Opinião

Responsabilidade social na ordem do dia (parte 2)

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16 de novembro de 2022, 9h03

Continuação da parte 1.

O contexto do debate sobre a responsabilidade social no cenário brasileiro foi objeto de análise no artigo Responsabilidade Social na Ordem do Dia pela ConJur. Daremos sequência ao estudo da temática a partir da perspectiva da contribuição do Judiciário nas ações de responsabilidade social.

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A Constituição Federal apregoa que a sociedade seja solidária e que respeite a dignidade humana. A degradação social é um desafio a ser enfrentado pela sociedade civil e pelo Estado. Portanto, ao Poder Judiciário e ao juiz não é dado manter-se alheio à questão.

A responsabilidade social impõe a existência de uma relação verdadeiramente social entre a atuação do magistrado e as consequências para a sociedade, destacando-se a correta fundamentação das decisões.

As razões de uma decisão judicial vinculam (processual e materialmente) apenas as partes litigantes, mas são igualmente dirigidas a todos os cidadãos. É por meio da fundamentação das decisões (e não somente por seu dispositivo) que o magistrado apresenta os limites e entendimentos sobre a lei.

Em breve histórico sobre o tema, verifica-se que, no Brasil Colônia, o juiz exercia funções judiciárias e administrativas cumulativamente. Cabia-lhe não apenas julgar, mas também administrar. Por isso, fiscalizava obras, como a construção de pontes ou bebedouros. Fazia-o, sem preocupações sociais, mas sim por dever de ofício.

 Em 1748, na França, Montesquieu escreve O Espírito das Leis, registrando a existência de três Poderes no Estado, Legislativo, Executivo e Judiciário. Neste modelo, ao juiz não cabia nenhuma função administrativa e muito menos de caráter social.

De volta ao Brasil, a Constituição de 1824 dedicou o Título 6º ao Poder Judicial, dando importantes garantias aos magistrados, como a vitaliciedade, salvo se condenados por sentença (artigos 153 e 155).

Entre o Código Criminal do Império até a Proclamação da República, muitas foram as transformações. Por exemplo, criou-se na Corte e nas Províncias a figura do Chefe de Polícia (recrutado entre os Desembargadores), com Delegados e Subdelegados.

A estrutura do Judiciário do Império é alterada, mirando-se no modelo norte-americano de uma Suprema Corte com poderes amplos, inclusive o de declarar inconstitucionais os atos legislativos. O Decreto 848, de 1890, criou e organizou a Justiça Federal, na qual o STF se incluía.

Todavia, durante todos estes séculos, o Judiciário não se preocupava com questões sociais. José Reinaldo de Lima Lopes[1] relata que "o Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisão de 13 de agosto de 1915, exigia para a prova de serviços domésticos um contrato formal, explicitando a ementa de um acórdão que 'Não se fez prova alguma de contrato de locação de serviços e se trabalhos a autora teve em casa do réu, o réu, por seu turno, deu-lhe moradia, alimentou-a, assistiu-a em moléstias, etc'."

A Lei de Introdução ao Código Civil (Lei n. 4.657/1942) inaugura uma nova era. Seu artigo 5º dispôs que: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

Na Constituição de 1988, os deveres ambientais foram previstos. A Carta Magna atribui ao Poder Público e à sociedade o dever de zelar pelo meio ambiente (artigo 225) e, aos empreendedores, o desenvolvimento sustentável (artigo 170, VI). Ainda, o princípio constitucional da dignidade humana (artigo 1º, III) e o objetivo da República de construir uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º, III).

A efetivação da Responsabilidade Social pelo Poder Judiciário pode ocorrer em duas frentes. Nos julgamentos e nas atividades de administração.

Na jurisdição, o magistrado poderá: a) invocar as normas constitucionais, p. ex., os direitos sociais do artigo 6º da CF; b) examinar o caráter social e a proteção dos mais fracos nos contratos, conforme artigo 421 do C. Civil; c) buscar a conciliação como meta prioritária de apaziguamento social; d) adotar postura informal diante de pedidos mais simples, como liberação do FGTS.

