Opinião

Downrounds e venture capital: reflexos da instabilidade no investimento em startup

Autores

  • Beatriz Nunes Cloud

    é advogada. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pós-graduanda (L.L.M. - Master of Laws) em Direito Societário no Insper.

  • Rafael Henrique Reske

    é advogado no escritório Passinato & Graebin — Sociedade de Advogados pós-graduando em Direito Societário e Novos Negócios na FAE Business School bacharel em Direito Integral Law Experience da FAE Centro Universitário e membro do Comitê de Jovens Arbitralistas (CJA) da CBMA.

3 de outubro de 2022, 17h06

Nos últimos dois anos, mesmo com o advento da pandemia do Covid-19, o mercado registrou um aumento significativo no número de investimentos venture capital em empresas brasileiras, tendo registrado apenas no ano de 2021 um volume de R$ 46,5 bilhões dessa modalidade em startups brasileiras [1].

Para o ano de 2022, percebeu-se a reversão dos contínuos aumentos nos investimentos verificados nos últimos quatro anos. Não só o Brasil, mas também o mercado global passaram a enfrentar algumas adversidades, gerando a queda no volume de capitais de risco direcionados para startups.

De acordo com o relatório Venture Pulse Q1 2022 da KPMG, no primeiro trimestre de 2022, houve queda de 42% nos investimentos de venture capital no Brasil, comparado ao quarto trimestre de 2021. Nesse mesmo sentido, o Transactional Track Record (TTR) registrou uma queda de 28,43% no valor total acumulado em transações de venture capital no Brasil, no primeiro trimestre de 2022, comparado ao mesmo período de 2021 [2] e uma queda de 41,66% no valor total acumulado em transações de venture capital no Brasil, no segundo trimestre de 2022, quando comparado ao mesmo período do ano anterior [3].

A queda dos investimentos de venture capital pode ser justificada pelo aumento da inflação e taxa de juros, cenário que vem sendo enfrentado pelo Brasil e por outros diversos países. Não obstante, os efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia e o ano eleitoral geram uma instabilidade acerca do futuro cenário brasileiro e faz com que os investidores se tornem mais críticos e exigentes antes da tomada de qualquer risco.

Nesse contexto, diversos efeitos podem ser percebidos dentro do ecossistema das startups que são balizadores do afastamento dos investimentos, sendo o downround um dos mais relevantes para a continuidade da captação dos investimentos. O downround pode ser compreendido como o cenário em que uma startup tem o seu valuation considerado menor em uma nova rodada de captação de investimentos quando comparado com o valuation da rodada realizada anteriormente.

As consequências do downround acabam por prejudicar os investimentos, na medida em que não permitem aos investidores a garantia mínima necessária para a assunção de riscos na injeção de capital na startup. Isso ocorre pela desvalorização da participação dos investidores pretéritos ou em razão da necessidade da diluição da participação social no capital da startup destes, já que será imprescindível que a nova rodada ofereça maior quantidade de participação para que seja obtido o montante necessário para o crescimento da atividade.

Esse fator acaba por impactar diretamente as relações com os investidores, notadamente pelo descrédito gerado a partir da mitigação dos ganhos que são esperados com a operação e a quebra da expectativa prometida quando do investimento na startup em uma fase anterior — e mais arriscada — e a ausência do crescimento esperado.

Diante disso, algumas medidas podem ser tomadas para reduzir os efeitos do downround e propiciar a manutenção da relação com os investidores anteriores e angariar novos de maneira orgânica. A primeira medida é a análise interna dos custos e despesas da operação, cujo objetivo é identificar gastos desnecessários e ineficientes que poderiam ser evitados a fim de reduzir a burn rate. Essa medida foi realizada por diversas startups do mercado brasileiro e mundial, tal como Ebanx, VTEX e Facily.

Outra medida que se mostra possível é a utilização do Bridge Financing, a qual corresponde a um empréstimo de curto prazo que tem por finalidade suprir a demanda da startup até o momento em que se obtenha um investimento de longo prazo para o desenvolvimento da atividade. Contudo, os empreendedores deverão tomar cuidado neste ponto, uma vez que as condições impostas geralmente são agressivas e poderão representar um passivo considerável a ser realizado em curto prazo.

Ainda, outra medida que se mostra factível é a renegociação dos termos dos investimentos realizados pelos investidores antigos na startup. Neste ponto, busca-se a elucidação da necessidade de esforços mútuos para o enfrentamento de condições externas que impactam o interesse comum das duas partes, ainda que isto implique a necessidade de realização de concessões recíprocas.

Dessa forma, percebe-se que o fenômeno do downround é uma realidade em um contexto mundial tomado pela incerteza, gerando para os diretores e administradores das startups maior atenção aos seus efeitos para que possam manter a continuidade da sua atividade e da captação de investimentos essenciais para o crescimento do negócio.


[2] Transactional Track Record — Brazil Quartely Report 1Q 2022.

[3] Transactional Track Record — Brazil Quartely Report 2Q 2022.

Autores

  • é advogada. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pós-graduanda (L.L.M. - Master of Laws) em Direito Societário no Insper.

  • é assistente jurídico no escritório Passinato & Graebin – Sociedade de Advogados e bacharel do curso Law Experience - Direito Integral pela FAE Centro Universitário.

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