Opinião

O que mudou no controle de jornada e no trabalho híbrido com a Lei 11.442

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1 de outubro de 2022, 17h04

A Lei nº 14.442/2022, oriunda da Medida Provisória (MP) 1.108 de 2022, trouxe alterações na CLT em relação ao controle de jornada de empregados e ao auxílio alimentação.

A criação legislativa de dispositivos na Consolidação das Leis Trabalhistas, inicialmente, por meio de Medida Provisória não se mostra como o mecanismo mais adequado diante da ausência de debate prévio com a sociedade sobre o tema, bem como não constitui situação de relevância e urgência, conforme exceção permitida pelo artigo 62 da Constituição Federal. São alterações que envolvem direitos sociais, sendo que o debate às pressas para atender o prazo de vigência de uma Medida Provisória pode ser insuficiente.

Apesar de as alterações relacionadas ao auxílio alimentação – como a obrigatoriedade de ser destinado exclusivamente à alimentação e a proibição de descontos aos empregadores na contratação de fornecedoras de tíquete alimentação – terem sido vastamente divulgadas e discutidas, mudanças significativas ocorreram no âmbito do controle de jornada dos empregados.

A nova redação do artigo 75-B da CLT trouxe regramento em relação ao trabalho híbrido que anteriormente não era previsto expressamente em lei e gerava uma lacuna jurídica sobre as relações que, na prática, ocorriam e aumentaram consideravelmente durante a pandemia desde 2020.

Ocorre que a redação utilizada pelos legisladores não considerou toda a linguagem jurídica e jurisprudencial atual, o que pode gerar algumas discussões em sua interpretação, pois trata as possibilidades de trabalho à distância como "teletrabalho" ou "trabalho remoto", como sinônimos.

Assim, precisamos diferenciar, com base na interpretação dos juristas e da jurisprudência, o trabalho remoto, teletrabalho, home office, híbrido e presencial.

O trabalho remoto (ou trabalho à distância) pode ser considerado gênero, dividido entre as modalidades de teletrabalho, home office e híbrido, em que há atividades exercidas à distância e cada um com suas especificidades.

O teletrabalho possui regramento próprio utilizando meios informatizados e telemáticos de comando, controle e supervisão (Capítulo II-A da CLT), enquanto ao home office podem se aplicar as mesmas normas do trabalhador que exerce suas atividades de forma presencial (artigo 6º, parágrafo único, da CLT), ou seja, com comando, controle e supervisão pessoais e diretos; caso esse trabalho não seja feito por meios informatizados ou telemáticos. Neste caso, apenas o local da prestação de serviços que é diferente do presencial.

Nesse sentido, explica Adriana Calvo:

"O trabalho a distância é gênero que engloba o teletrabalho e o trabalho em domicílio. O teletrabalho como forma de trabalho a distância pode ser realizado no domicílio do empregado, em centros de teletrabalho, remotizado ou móvel" [1].

A Lei nº 14.442/2022 passou a prever a possibilidade do trabalho híbrido, que, por sua vez, pode ser regrado pelas normas relativas ao teletrabalho ou ao trabalho presencial, a depender da previsão contratual. Nessa hipótese, é permitida pelo legislador a realização de acordo entre empregador e empregado sobre os dias e horários de trabalho dentro ou fora das dependências da empresa.

Dessa forma, o artigo 75-B da CLT, pela Lei nº 14.442/2022, trouxe a possibilidade de ser considerado trabalho remoto mesmo que a atividade não seja realizada de forma preponderantemente fora das dependências do empregador, e o parágrafo primeiro garante que mesmo com o comparecimento habitual do empregado a relação não perde a característica de trabalho remoto para uma tentativa de enquadramento do trabalho híbrido no mesmo artigo e aplicação da mesma regra do teletrabalho.

O objetivo do legislador também parece ser permitir que empregador e empregado possam decidir sobre a presença ou não em determinados dias sem que seja necessária alteração no contrato de trabalho. Isso porque o artigo 75-C impõe a necessidade de previsão expressa no contrato individual de trabalho para o exercício do teletrabalho e o registro em aditivo contratual no caso de alteração para o trabalho presencial. A exigência de previsão contratual de trabalho híbrido busca evitar a necessidade de diversos e reiterados aditivos contratuais decorrente da alternância do local de trabalho.

