Opinião

A teimosia do TJ-SP em não aplicar o Tema 1.076 do STJ

Autor

  • Otto Artur Moraes

    é advogado especialista em Direito Tributário e pós-graduando no MBA em Gestão Tributária pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP)

16 de novembro de 2022, 19h36

Mesmo após julgamento via sistemática dos recursos repetitivos representativos de controvérsia, parte do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo se rebela contra o resultado do julgamento dos REsp repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça e da fixação do Tema 1.076, que se deu em 16/3/2022.

Desde que tive o primeiro contato com a advocacia, aos 14 anos, percebi nesta classe profissional  sem desmerecer qualquer outra  algumas diferenças que tornavam seus integrantes pessoas com uma distinção única na sociedade: a irresignação ímpar derivada da inquietude íntima de quem, tendo contato com a injustiça relatada por seu cliente, mesmo sem misturar sentimentos, deixava sua indignação fluir como combustível inflamabilíssimo para motivar a adoção de providências em prol daquela pessoa. Ah, somente os integrantes desta classe sabe do que estou falando: o que nos motiva é o desafio, não o que cobramos para vencê-lo.

Obviamente, ninguém trabalha (tampouco deve trabalhar) de graça e somos remunerados via honorários. Ao contrário dos colegas celetistas ou daqueles integrantes da advocacia pública, a majoritária parte dos mais de 1,3 milhões de advogados brasileiros ajusta com seus clientes honorários contratuais e contam com os honorários sucumbenciais para complementar aquilo que entendem ser digno para remunerar todo o tempo que dedicarão à causa.

E para dar fim a uma discussão que já se eterniza (va) em nossos Tribunais, em 16 de março de 2022 houve a finalização do julgamento dos Recursos Especiais 1.850.512, 1.877.883, 1.906.623 e 1.906.618, afetados para julgamento repetitivo pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Assim, a comunidade jurídica (e em larga medida, todos os jurisdicionados) esperava que o entendimento fixado pela Corte Especial fosse seguido de maneira irrestrita pelas instâncias inferiores. Ledo engano.

Naquele julgamento, por maioria, os Ministros do Superior Tribunal de Justiça entenderam que:

1) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou o proveito econômico da demanda, forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos parágrafos 2º ou 3º do artigo 85 do CPC  a depender da presença da Fazenda Pública na lide , os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: a) da condenação; ou b) do proveito econômico obtido; ou c) do valor atualizado da causa.

2) Apenas se admite o arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou b) o valor da causa for muito baixo.

A literalidade deste entendimento não deve(ria) causar dúvidas a qualquer leitor, letrado em ciências jurídicas ou não, fazendo com que todos os recursos colocados em compasso de espera para a solução da afetação ao Tema 1076 agora pudessem ter sua marcha retomada para sua adequação ao paradigma de obrigatória observância.

Houvesse alguma dúvida quanto àquilo que foi escrito, basta(va) ter assistido à reportagem constante no canal do Youtube do próprio STJ:

Ocorre, todavia, que já começa a se avolumar preocupante entendimento de algumas Câmaras de Direito Privado do Tribunal de Justiça Paulista a qual reproduzo na íntegra o cerne de sua (in)conclusão:

Para fundamentar tal entendimento, utilizou-se como paradigma o seguinte aresto:

