Opinião

Pelo fim da controvérsia e a revogação do artigo 170-A do CTN

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30 de novembro de 2022, 7h07

O artigo 170-A, do CTN (Código Tributário Nacional), é um velho conhecido dos contribuintes quando se trata de compensação de créditos oriundos de teses judiciais. Já se passam mais de 20 anos desde que o dispositivo foi inserido no código para vedar a possibilidade de compensação de tributos objeto de discussão judicial antes do trânsito em julgado.

O que parecia até pouco tempo como uma cláusula de barreira intransponível, diante de inúmeras decisões que a convalidaram, teve sua estrutura abalada pela decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI nº 4.296 e o recente cancelamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) da sua Súmula 212 que evidenciam a obsolescência deste artigo, a revelar a necessidade de sua revogação.

Antes de mais nada é preciso contextualizar.

O artigo 170-A foi inserido no CTN pela LC nº 104/2001. De acordo com a exposição de motivos, o principal objetivo da inclusão era evitar a perda de arrecadação com base em decisões liminares que eventualmente viessem a ser reformadas. Acreditava-se, também, que a medida protegeria o mercado de eventuais desigualdades ao impossibilitar que uma única empresa obtivesse liminar para compensação, enquanto outros contribuintes, em situação econômica igual, não.

Naquele período, a vedação à compensação antes do trânsito em julgado tinha uma razão de ser, na medida em que o processo civil ainda era incipiente em ferramentas capazes de garantir uma uniformização eficaz da jurisprudência, o que possibilitava uma multiplicidade de decisões díspares, por estar fundado em relações processuais de cunho eminentemente subjetivas.

Contudo, com a edição da EC nº 45/04, o legislativo iniciou uma série de reformas que delinearam princípios fundamentais em matéria processual que garantiram a celeridade no trâmite dos recursos nos tribunais superiores, bem como a aplicabilidade vinculante das decisões dos tribunais superiores às controvérsias pendentes nas instâncias inferiores.

Verifica-se que o contexto jurídico da criação do artigo 170-A não é mais o mesmo. Isso porque, atualmente, há um conjunto de normas e instrumentos do processo civil que garantem a previsibilidade das decisões judiciais envolvendo certas matérias, com base no sistema de precedentes vinculantes, e a materialização célere do resultado do julgamento.

Com a mudança de cenário, a lista de críticas à vedação feita ao artigo 170-A é longa e vai desde a sua inconstitucionalidade até a sua interpretação conforme o atual complexo de normas constitucionais e infraconstitucionais vigentes.

Apesar dessa discussão ter ficado adormecida, o STF reascendeu o debate quando declarou inconstitucional o §2º, do artigo 7º da Lei do Mandado de Segurança, no julgamento da ADI nº 4.296. O dispositivo previa, dentre outras vedações, a impossibilidade de se conceder medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários.

Pela leitura dos fundamentos da decisão, percebe-se que o STF optou por privilegiar o poder geral de cautela do juiz, em detrimento de uma vedação genérica, consignado que a legislação de direito material já traria regramentos capazes de guiar o magistrado, citando como exemplo o próprio artigo 170-A, do CTN.

O STJ, como forma de conciliar sua jurisprudência a decisão do STF, precisou cancelar sua Súmula nº 212 que vedava a compensação de tributos através de ação cautelar, medida liminar ou antecipatória.

No embalo desses acontecimentos, não faltaram juristas que, apesar de reconhecerem que o artigo 170-A, do CTN continua vigente, manifestaram-se pela mitigação da sua literalidade, afirmando que agora, mais do que nunca, haveria espaço para que juízes pudessem deferir em sede liminar a compensação tributária na hipótese em que o crédito a ser utilizado decorre de tese definida por precedente vinculante, e até a possibilidade de compensação de qualquer tese tributária, mesmo sem o pronunciamento vinculante das cortes superiores, afastando-se tão somente a aplicação da famigerada pena da "compensação não declarada" que impede qualquer defesa do contribuinte na esfera administrativa.

Tudo isso releva que a muralha intransponível criada há 20 anos começa a ser permeada por diversas rachaduras em sua estrutura e, com isso, um dos males que ela pretendeu evitar será aquele que evidencia a sua revogação tácita, não por uma decisão, mas pela multiplicidade de decisões com interpretações singulares a respeito do atual alcance do art. 170-A.

Como já dito, o contexto em que o artigo 170-A foi editado não é mais o mesmo, desde sua edição tivemos reformas constitucionais, reformas do CPC/1973 e a edição do CPC/2015, que foram norteadas pelo espírito da eficiência, celeridade e segurança jurídica, princípios consagrados no texto constitucional.

Resta saber até quando o legislador irá valorizar de maneira irrestrita seu objetivo arrecadatório em detrimento dos princípios constitucionais que protegem os direitos dos contribuintes, deixando para o judiciário uma missão que não é sua.

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