Opinião

Responsabilidade solidária no Código de Defesa do Contribuinte

Autor

  • Ulisses Santafé Aguiar Pizzolatti

    é advogado no escritório Stürmer & Wulff Advogados pós-graduado em gestão de tributos e planejamento tributário estratégico pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul MBA executivo em Direito: Gestão e Business Law pela Fundação Getúlio Vargas bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e bacharel em administração pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

30 de novembro de 2022, 20h18

O Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 17/2022, que estabelece normas gerais relativas a direitos, garantias e deveres do contribuinte, instituindo o dito Código de Defesa do Contribuinte, foi recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados e seguiu para discussão e votação pelo Senado [1].

Entre as tantas e relevantes alterações propostas pelo PLP nº 17/2022 ao sistema tributário, em especial no que diz respeito ao processo tributário, tanto judicial quanto administrativo, e à imposição de multas, selecionamos para tratar neste breve espaço aquela do artigo 60 do PLP, que diz respeito à responsabilidade solidária de grupos econômicos e a em razão de interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal.

Publiquei em julho deste ano, artigo na Revista de Estudos Tributários no qual analisamos a responsabilidade solidária por interesse comum à luz dos precedentes da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) [2]. A proposta da pesquisa foi levantar os acórdãos da CSRF que aplicam o inciso I do artigo 124 do Código Tributário Nacional (CTN) a fim de entender os fundamentos das decisões e o alcance dado ao termo "interesse comum" pela CSRF.

Após a leitura de 231 acórdãos e o descarte daqueles irrelevantes [3], examinamos 42, das três Turmas da CSRF. A partir da pesquisa, concluímos que as decisões do órgão superior refletem os debates doutrinários em torno do conceito de "interesse comum". Com efeito, embora se possa afirmar que a 1ª e a 3ª Turmas apresentam, em geral, divergências conceituais — aquela definindo que o interesse comum é o "jurídico", e esta, que é o interesse "na vantagem econômica", ao fim e ao cabo, adotam uma definição mais ampla da expressão do que, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) [4] e os Tribunais Regionais Federais da 3ª (TRF-3) [5] e da 4ª Região (TRF-4) [6], além de, não raras vezes, utilizarem como único fundamento legal o inciso I do artigo 124 para atribuir responsabilidade solidária a terceiro que efetivamente não praticou o fato gerador. Não obstante, destacam-se dois acórdãos da 1ª Turma [7] e um da 3ª Turma [8] — este publicado em outubro deste ano e que, portanto, não constou na nossa pesquisa — que destoam dos demais ao enfatizarem que o mero vínculo societário e a vantagem econômica não são alcançados pela expressão "interesse comum", que se refere, exclusivamente, ao interesse jurídico na própria relação jurídica que dá azo ao fato gerador da obrigação tributária.

Quanto à 2ª Turma da CSRF, cuja competência recai sobre as contribuições previdenciárias, que possuem previsão específica de responsabilidade solidária entre empresas que integram o mesmo grupo econômico (artigo 30, IX, da Lei nº 8.212/1991), concluímos que o exame da presença de "interesse comum" ou do "vínculo com o fato gerador", conforme exigido pelos artigos 124 e 128 do CTN, é desconsiderado. A 2ª Turma tende a imputar a responsabilidade solidária apenas em razão de as empresas pertencerem ao mesmo grupo econômico, com fundamento no artigo 30, IX, da Lei nº 8.212/1991, combinado com o inciso II do artigo 124 do CTN.

O Código de Defesa do Contribuinte, ao alterar o inciso I do artigo 124 do CTN, adota a linha restritiva e faz jus ao seu nome: procura defender os contribuintes contra a insegurança jurídica que se observa, especialmente, no processo administrativo. Aliás, a proposta de alteração do inciso I do artigo 124 parece pleonástica: [são solidariamente obrigadas] "as pessoas jurídicas que tenham interesse jurídico comum E que tenham atuado na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal" (grifo nosso). Ora, quem defende que o interesse comum é o "jurídico" parte da premissa que os sujeitos devem praticar conjuntamente o fato gerador para serem responsáveis solidários [9].

Isso só demonstra o afã do legislador em proteger o contribuinte, e o faz legitimamente. De fato, apenas corrobora e solidifica, em texto legal, o entendimento do STJ e do TRF-3 e TRF-4 a respeito da responsabilidade solidária.