Quando da edição da Medida Provisória (MP) 1.108 de 2022, agora Lei nº 14.442/2022, o Ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, esclareceu em entrevista ao Portal G1[2] que "a intenção da medida provisória é que os trabalhadores em trabalho híbrido se movimentem com a maior liberdade possível, através dos acordos individuais com o empregador". Segundo o ministro, os acordos podem ser os mais variados, como o trabalhador poder ir à empresa uma ou duas vezes por mês, ou quantos dias preferir durante a semana, por exemplo, e a lei aparenta ter realmente trazido tal possibilidade  que já acontecia na prática  agora de forma regulamentada.

É importante se atentar que não pode existir diferença entre os trabalhadores em razão da modalidade em que exercem suas atividades, sendo que o artigo 75-B, §7º, também incluído pela nova lei, prevê expressamente que serão aplicáveis as disposições previstas na legislação local e nas convenções e acordos coletivos de trabalho relativas à base territorial do estabelecimento de lotação do empregado em regime de teletrabalho. Por isso, serão aplicadas as mesmas regras com relação às horas extras, auxílios e outros benefícios, sendo que geralmente estão atrelados à necessidade de deslocamento, no caso do auxílio-transporte, e aos dias efetivamente trabalhados, como no caso auxílio-refeição ou alimentação. Caso não seja entendido dessa forma, esse ponto pode trazer questionamentos no Poder Judiciário em razão de ofensa ao princípio da isonomia.

O parágrafo 6º do artigo 75-C trouxe uma inovação importante ao permitir que estagiários e aprendizes possam também desempenhar as atividades de forma remota, mas há necessidade de maior atenção para que não haja resultados negativos. Essa atenção especial advém da demanda dos estagiários e aprendizes em supervisão constante no desempenho das atividades que possuem o intuito de aprendizado e, dessa forma, deve ser possível que haja supervisão de forma remota que seja efetiva ao aprendizado. O que não se pode permitir é que haja fraude nessa contratação e não seja efetiva a supervisão e a aprendizagem dessas categorias.

Ainda, o parágrafo segundo do artigo 75-B, recém incluído na CLT, trouxe uma nova modalidade de relação de emprego através da prestação de serviços por produção ou tarefa, e não mais apenas por jornada; criando um novo tipo de trabalho. A ideia é de que o empregado possa ser remunerado de acordo com a o montante de trabalho produzido ou quantidade de tarefa a ele atribuída pelo empregador.

Houve, também, alteração do artigo 62, III, da CLT, retirando a necessidade do controle de jornada para os trabalhadores em regime de teletrabalho que prestam serviço sob produção ou tarefa. Na redação antiga, todos os trabalhadores em teletrabalho não estariam submetidos ao controle de jornada (inclusive dos empregados que trabalham justamente por jornada), sem recebimento do pagamento das horas trabalhadas em sobrejornada.

No TST, por exemplo, há entendimento recente de que se há possibilidade de controle da jornada pelo empregador no caso de advogado empregado, esse deve controlar e remunerar as horas em sobrejornada, independente do regime ou não de "home office", que precisa ainda ser pactuado por escrito e com clara estipulação das atividades (RRAg — 100579-96.2018.5.01.0025 relator: Mauricio Godinho Delgado Publicação: 01/07/2022).

Referido dispositivo pode alimentar ainda mais as discussões doutrinárias sobre a natureza da relação dos motoristas e/ou entregadores de aplicativos com a respectiva plataforma ou aplicativo digital no qual está cadastrado, eis que parte da jurisprudência que entende pela existência de vínculo empregatício se utiliza do artigo 6º da CLT em razão da utilização de meios telemáticos para controle e subordinação, conforme recente decisão proferida pela 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho [3]. Acrescido a isso, a nova sistemática de produção poderá ser relacionada à remuneração dos motoristas por corridas e/ou entregas, o que pode fomentar a tese daqueles que entendem pela existência de relação de emprego.

A inclusão da modalidade de teletrabalhadores por produção ou tarefa trouxe mais definição e mais proteção aos trabalhadores nessa modalidade de regime que poderão sair da informalidade e serem considerados verdadeiros empregados, mas, ao mesmo tempo, pode trazer precariedade aos trabalhadores sob produção ou tarefa.

