DAO, de forma descentralizada.

DAOs podem ser classificadas em categorias distintas, a depender do seu objetivo central. Dentre as categorias mais conhecidas e utilizadas estão: 1) DAOs de Protocolo; 2) DAOs de Investimento ou Venture DAOs; 3) DAOs de Filantropia; 4) DAOs de Colecionadores; 5) DAOs de Mídia; e 6) DAOs Sociais.

DAOs de Protocolo: são criadas para realizar a governança de um determinado protocolo, como uma aplicação de finanças descentralizadas (DeFi). Entre as mais conhecidas estão a MakerDAO e a Uniswap, que, conjuntamente, possuem em tesouraria mais de US$ 3 bilhões.

DAOs de Investimento: são estruturadas para captar recursos para posterior investimento em empresas, podendo ter um foco específico em determinados segmentos ou tipos de negócios. A MetaCartel Ventures, por exemplo, é uma Venture DAO que pretende investir em aplicações descentralizadas em fases iniciais de desenvolvimento. No Brasil, a AlmaDAO tem se anunciado como uma DAO de investimento focada na democratização da Web3.

DAOs de Filantropia: são formadas para fins filantrópicos, como ajudar projetos sociais específicos. A UkraineDAO, por exemplo, foi criada para facilitar o envio de doações a soldados ucranianos e auxiliar a fundação Come Back Alive.

DAOs de Colecionadores: são concebidas para servir como um pool de recursos a serem utilizados na compra de objetos colecionáveis, como NFTs raros, permitindo que seus membros tenham uma cota correspondente ao seu investimento pessoal. Os exemplos mais famosos são a FlamingoDAO, que possui uma coleção de NFTs, e a ConstitutionDAO, que tentou comprar uma das raras cópias da primeira edição da Constituição dos Estados Unidos da América.

DAOs de Mídia: são focadas na criação de conteúdo pela própria comunidade, numa tentativa de repensar as plataformas tradicionais de mídia existentes, garantindo que os próprios membros sejam os geradores de conteúdo. BanklessDAO é uma das DAOs de mídia mais conhecidas no mercado.

DAOs Sociais: são criadas com foco na construção de comunidades, reunindo pessoas com ideias semelhantes que queiram trocar experiências e participar de atividades sociais. Uma das DAOs Sociais mais ativas se chama Friends With Benefits, e admite membros mediante a aquisição de tokens da DAO.

Embora uma DAO possa ser classificada em mais de uma categoria ao mesmo tempo, usualmente as organizações possuem um foco maior em uma das categorias acima, inclusive para fins de evitar conferir ainda mais complexidade aos smart contracts que suportam a DAO.

Autores

  • é sócio da área de Proteção de Dados e Cybersecurity do BMA - Barbosa Müssnich Aragão Advogados e professor convidado do Insper e da FGV/Rio.

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