Opinião

Banco Central altera regras aplicáveis às administradoras de consórcio

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4 de outubro de 2022, 9h07

Em 27 de julho deste ano, o Banco Central do Brasil emitiu as Resoluções BCB nºs 233 e 234, que tratam, respectivamente, dos princípios e procedimentos aplicáveis aos processos de autorização a que estão submetidas as administradoras de consórcio, bem como da constituição e do funcionamento dessas instituições.

Essas novas regras inserem-se no contexto dos recentes esforços do Banco Central em racionalizar, modernizar e uniformizar as regras de constituição e procedimentos de concessão de autorização de suas entidades supervisionadas, entre as quais podemos citar a recente edição das Resoluções BCB nºs 80 e 81, aplicáveis às instituições de pagamento, bem como da Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) nº 4.970, aplicável às instituições financeiras e demais instituições sujeitas à regulação do CMN.

No caso das novas regras aplicáveis às administradoras de consórcio, ambas as resoluções têm sua entrada em vigor prevista para 1º de julho de 2023, sendo que, a partir dessa data, serão revogadas algumas das principais normas que tratavam de tais temas até então – entre elas, a Circular nº 2.332, de 1993, e a Circular nº 3.433, de 2013, ambas publicadas pelo Banco Central.

Resolução BCB nº 233

A Resolução BCB nº 233 concentra-se nas regras relativas aos processos de autorização das administradoras de consórcio e segue a linha que vem sendo adotada desde 2021 com a emissão das Resoluções BCB nºs 80 e 81, com uma abordagem proporcional à complexidade e ao porte de cada instituição e do tipo de licença pleiteada. Inclusive, a nova norma permite a comprovação de diversos requisitos por métodos meramente declaratórios, sem necessidade de vasta comprovação documental como antes havia, conferindo maior eficiência e agilidade à análise dos processos de autorização.

Entre suas principais novidades e alterações, além do estabelecimento de princípios gerais que possibilitam a simplificação da análise processual pelo Banco Central, podemos destacar:

— Conceito de Controle e Participação Qualificada: apesar de o conceito de controle permanecer o mesmo daquele previsto na legislação societária, o Banco Central trouxe mais clareza à formalização do controle por pessoas jurídicas no caso das chamadas true corporations (companhias abertas sem controlador definido), em linha com inovações recentes trazidas pela Resolução BCB nº 81 e Resolução CMN nº 4.970. O conceito de participação qualificada, por sua vez, foi mais detalhado,  de forma que será considerada detentora de participação qualificada a pessoa que, não sendo controladora, detenha: 1) participação direta de 15% ou mais do capital votante da instituição de pagamento; 2) participação direta de 10% ou mais do capital total da administradora de consórcio, quando esse capital não for constituído integralmente de capital votante; 3) controle de pessoa jurídica detentora da participação prevista nos itens "1" e "2" anteriores e 4) participação no capital de pessoa jurídica controladora da instituição de pagamento, no percentual previsto nos itens "1" ou "2" anteriores. Ainda, em caso de participação qualificada de fundo de investimento, a Resolução deixa claro que as disposições aplicáveis às pessoas físicas ou jurídicas detentoras de participação qualificada poderão ser extensíveis aos cotistas do fundo de investimento que efetivamente detenham poderes para a condução de sua atuação, nos termos de regulamentação específica editada pelo Banco Central.

— Vedação explícita à participação de fundos de investimento no grupo de controle de administradoras de consórcio: de forma a harmonizar as regras referentes ao controle de instituições de pagamento e administradoras de consórcio, a Resolução BCB nº 233 vedou explicitamente a participação de fundos de investimento no grupo de controle (direta ou indiretamente) das administradoras de consórcio.

Resolução BCB nº 234

Por outro lado, a Resolução BCB nº 234 concentra-se nas regras de constituição e funcionamento das administradoras de consórcio, além de disciplinar, em capítulo específico, o regramento aplicável à contratação de representantes por administradoras de consórcio para atuação na representação para subscrição de cotas de consórcio, de constituição de grupos de consórcio e de atendimento a consorciados. Este último tema era anteriormente regulado na já defasada Circular BCB nº 2.332, de 1993.

Entre suas principais novidades e alterações, no que tange às regras de constituição e funcionamento das administradoras de consórcio, destacam-se:

Principais aspectos societários [1]:

— Regência supletiva da Lei nº 6.404, de 1976: para as administradoras de consórcio constituídas sob a forma de sociedade empresária limitada, a nova regra passa a exigir: 1) a observância supletiva à Lei nº 6.404, de 1976, inclusive no que tange à retenção de lucros e à constituição de reservas, e 2) a proibição à indicação de administradores com mandato por prazo indeterminado, sendo necessária a indicação por prazo determinado, não superior a quatro anos; e

— Aumentos de capital: ampliação das possibilidades de origem dos recursos utilizados na integralização de aumentos de capital, possibilitando agora a integralização com recursos originários de reservas de lucros acumulados, reservas de capital e créditos a acionistas a título de remuneração de capital. Para todos esses casos, além da integralização com reserva de lucros, que já era permitida, fica dispensada a autorização prévia do Banco Central;

— Número mínimo de administradores: obrigação de nomeação de, no mínimo, dois administradores estatutários para exercerem a gestão da administradora de consórcio.

