Opinião

Regime jurídico de aplicação dos juros moratórios previstos no Código Civil

Autor

  • Fabrício Carvalho Amorim Leite

    é advogado concursado de Banco Estatal Federal ex-servidor estadual concursado da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Piauí ex- procurador autárquico concursado do Conselho dos Representantes Comerciais do Piauí e ex-analista judiciário concursado do Poder Judiciário do Estado do Pará.

23 de novembro de 2022, 15h17

Em primeiro lugar, este artigo não se propõe a exaurir o tema. Porém, busca tentar aclarar a respeito, sobretudo, da aplicação do artigo 406 [1], caput, primeira parte, do Código Civil. E, debater, por exemplo, sobre o regime jurídico aplicável aos juros moratórios acordados e expressos nos contratos bancários.

Sabe-se que, apesar de expressamente discriminados nos contratos de mútuos mercantis, verbi gratia, a maioria da população, infelizmente, pelo desinteresse na importância e impacto no orçamento doméstico ou empresarial, não procura entender o básico do que são os juros. Apesar da existência de vários vídeos e textos gratuitos na internet, tentando esclarecer, para o leigo, relevante assunto [2].

A propósito, de forma simples, os juros são o favor que se paga pelo tempo que se usa o dinheiro do outro. Isto é, utiliza-se o dinheiro por um período. Ademais, classificam-se os juros em duas principais formas [3]:

1) Quanto à sua finalidade: juros compensatórios (remuneratórios): São pagos pelo devedor como uma forma de remunerar (ou compensar) o credor pelo fato de ele ter ficado privado de seu capital por um determinado tempo. É como se fosse o preço pago pelo "aluguel" do capital.  Ex: José precisa de dinheiro emprestado e vai até um banco, que dele cobra um percentual de juros como forma de remunerar a instituição financeira por esse serviço. 

Juros moratórios: São pagos pelo devedor como forma de indenizar o credor quando ocorre um atraso no cumprimento da obrigação. É como se fosse uma sanção (punição) pela mora (inadimplemento culposo) na devolução do capital. São devidos pelo simples atraso, ainda que não tenha havido prejuízo ao credor (artigo 407 do CC). Ex: José pactuou com o banco efetuar o pagamento do empréstimo no dia 10. Ocorre que o devedor somente conseguiu pagar a dívida no dia 20. Logo, além dos juros remuneratórios, terá que pagar também os juros moratórios como forma de indenizar a instituição por conta deste atraso.

2) Quanto à origem: Juros convencionais: São aqueles pactuados (ajustados, combinados) pelas partes.  Juros legais: São aqueles fixados pela própria lei. Estão previstos no artigo 406 do CC.

De tal maneira, naturalmente, os custos dos recursos emprestados trazem consequências obrigacionais, que são os juros moratórios pactuados, por exemplo. E, estes, devido a sua importância, possuem tratamento normativo específico, como regras presentes no Código Civil (artigos 405 e 406, verbi gratia), resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN) e Banco Central do Brasil, enunciados de súmulas e entendimentos do Superior Tribunal de Justiça, dentre outros.

Por vez, o artigo 406, do Código Civil localiza-se, topograficamente, no Título IV  DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES, CAPÍTULO IV  DOS JUROS LEGAIS, no CÓDIGO CIVIL.  E, de tal modo, enuncia que "(…). Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (…)".

Dessa forma, o referido artigo é claro ao determinar que somente quando não convencionados, é que os juros moratórios serão regidos pela sua parte final.

No entanto, é importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento que, em regra, nos casos de ausência de pactuação dos juros em contrato bancário, incidem as taxas de mercado e, não, o artigo 406 do Código Civil [4].

No mais, há de se notar que, situação importante é que, comumente, confundem qual seria o correto termo inicial para a incidência dos juros moratórios, quanto às execuções, cobranças e monitórias embasadas em títulos de créditos e outros pactos advindos de obrigações inadimplentes. Porque, aplicam, de forma genérica e indevida, o regime de juros característico da responsabilidade civil contratual ou extracontratual.

