Opinião

STF define se reciclagem manterá benefício tributário

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21 de novembro de 2022, 20h31

Há mais de 15 anos as empresas que comercializam materiais recicláveis possuem um benefício tributário que, na prática, as isentam da incidência de dois tributos (PIS e Cofins) nas vendas desses insumos para as grandes indústrias.

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Em junho de 2021, porém, o Supremo Tribunal Federal analisou um processo judicial proposto por uma indústria de papel (RE nº 607.109) e julgou inconstitucional o benefício existente na Lei nº 11.196/2005 (Lei do Bem), que previa a isenção de PIS/Cofins nas vendas de desperdícios, resíduos ou aparas de plástico, papel, vidro, ferro ou aço, cobre, entre outros materiais recicláveis [1]. Com isso, as operações de venda desses materiais, a princípio, passarão a ser tributadas normalmente pelas contribuições PIS/Cofins (nas alíquotas de 3,65% ou 9,25%).

Em outras palavras, a decisão STF transferiu as cooperativas de catadores e empresas que realizam o trabalho de coleta e comercialização de insumos reciclados para o regime comum de apuração de tais contribuições e as igualou às empresas extrativistas, encerrando o tratamento necessário ao fomento da sustentabilidade. Não por acaso que associações do setor que já participavam do processo apresentaram recurso imediatamente após a decisão de junho de 2021, para demonstrar sobretudo os impactos socioeconômicos e ambientais negativos que poderão ser gerados.

No final de outubro de 2022, o julgamento dos recursos foi iniciado, porém, logo foi suspenso em razão de pedido de vista feito pelo ministro Dias Toffoli, que foi apresentado imediatamente após o ministro Gilmar Mendes apresentar seu voto pela manutenção da decisão.

A expectativa dos contribuintes, agora, é que os demais ministros que ainda não votaram (e até mesmo com uma possível reversão do voto de Gilmar Mendes) reavaliem o caso, com especial atenção para evitar os sérios prejuízos que poderão ser gerados. Isto porque, caso a decisão proferida em 2021 pelo STF se torne definitiva, há um receio de desestímulo às atividades que atuam em prol do meio ambiente e com o reaproveitamento de materiais recicláveis.

Muito embora a decisão possua boas intenções, a conclusão tende a gerar resultados contrários aos pretendidos, uma vez que o fim da isenção causará efeitos negativos de natureza socioeconômica e ambiental, ainda mais quando levado em consideração que, em regra, a aquisição dos materiais recicláveis por parte das empresas que realizam a preparação da sucata não lhes gera créditos de PIS/Cofins.

Diversamente do que se imagina, a atividade com sucatas para a destinação adequada de insumos reciclados não é de baixo custo e a margem de lucro é estreita.

Em sua cadeia de produção, as operações são comumente iniciadas por catadores (ou cooperativas) que, a princípio, vendem os materiais recicláveis para um elo intermediário que são as empresas processadoras. Após a preparação adequada do material, é comercializado o insumo reciclado para as indústrias de transformação (que reutilizarão os insumos na composição de novos produtos e reinserção no mercado).

Existe atualmente um forte receio de uma pressão de grandes grupos industriais (que contam com um maior poder de barganha) por uma redução dos preços dos insumos reciclados, pressão essa que, em um efeito cascata, tenderá a afetar a todos da cadeia. Estima-se que dificilmente a incidência de PIS/Cofins nas vendas de materiais recicláveis será repassada nos preços, fazendo com que a margem de lucro dos atores do setor seja reduzida ainda mais.

O fim da isenção ainda possui impacto de aumentar a quantidade de empresas fraudulentas que se utilizam de esquemas ilegais e de sonegação de tributos (operações cada vez mais expostas na mídia) e são criadas com o único intuito de gerar créditos tributários e gerar concorrência desleal, prejudicando o mercado e as empresas sérias.

A consequência natural disso tudo é o impacto ambiental negativo.  Com o desincentivo à utilização e comercialização de materiais recicláveis, é esperada uma redução gradativa de tais operações, o que, em contrapartida, acaba por privilegiar a atividade extrativista. Em outras palavras, será financeiramente mais benéfico adquirir insumos extraídos da natureza do que aqueles reciclados.

Embora as expectativas a princípio sejam negativas, há ainda duas esperanças ao setor. A primeira delas é que o STF reavalie o tema durante o pedido de vista do ministro Dias Toffoli e mantenha a isenção que há mais de 15 anos beneficia o setor.

A luz no fim do túnel, por outro lado, vem por meio do Projeto de Lei nº 4.035/2021, em trâmite na Câmara dos Deputados e cuja proposta prevê isentar expressamente de PIS/Cofins as operações com materiais recicláveis, mantendo a isenção do artigo 48 da Lei 11.196/2005 e permitindo o crédito aos seus adquirentes.

Ainda há um longo percurso na Câmara, todavia, as expectativas do setor aumentam após recente aprovação do Projeto de Lei na comissão do Meio Ambiente, sendo certo que a única certeza no momento é que o assunto ainda terá diversos desdobramentos ao longo dos próximos meses.

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[1] Nos casos de venda para pessoa jurídica que apure o imposto de renda com base no lucro real.

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