Indo além, o PLP nº 17/2022 vai de encontro ao Parecer Normativo Cosit/RFB (PN) nº 04/2018, amplamente aplicado pelo Fisco e pelos julgadores das turmas ordinárias e superiores do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais que contrariam a doutrina do "interesse jurídico comum" e que defendem que o inciso I do artigo 124 é "forma de responsabilização tributária autônoma". O que apenas parece ser pleonástico na proposta de alteração desse dispositivo é o que impedirá, pois não deixa margem para dúvidas, a responsabilização solidária "por transferência" com fundamento nesse dispositivo a partir da interpretação dada pelo PN nº 04/2018.

Assim como a alteração do artigo 124, ao incluir o artigo 123-A no CTN, o Código de Defesa do Contribuinte exige um maior esforço probatório do Fisco ao afastar presunções de prática conjunta do fato gerador, visto que, com o novo dispositivo, "o pertencimento a um grupo econômico não acarreta, por si só, a responsabilização solidária ou de terceiros". Com essa modificação, o Fisco deverá comprovar, se não o interesse comum, ao menos o vínculo entre empresas do mesmo grupo econômico, nos moldes do artigo 128 do CTN e como já há muito decide o Supremo Tribunal Federal [10], o STJ [11] e o TRF-4 [12].

Portanto, o estudo dos precedentes da CSRF permite concluir que as alterações propostas pelo PLP nº 17/2022 à responsabilidade solidária por interesse comum e de grupos econômicos trarão mais objetividade nos julgamentos e segurança jurídica aos contribuintes, ao expurgar presunções e garantir a adequada fundamentação de autuações e decisões, considerando que, atendendo à lei, o entendimento do Fisco e da CSRF coincidirá com o já aplicado pelos tribunais judiciais.


[1] Disponível aqui. Acesso em: 22 nov.2022.

[2] PIZZOLATTI, Ulisses Santafé Aguiar. Análise da responsabilidade tributária por interesse comum à luz dos precedentes da Câmara Superior de Recursos Fiscais. Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre, v. 25, n. 145, p. 54-80, maio/jun. 2022.

[3] Nesta etapa qualitativa da pesquisa, descartamos os acórdãos: que tratavam do mesmo recorrente/interessado e das mesmas circunstâncias fáticas, diferenciando-se apenas quanto ao período de apuração – do que se colheu apenas um; cujo recurso não foi conhecido; cujo recurso foi baixado em diligência; e os que não tratavam do assunto.

[4] Ver, por exemplo: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 834.044/RS. Primeira Seção. Relator: ministro Mauro Campbell Marques. Acórdão de 29 set. 2010.

[5] Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0017610-97.2016.4.03.0000/SP. Órgão Especial. Relator: desembargador Federal Baptista Pereira. Acórdão de 10 fev. 2021.

[6] Ver, por exemplo, os seguintes acórdãos desse tribunal, que assim decide há mais de 20 anos: BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação em Mandado de Segurança nº 94.04.55046-9. Segunda Turma. Relator: desembargador Federal Zuudi Sakakiha. Acórdão de 27 out. 1999. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº 1999.04.01.002788-5. Segunda Turma. Relator: desembargador federal Márcio Antônio Rocha. Acórdão de 19 jul. 2000.

[7] BRASIL. Câmara Superior de Recursos Fiscais. Acórdão nº 9101-004.382. Primeira Turma. Relator: Demetrius Nichele Macei. Acórdão de 04 nov. 2019. BRASIL. Câmara Superior de Recursos Fiscais. Acórdão nº 9101004.764. Primeira Turma. Relator: Amélia Wakako Morishita Yamamoto. Acórdão de 09 mar. 2020.

[8] BRASIL. Câmara Superior de Recursos Fiscais. Acórdão nº 9303-013.314. Terceira Turma. Relatora: Vanessa Marini Cecconello. Acórdão de 18 ago. 2022.

[9] Nesse sentido, ver: TAKANO, Caio Augusto. Em busca de um interesse comum: considerações acerca dos limites da solidariedade tributária do art. 124, inc. I, do CTN. Revista de Direito Tributário Atual. São Paulo, nº 41, ano 37, p. 85-118, 1º semestre de 2019. COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

[10] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 562.276/PR. Tribunal Pleno. Relatora: ministra Ellen Gracie. Acórdão de 10 fev. 2011.

[11] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.775.269/PR. Primeira Turma. Relator: ministro Gurgel de Faria. Acórdão de 01 mar. 2019.

[12] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Arguição de Inconstitucionalidade nº 5010683-32.2018.4.04.0000/TRF. Corte Especial. Relator: desembargador federal Rômulo Pizzolatti. Acórdão de 27 set. 2018.

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  • é advogado no escritório Stürmer & Wulff Advogados, pós-graduado em gestão de tributos e planejamento tributário estratégico pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, MBA executivo em Direito: Gestão e Business Law pela Fundação Getúlio Vargas, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e bacharel em administração pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

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