Ou seja, utilizam erroneamente, nas decisões, a título de exemplo, os artigos 398 e 405 [5][6], do Código Civil, que tratam de obrigações líquidas e não vencidas ou não negociais, quando o entendimento é que a "(…) Emissão de nota promissória em garantia do débito contratado não altera a disposição contratual de fluência dos juros a partir da data certa do vencimento da dívida. 3.- O fato de a dívida líquida e com vencimento certo haver sido cobrada por meio de ação monitória não interfere na data de início da fluência dos juros de mora, a qual recai no dia do vencimento, conforme estabelecido pela relação de direito material. 4.- Embargos de Divergência providos para início dos juros moratórios na data do vencimento da dívida". (STJ  EREsp: 1250382 RS 2011/0205446-3, relator: ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 02/04/2014, CE  CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 08/04/2014).

Nesta ocasião, como trata Flávio Tartuce [7], "No que diz respeito às obrigações líquidas e vencidas, na V Jornada de Direito Civil, aprovou-se o seguinte enunciado, de autoria de Marcos Jorge Catalan: “os juros de mora, nas obrigações negociais, fluem a partir do termo da prestação, estando a incidência do disposto no artigo 405 da codificação limitada às hipóteses em que a citação representa o papel de notificação do devedor ou àquelas em que o objeto da prestação não tem liquidez (Enunciado nº 428)".

Mesmo assim, alguns julgadores e exegetas, a despeito da clareza da situação, por desatenção a respeito da matéria ou do caso concreto, aplicam, de forma errada, indistintamente, os artigos 398 e 405, do Código Civil. E, para acirrar mais ainda a controvérsia, utilizam a parte final do artigo 406, do Código Civil, ao talante do pedido ou causa de pedir objeto da pretensão judicial e suprem, de ofício, os índices livremente pactuados no título de crédito que deu origem à pretensão.

A título de exemplo do uso equivocado dos referidos artigos, podemos extrair exemplo narrado no voto do desembargador relator José Maurício Lisboa, extraído no acórdão proferido pela 1ª Câmara de Direito Comercial da Justiça Estadual de Santa Catarina em Apelação Cível nº 0310701-34.2016.8.24.0036:

"(…). Isso porque, infere-se do processado que a ação monitória está embasada em contrato de abertura de crédito em conta corrente  limite empresarial, o qual prevê expressamente que sobre o valor devido deverá incidir multa moratória de 2% e juros remuneratórios de 6,87% ao mês capitalizados e corrigidos pela TR (páginas 33-37).
Visto isso, vislumbra-se que a parte requerente ao ajuizar a presente ação, apresentou cálculo dos valores que entende por devidos, com a incidência dos respectivos encargos mencionados até a data do ingresso da ação em juízo (21/11/2016), apurando o saldo devedor de R$ 49.423,61 (quarenta e nove mil, quatrocentos e vinte e três reais e sessenta e um centavos) (páginas 49-51), o qual restou constituído em título executivo judicial, com a incidência de correção monetária desde a apuração do saldo devedor pelo INPC e acrescida de juros moratórios à taxa de 1% ao mês a partir da citação; contudo, O JUÍZO SENTENCIANTE NADA PONDEROU ACERCA DA INCIDÊNCIA DOS ENCARGOS MORATÓRIOS PACTUADOS, O QUE SE FAZIA NECESSÁRIO. (…) (destaques e omissões)".

Dessa maneira, o acórdão acima anda segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: "Havendo inadimplência, o termo final para a cobrança dos encargos contratados, entre os quais os juros remuneratórios, é o efetivo pagamento do débito" (STJ, 4ª Turma, REsp 646.320/SP, relator ministro Luís Felipe Salomão, DJe de 29.6.2010), e destaca a necessidade da análise ponderada acerca da incidência dos encargos devidamente pactuados, diante da demonstração da inadimplência da parte ré (recorrida). E há de se aplicar, por consequência, a incidência dos encargos de mora contratados sobre o valor do débito perseguido até a data do efetivo pagamento.

Afora o acima, a nosso ver, decisões ou entendimentos distintos do acima consolidado pelo Tribunal da Cidadania, afligem, por exemplo, os artigos 2º [8] (princípio da inércia da jurisdição), 141 [9] e 492 [10] (congruência), ambos do Código de Processo Civil, e 313 [11] do Código Civil, dos quais trataremos a seguir.