Principais aspectos regulatórios:

— Política de governança: em linha com o regramento aplicável às demais entidades supervisionadas pelo Banco Central, a nova regra passa a exigir a elaboração, pela administradora de consórcio, de política de governança, que objetive garantir o cumprimento da regulamentação do Sistema de Consórcios. Tal política deve ser aprovada pelo Conselho de Administração da administradora (ou, na falta dele, pela Diretoria), além de definir responsabilidades e atribuições, estar adequadamente documentada e à disposição do Banco Central e ser submetida a revisões a cada dois anos [2].

 Regulação prudencial: alteração das regras prudenciais aplicáveis às administradoras de consórcio, incluindo novas definições para os limites operacionais aos quais estão sujeitas as administradoras de consórcio, além de uma nova lista de medidas prudenciais preventivas que podem ser adotadas pelo Banco Central nas administradoras de consórcio, em avaliação discricionária caso a caso, a fim de assegurar a solidez e regular o funcionamento do Sistema de Consórcios. Tais medidas agora incluem, em linha com o previsto na Resolução CMN nº 4.019, de 2011 (aplicável ao Sistema Financeiro Nacional) e com as recomendações de Basileia III, a possibilidade de: 1) adoção de controles e procedimentos operacionais adicionais; 2) redução do grau de risco das exposições; 3) observância de limites operacionais mais restritivos; 4) recomposição de níveis de liquidez; 5) limitação ou suspensão de certas atividades e gastos; e 6) alienação de ativos.

Aspectos envolvendo a contratação de representantes:

Quanto à contratação de representantes pelas administradoras de consórcio, as normas sobre esse tema, atualmente tratado na Circular nº 2.332, de 1993, foram atualizadas e compatibilizadas com as regras da Resolução CMN nº 4.935, de 29 de julho de 2021, que trata da contratação de correspondentes por instituições financeiras e pelas demais instituições sujeitas à regulação do CMN.

Nesse sentido, podemos destacar as seguintes principais mudanças na forma de contratação de representantes por administradoras de consórcio:

— Monitoramento de representantes: necessidade de adequação do sistema de controles internos das administradoras de consórcio que contratem representantes, para fins do monitoramento das atividades realizadas por esses. Tais mecanismos devem incluir medidas administrativas contratualmente previstas a serem adotadas em relação aos representantes, se verificadas irregularidades ou inobservância dos padrões estabelecidos, o que inclui a possibilidade de suspensão do atendimento prestado ao público e o término antecipado do contrato de representação nos casos considerados graves pela administradora contratante.

— Identificação de demandas e reclamações: obrigação de identificar as informações relativas a demandas e reclamações registradas nos canais de atendimento, inclusive de ouvidoria, relacionados a consorciados que tiverem sido atendidos por representantes [3].

— Eliminação de formalidades: a nova regra elimina diversos requisitos de formalização da contratação de representantes, como, por exemplo, a necessidade de arquivamento do contrato de representação em cartório de registro de títulos e documentos e a necessidade de encaminhamento ao Banco Central de informações a respeito de novos contratos celebrados dentro do prazo de dez dias da formalização.

Conclusões

As Resoluções BCB nos 233 e 234 representam mais uma iniciativa importante do Banco Central no sentido de modernizar e sistematizar normativos referentes à constituição e aos processos de autorização dos seus entes regulados, harmonizando conceitos já aplicados a outros tipos de autorização.

Vale mencionar, no entanto, que, até pela natureza mais principiológica das novas normas, há a expectativa de que o Banco Central divulgue normas complementares para esclarecer alguns dos conceitos trazidos pelas Resoluções BCB nºs 233 e 234, especialmente com relação aos aspectos mais procedimentais dos pleitos de autorização disciplinados pela Resolução BCB nº 233, em linha com o que foi feito nos casos da Resolução BCB nº 81 (disciplinada pela Instrução Normativa BCB nº 103, de 2021) e da Resolução CMN nº 4.970 (disciplinada pela recém-editada Instrução Normativa BCB nº 299, de 2022).

Por fim, notamos que o arcabouço regulatório aplicável à constituição de grupos de consórcio, geridos pelas administradoras, permanece, até o momento, inalterado, sendo, ainda, estabelecido principalmente na Circular BCB nº 3.432, de 2009. Nesse sentido, deverá o mercado de consórcios ficar atento a novos desdobramentos, especialmente no que diz respeito a eventual reforma deste normativo.

 


[1] A Resolução BCB nº 234 prevê um prazo de adaptação às administradoras de consórcio já autorizadas para implementação das alterações societárias listadas abaixo, que se estenderá até 30 de junho de 2024.

[2] Também será concedido prazo para implementação dessa obrigação até 30 de junho de 2024.

[3] Também será concedido prazo para implementação dessa obrigação até 30 de junho de 2024.

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