"RECURSO. APELAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. MANUTENÇÃO DA FIXAÇÃO POR APRECIAÇÃO EQUITATIVA, MAJORADO, TODAVIA, O VALOR ARBITRADO. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE, EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL REPETITIVO (TEMA 1076/STJ) DECIDIU PELA VEDAÇÃO DO ARBITRAMENTO POR EQUIDADE DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS 'QUANDO OS VALORES DA CONDENAÇÃO, DA CAUSA DO O PROVEITO ECONÔMICO DA DEMANDA FOREM ELEVADOS', PONDERANDO SER 'OBRIGATÓRIA, NESSES CASOS, A OBSERVÂNCIA DOS PERCENTUAIS PREVISTOS NOS §§2º OU 3º DO ARTIGO 85 DO CPC'. REEXAME, NOS TERMOS DO ARTIGO 1.030, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. INEXISTÊNCIA, TODAVIA, DE FUNDAMENTOS QUE JUSTIFIQUEM A MODIFICAÇÃO DO JULGADO. ENTENDIMENTO DO STJ FIXADO MAIS DE DOIS ANOS E MEIO APÓS O JULGAMENTO DO APELO. ACÓRDÃO MANTIDO". (Apelação Cível nº 1010903-10.2018.8.26.0564; relator (a): Vito Guglielmi; Comarca: São Bernardo do Campo; Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 26/07/2022; Data de publicação: 26/07/2022).

Daí se poder afirmar sem qualquer dúvida que, em reexame da matéria (artigo 1.030, II do CPC), o Tribunal de Justiça de São Paulo teima em não aplicar o Tema 1076 do STJ ao entender não se justificar a alteração da decisão deste colegiado por força de precedente em recurso repetitivo prolatado cerca de dois anos e meio depois da decisão colegiada.

Parafraseando Lenio Streck (conforme divulgado em sua coluna aqui na ConJur em 4/8/2020):

"O que se apresenta é a vontade do juiz em não aplicar a lei. Nessa busca por fundamentos contra legem opta por conceitos indeterminados para fundamental sua aplicação contrária ao dispositivo legal. Este é o típico caso previsto no artigo 489, §1º, inciso II, do CPC. Este é o ponto.
O ativismo judicial ocorre quando a razão (o Direito) é superada pela vontade, isto é, a relação entre lei e a sentença assume um aspecto completamente diferente. A decisão do caso concreto já não depende mais das leis, mas da vontade do juiz. O famoso jargão: 'Decido conforme a minha consciência'.
O juiz não está autorizado a escolher o sentido que mais lhe convier, o que seria dar azo à discricionariedade (para sermos generosos). A 'vontade' e o 'conhecimento' (aquilo que o juiz entende por correto) não constitui salvo-conduto para a atribuição arbitrária de sentidos e tampouco para uma atribuição de sentidos arbitrária, que é consequência da discricionariedade."

Ora, se não se tratasse de indevido e inconstitucional ativismo judicial, qual o sentido da afetação da causa (àquela altura, por certo, já julgada no âmbito do tribunal estadual e com recurso pendente de apreciação pela instância superior) esperar os mesmos dois anos anunciados nos arestos aqui trazidos como ponto fundamental para concretizar a absurda decisão de se desrespeitar a aplicação do Código de Processo Civil e da Constituição (no mínimo, pelo desrespeito aos princípios da isonomia, segurança jurídica, razoabilidade e proporcionalidade)?

Não faz sentido, especialmente porque não se verifica uma mínima fundamentação racional em ambos os casos trazidos neste pequeno texto.

Nada há que possibilite a não aplicação do Tema 1.076/STJ em razão do transcurso de tempo do qual o advogado postulante da mera aplicação da legislação processual não deu causa. O que se vê, sem qualquer embargo, é que tais acórdãos tentam de uma forma bastante obtusa reviver seu entendimento de que a fixação de honorários sucumbenciais pode ser feita por equidade quando imaginarem que o valor que corresponderia aos critérios dos parágrafos 2º ou 3º do artigo 85 do CPC forem considerados elevados.

Enquanto aguardamos as cenas dos próximos capítulos deste triste drama que assola a advocacia brasileira, gostaria que este espaço fosse bem utilizado e compartilhado com os demais colegas para que juntos possamos nos cercar de informações, contatos e materiais úteis para ajudarmos os colegas que igualmente enfrentam tais absurdos nas causas que estiverem militando.

Autores

  • é advogado, especialista em Direito Tributário e pós-graduando no MBA em Gestão Tributária pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP)

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