Na administração, poderá o Judiciário: a) levar a Justiça a lugares distantes ou à periferia das grandes cidades, através de postos avançados ou juizados itinerantes; b) fortalecer os Juizados Especiais e Turmas Recursais; c) promover a interação e integração do Judiciário na sociedade (p. ex., cedendo o uso de espaços públicos para exposições ou congressos jurídicos); d) estímulo à reinserção social de presos ou menores, através de convênios com entidades estaduais; e) promover medidas de apoio aos trabalhadores "terceirizados", hoje em número elevado (p. ex., semana da saúde, em convênio com universidade).

No âmbito do CNJ, as ações de Responsabilidade Social são inúmeras, umas de autoria do próprio órgão, outras de vários tribunais do país, apoiadas pelo Conselho.

Destaca-se entre as ações mencionadas a criação da Comissão Permanente de Sustentabilidade e Responsabilidade Social, integradas pelos Conselheiros Giovanni Olsson, Sidney Madruga e Mário Maia.

 As primeiras reuniões da Comissão aconteceram em 8 de junho e 8 de agosto deste ano. Nelas foi proposto o alinhamento de projetos entre comissões já existentes: Comissão Permanente de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 2030, Comissão Permanente de Políticas Sociais e de Desenvolvimento do Cidadão e a Comissão Permanente de Democratização e Aperfeiçoamento dos Serviços Judiciários.

Num trabalho conjunto, as Comissões promoverão pesquisa sobre temas como "cidadania e sustentabilidade pluridimensional", "justiça itinerante", "ponto de inclusão digital". Ainda, foi firmado o compromisso de estudo de viabilidade do Plano de Logística do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) elaborado para o transporte e instalação interiorizada das urnas, para promoção do alcance do Poder Judiciário a populações longínquas, com base no binômio conceitual estruturante de "Cidadão vai à Justiça" e "Justiça vai ao Cidadão".

Na mesma reunião, formalizou-se o compromisso de interlocução com a Corregedoria Nacional de Justiça para a implementação de visitas periódicas de Conselheiros às unidades judiciárias, visando aproximação com jurisdicionados, em iniciativas como as atividades em escolas de regiões carentes. Além disso, destacou-se a possibilidade de que o Ministério da Defesa seja instado a contribuir com a sua expertise sobre as peculiaridades da interiorização (tal como a experiência do suporte no transporte das urnas), assim como outras entidades públicas com atuação capilarizada e especializada em locais de acesso remoto (Funai, dentre outros.)

Dentre a normativa relacionada à temática, podem-se destacar:

– Plano de Logística Sustentável – 2021/2026 (Portaria CNJ n. 207, de 8 de outubro de 2020): institucionalização de práticas de sustentabilidade, visando à racionalização de gastos e consumo, por meio da construção de indicadores e metas. O plano conta com mecanismos de monitoramento e avaliação.

– Resolução n. 347, de 13 de outubro de 2020- dispõe sobre a Política de Governança das Contratações Públicas no Poder Judiciário.

– Resolução n. 400, de 16 de junho de 2021- Os órgãos do Poder Judiciário devem adotar modelos de gestão organizacional com processos estruturados que promovam a sustentabilidade, com base em ações ambientalmente corretas, economicamente viáveis e socialmente justas e inclusivas, culturalmente diversas e pautadas na integridade, em busca de um desenvolvimento nacional sustentável.

As ações ambientalmente corretas devem ter como premissas a redução do consumo, o reaproveitamento e reciclagem de materiais, a revisão dos modelos de padrão de consumo e a análise do ciclo de vida dos produtos.

As ações economicamente viáveis devem buscar critérios de eficiência contínua dos gastos, levando em consideração a real necessidade da compra/contratação dentre as propostas mais vantajosas (análise custo-benefício) para sustentação da instituição, tendo em vista as inovações nos processos de trabalho.

Já as ações socialmente justas e inclusivas devem fomentar na instituição e em ações externas a adoção de comportamentos que promovam o equilíbrio e o bem-estar no ambiente de trabalho, por meio de atividades voltadas ao cuidado preventivo com a saúde, acessibilidade e inclusão social dos quadros de pessoal e auxiliar.

As ações culturalmente diversas têm como objetivo respeitar a variedade e a convivência entre ideias, características, gêneros e regionalismos no ambiente de trabalho.

Desta forma, pode-se verificar que o Judiciário vem desempenhando uma função relevante na edificação da solidariedade no Brasil.


[1] LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História: Lições introdutórias, 3. ed. São Paulo: Atlas, p. 348.

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