Opinião

Como a jurimetria pode alavancar a governança e a gestão das contingências

Autor

  • Daniel I. P. do Amaral Mello

    é advogado especializado em operações legais inovação jurídica e governança corporativa MBA em economia e gestão empresarial na FIA-USP head de soluções em operações legais da Finch.

12 de novembro de 2022, 17h04

Em resumo, uma provisão é uma reserva financeira feita por uma empresa que pode vir a ser obrigada no futuro a realizar algum pagamento a terceiro, por exigência legal, contratual ou comercial. Neste sentido, todas as contingências legais de uma empresa são abrangidas exatamente pelo mesmo contexto, já que uma empresa pode vir a ser obrigada a pagar uma execução judicial ou uma multa, por exemplo. Essa obrigação empresarial de realizar provisões para garantir pagamentos devidos a terceiros não é novidade e já existe há décadas, podendo ser assegurada por meio de bloqueios judiciais de contas e ativos da empresa devedora.

Neste cenário, é fundamental que as empresas possuam boas práticas sobre os critérios utilizados para determinar se um pagamento será ou não devido no futuro, inclusive aqueles decorrentes de temas legais. Entretanto, estimar de forma suficientemente precisa os recursos que devem ser provisionados (separados) nas organizações continua a ser um grande desafio.

No Brasil, de acordo com o Pronunciamento Técnico CPC 25, norma do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), é necessário que as empresas apliquem critérios de reconhecimento e bases de mensuração apropriados para as provisões e os passivos e ativos contingentes.

De forma resumida, determina que a empresa deve constituir uma provisão quando o valor de uma obrigação legal possa ser de forma suficientemente estimada, a existência desta obrigação dependa de confirmação futura por terceiro e que, se a obrigação for confirmada, a empresa tenha que despender recursos financeiros para quitá-la.

Mas como é possível determinar se, no futuro, será ou não provável que a empresa tenha que despender recursos financeiros para quitar algo relacionado a uma obrigação legal discutida em um processo? Quais são as ferramentas que os advogados possuem para sustentar ou não que seus casos são de "perda possível" (sem  provisão) e não "perda provável" (com provisão), ao longo dos anos?

Na prática, dificilmente um único advogado ou escritório é o responsável pela determinação da possibilidade de perda de casos, sendo hoje a melhor prática a formulação de políticas de provisionamento e contingenciamento considerando a visão de todas as partes interessadas.

Antes destas políticas, a opinião legal que suportava a decisão se uma obrigação legal teria perda possível, sem provisão, ou perda provável, com provisão, dependia da jurisprudência, da adequação do caso em concreto a esta jurisprudência examinada e o entendimento do Poder Judiciário. Ou seja, tudo bastante subjetivo, com elevadas possibilidades, sempre amparadas e com dezenas de ressalvas às perspectivas e prognósticos realizados.

Atualmente, a transformação digital no direito tem possibilitado a compilação de milhões de dados como fonte de informação. Muitos departamentos jurídicos de empresas e os escritórios de advocacia que os atendem vêm criando novas frentes de trabalho, aprimorando suas bases de dados para níveis mais satisfatórios de confiabilidade, viabilizando a geração real de informação estratégica e permitindo aos gestores avaliar o desempenho da empresa em assuntos e temas específicos ao Poder Judiciário, inclusive.

Entre essas frentes, destacamos os estudos na área de jurimetria nas organizações, que pode ser definida como a aplicação de modelos estatísticos no entendimento dos processos e fatos jurídicos, criando novas oportunidades e requisitos, agora suportadas por números e dados mais objetivos e realistas. Entender que uma saída de recursos financeiros será provável para extinção da obrigação legal, tão logo uma empresa recebe uma nova demanda judicial, possibilita apresentar prognósticos objetivos de valores que a empresa deverá ou não desembolsar no futuro para extinção dessa obrigação.

Definitivamente, isso mudou o jogo. Não somente porque podemos afirmar que determinados montantes de recursos poderão ou não serem exigidos da empresa para extinção de um caso recém recebido, mas, principalmente, porque podemos determinar quais elementos apresentados nas defesas das empresas são ou não relevantes para aumentar suas chances de sucesso. Reduzindo assim os custos legais e impactos em seus resultados com provisões jurídicas e pagamentos para extinção de obrigações legais, além de determinar quais processos têm maior ou menor perspectiva de êxito judicial.

Sob o prisma da governança, agora as empresas estão utilizando dados para criar algoritmos e fórmulas com inteligência de negócio para determinar quais casos ou não demandam provisionamento de valores e qual medida de valores. A inteligência artificial e a leitura de documentos por meio de robôs para análise das alegações das partes e geração de informação estratégica e crítica já são uma realidade.

Por fim, não estamos reduzindo a importância da avaliação legal e jurídica acerca de temas, casos e cenários para tomada de decisão e, pela perspectiva de governança, estimar a probabilidade de saídas de recursos financeiros para quitação de obrigações jurídicas, ao contrário, estamos agora disponibilizando cada vez mais formas e meios para que estas avaliações sejam cada vez mais precisas.

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  • é advogado, especializado em operações legais, inovação jurídica e governança corporativa, MBA em economia e gestão empresarial na FIA-USP, head de soluções em operações legais da Finch.

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