Entrementes, a respeito da inércia da jurisdição e da congruência (artsigo  e 492, CPC), bem trata Daniel Amorim Assumpção Neves que "(…) Segundo previsão do artigo do CPC, se confirma legislativamente o princípio da inércia da jurisdição. Pela previsão contida no artigo 492 do CPC, que consagra o princípio da congruência (correlação/adstrição), nota-se que não só a jurisdição depende de provocação para se movimentar, como o fará nos estritos limites definidos pelo objeto da demanda, que em regra é determinado pelo autor e excepcionalmente também pelo réu (reconvenção/pedido contraposto). (…)" [12].

Sobre o princípio da inércia da jurisdição e o porquê de sua existência, o processualista civil Cândido Rangel Dinamarco: "(…) Outra característica da jurisdição consiste na inércia dos órgãos jurisdicionais (nemo judex sine actore, ne procedat judex ex officio). O exercício espontâneo da atividade jurisdicional acabaria sendo contraproducente, pois a finalidade que informa toda a atividade jurídica do Estado é a pacificação social, e isso viria em muitos casos a fomentar conflitos e discórdias, lançando desavenças onde elas não existiam antes (…)" [13].

Além disso, na mesma lógica, o Código Civil é bem claro no sentido de que "(…) O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida (…)" (artigo 313, CC [14]).

De tal modo, com a devida licença, não cabe ao Judiciário se imiscuir, como uma espécie de revisor de ofício destas cláusulas. Notadamente, quando o devedor é silente em apontar quais seriam os possíveis abusos existentes no contrato ou sequer discutida pelas partes, sob pena de se pronunciar sobre matéria não ventilada pelas partes [15] [16].

Com essas considerações, percebe-se que o tema ora analisado é um exemplo que demonstra a importância do esforço necessário com a precisão da decisão final, conferindo-se, diante da especificidade do caso concreto, o zelo que o intérprete deve ter para tomar a melhor prestação jurisdicional. 

Enfim, como defende Erik Navarro Wolkart [17], citando Robert Cooter, "(…) se há uma preocupação com a precisão da decisão judicial, há, na verdade, uma preocupação com o erro judicial. Desse ponto de vista, todo o investimento em participação (manifestações das partes de modo geral, dilargamento de prazos, recursos, motivação, produção de provas, oralidade etc.) é, na verdade, um investimento no combate ao erro. E o erro é um custo social para o processo. (…)".

______________________

[1] Artigo 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

[2] https://www.youtube.com/watch?v=MT-Vjc8rzTU. Acesso em: 30 de outubro de 2022.

[3] https://www.dizerodireito.com.br/2013/02/qualetaxa-de-juros-moratorios.html. Acesso em: 30 de outubro de 2022.

[4] Súmula 530: Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada – por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor.

[5] Artigo 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou.

[6] Artigo 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial.

[7] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, Volume Único, 11. ed.  Rio de Janeiro, Forense; Método, 2021, pág. 431.

[8] Artigo 2º. O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.

[9] Artigo 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.

[10] Artigo 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

[11] Artigo 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.

[12] Daniel Amorim, Manual de direito processual civil, JusPODIVM, 2020, p.85.

[13] Dinamarco, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 32ª Ed., Malheiros Editores, p.261.

[14] Assim, o credor não será obrigado a aceitar coisa que não esteja em perfeita conformidade ao objeto da obrigação, ainda que de valor superior, uma vez que a entrega de objeto diverso não solve a obrigação. Nesses casos, para que se dê a quitação do débito, haverá a necessidade de concordância do credor, caso em que se dará a extinção da obrigação por dação em pagamento (CC, artigos 356 a 359) (Pereira, Caio Mário da Silva. Teoria Geral das Obrigações, Rio de Janeiro; forense, p.183.

[15] CPC. Artigo 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.

[16] CPC. Artigo 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

[17] WolKart, Erik Navarro, Análise Econômica do processo civil: como a economia, o direito e a psicologia podem vencer a tragédia da justiça  São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2020, p.284.

Autores

  • é advogado concursado de Banco Estatal Federal, ex-servidor estadual concursado da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Piauí, ex- procurador autárquico concursado do Conselho dos Representantes Comerciais do Piauí e ex-analista judiciário concursado do Poder Judiciário do Estado do Pará.

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