A precarização, como dito, pode se dar em razão da desnecessidade de controle de jornada de toda uma categoria de trabalhadores que receberá sua remuneração com base em produção ou tarefa. A desproporcionalidade não é difícil de acontecer, com o pagamento insuficiente pela atividade que gera grande necessidade de jornada: trabalhar muito para ganhar pouco.

A situação pode se tornar ainda mais problemática diante da existência de outros empregados que exercem as mesmas atividades, na modalidade presencial, com direito às horas extras em razão do controle de jornada.

Ainda que algumas das novidades legislativas levantem discussões jurídicas e insegurança sobre os conceitos adotados, a lei tratou de questões antes não disciplinadas como os custos com alteração da modalidade de teletrabalho para presencial e o labor fora da base territorial, eis que anteriormente havia previsão tão somente com relação aos meios telemáticos.

O §3º do artigo 75-B estabelece que o empregador não arcará com as despesas decorrentes do retorno ao trabalho presencial se o trabalhador optar pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato, sendo possível disposição em contrário estipulada entre as partes.

O ponto principal é o limite imposto para que não haja ofensa ao artigo 2º da CLT em que o empregador é aquele que assume os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação de serviços. Dessa forma, surge a importância de ser bem acordado entre as partes a origem do custo e a razão pela qual se deu para o retorno ao trabalho presencial para que não haja prejuízos ao trabalhador nesse sentido. Importante também atentar para que esse acordo individual não seja nulo de pleno direito se tiver como objetivo desvirtuar, impedir ou fraudar as aplicações dos preceitos da CLT (nos termos do artigo 9º do mesmo diploma).

Há ainda uma novidade com relação a preferência destinada aos empregados com deficiência e aos empregados com filhos ou criança sob guarda judicial até quatro anos de idade na alocação em vagas para atividades que possam ser efetuadas por meio do teletrabalho ou trabalho remoto, conforme prevê o novo artigo 75-F.

Essa previsão beneficia os mais vulneráveis e que demandam maior proteção social do sistema, porém precisa ser vista como ponto de atenção para não causar o efeito reverso de desestimular a contratação de pessoas nessas condições por terem essas prerrogativas diante da nova previsão legislativa.

A nova redação com relação aos empregados com filhos ou criança sob guarda judicial até quatro anos de idade valida o que já vem ocorrendo naturalmente, uma vez que, em razão da suspensão das aulas presenciais e atendimento em creches, os pais precisaram negociar com os empregadores a possibilidade de trabalho remoto sem impactar em prejuízo na produtividade e na jornada de trabalho.

Como se observa, grande parte das alterações trazidas pela Lei 14.442/2022 apenas regulamentou situações que já ocorriam na prática, além de trazer uma nova modalidade de relação de emprego através da atividade por produção ou tarefa.

As alterações trazidas pretendem formalizar situações antes desregulamentadas, acarretando mais garantias e seguranças às partes, mas merecem atenção dos juristas para que não haja retrocesso de direitos, como incentivo ao trabalho somente por produção ou tarefa com o objetivo de afastar o pagamento de horas extras, desvirtuação ou fraude no contrato remoto de estágio e aprendiz e que se estabeleça as bases de uma negociação não apenas individual, mas também coletiva para as situações, com base em convenções e acordos coletivos que podem e devem ser negociados pelos sindicatos para atender as demandas reais de cada categoria, sendo aplicado o princípio da primazia da realidade. Urge se estabelecer a proteção ao trabalho decente diante dessas alterações.

A real aplicação da Lei 14.442/2022 será observada somente com o passar dos anos, a partir da interpretação da jurisprudência das novas redações agora incluídas porque, como apontado acima, muitas das questões envolvidas devem gerar questionamentos no Poder Judiciário.

 


[1] CALVO, Adriana. Manual de Direito do Trabalho. São Paulo. Editora Saraiva, 2020.

[3] BRASIL. TST-RR-100353-02.2017.5.01.0066, ministro relator Maurício Godinho Delgado. Disponibilizada em 08/04/2022. Disponível em: https://www.tst.jus.br/processos-do-tst. Acesso em 10 de abril de 2022.

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