Opinião

Nova resolução do TCU, prescrição e pretensão punitiva

Autor

  • Leonan Roberto de França Pinto

    é mestrando em Direito pelo Unicesumar especialista em Direito Eleitoral e em Direito Processual Civil procurador do estado de Mato Grosso ex-advogado da União e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-MT.

6 de novembro de 2022, 13h45

Cânone da doutrina civilista, a prescrição é um dos institutos mais caros à ciência jurídica desde o direito romano. De acordo com o conceito delineado pelo artigo 189 do Código Civil, violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição. É certo dizer que a prescrição é a regra no nosso ordenamento. Sua função é trazer segurança jurídica, dimensionada por um perfil axiológico de ideal de Justiça plasmado no binômio: inércia do titular e decurso do tempo.

Sem embargo, desde a sua redação original de 1988, o artigo 37, §5° da Constituição da República impôs que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente que provoquem prejuízo ao erário, ressalvadas as ações de ressarcimento, dando a entender, em uma primeira interpretação, que todas as medidas destinadas ao ressarcimento ao patrimônio público gozariam da força excepcional da imprescritibilidade.

Em reverso, a partir do coeficiente hermenêutico autorizado pelo texto dessa norma constitucional, ao longo dos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal consolidou uma compreensão bastante conservadora quanto à matéria para restringir a dimensão ressarcitória de ações administrativas e judiciais.

Primeiro, a Corte apontou que é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil, objeto do tema de repercussão geral nº 666, originário do Recurso Extraordinário 669.069 de Minas Gerais. Ato seguinte, estabeleceu que somente são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato de improbidade administrativa doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, compreensão fixada no tema de n. 897 de repercussão geral (julgado paradigma RE 852475). Por fim, em abril de 2020, conforme entendimento fixado no tema n. 899, oriundo do julgamento do Recurso Extraordinário 636.866 de Alagoas (relator ministro Alexandre de Moraes), o Supremo concluiu que é prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão do Tribunal de Contas.

Entre outros motivos, o plenário do STF reputou que nos processos de Tomada de Contas Especial o Tribunal de Contas não julga pessoas e não perquire existência de dolo decorrente de ato de improbidade administrativa, mas, especificamente, realiza o julgamento técnico das contas a partir da reunião dos elementos objeto da fiscalização e apuração da ocorrência de irregularidade de que resulte dano ao erário, proferindo o acórdão em que se imputa o débito ao responsável. Finalizou o STF, por derradeiro, que a pretensão de ressarcimento ao erário em face de agentes públicos reconhecida em acórdão de Tribunal de Contas prescreve na forma da Lei 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal).

No primeiro momento, o Tribunal de Contas da União não digeriu muito bem a prescritibilidade de suas ações administrativas de ressarcimento ao erário e insistiu em aplicar o verbete de nº 282 de sua súmula, pelo qual as "ações de ressarcimento movidas pelo Estado contra os agentes causadores de danos ao Erário são imprescritíveis". No entanto, por meio do Acórdão 459/2022-TCU-Plenário (redator ministro Walton Alencar Rodrigues), o TCU formou um grupo técnico de trabalho para a apresentação de um projeto de ato normativo disciplinando o tema da prescrição da pretensão ressarcitória e da prescrição da pretensão punitiva no âmbito do controle externo, tendo por base jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal.

Finalmente, o TCU aprovou a Resolução nº 344, de 11 de outubro de 2022, disciplinando a prescrição nos processos de controle de externo, exceto os de apreciação, para fins de registro, da legalidade dos atos de admissão de pessoal ou de concessão de aposentadorias, reformas e pensões.

O primeiro ponto de destaque é o de que, expressamente, a resolução faz alusão à aplicação no âmbito o TCU da Lei 9873/1999, lei da ação punitiva na Administração Pública Federal, consolidando internamente a posição jurisprudencial do STF sobre o tema [1].

Outrossim, o prazo fixado para a prescrição da ação punitiva do TCU é de cinco anos, contados: 1) da data em que as contas deveriam ter sido prestadas, no caso de omissão de prestação de contas; 2) da data da apresentação da prestação de contas ao órgão competente para a sua análise inicial; 3) do recebimento da denúncia ou da representação pelo Tribunal ou pelos órgãos de controle interno, quanto às apurações decorrentes de processos dessas naturezas; 4) da data do conhecimento da irregularidade ou do dano, quando constatados em fiscalização realizada pelo Tribunal, pelos órgãos de controle interno ou pelo próprio órgão ou entidade da Administração Pública onde ocorrer a irregularidade; e 5) do dia em que tiver cessado a permanência ou a continuidade, no caso de irregularidade permanente ou continuada.

Entre as causas que interrompem a prescrição, pode-se citar: 1) a notificação, oitiva, citação ou audiência do responsável, inclusive por edital; 2) qualquer ato inequívoco de apuração do fato; 3) qualquer ato inequívoco de tentativa de solução conciliatória; e 4) a decisão condenatória recorrível.

Digno de nota, a resolução disciplina que a prescrição pode se interromper mais de uma vez por causas distintas ou por uma mesma causa desde que, por sua natureza, essa causa seja repetível no curso do processo. Além disso, aproveitam-se as causas interruptivas ocorridas em processo diverso, quando se tratar de fato coincidente ou que esteja na linha de desdobramento causal da irregularidade ou do dano em apuração.

No que se refere às causas impeditivas ou suspensivas da prescrição, o prazo não corre: 1) enquanto estiver vigente decisão judicial que determinar a suspensão do processo ou, de outro modo, paralisar a apuração do dano ou da irregularidade ou obstar a execução da condenação; 2) durante o sobrestamento do processo, desde que não tenha sido provocado pelo TCU, mas sim por fatos alheios à sua vontade, fundamentadamente demonstrados na decisão que determinar o sobrestamento; 3) durante o prazo conferido pelo Tribunal para pagamento da dívida na forma do artigo 12, §2º, da Lei 8.443, de 16 de julho de 1992; 4) enquanto estiver ocorrendo o recolhimento parcelado da importância devida ou o desconto parcelado da dívida nos vencimentos, salários ou proventos do responsável; 5) no período em que, a juízo do Tribunal, justificar-se a suspensão das apurações ou da exigibilidade da condenação; e, finalmente, 6) sempre que delongado o processo por razão imputável unicamente ao responsável.

Repetindo a disposição da Lei 9873/99, incide a chamada prescrição intercorrente se o processo ficar paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, interrompendo-se por qualquer ato que evidencie o andamento regular do processo.

Quando o fato apurado no âmbito do controle externo pela Corte de cortes também for tipificado na lei penal, a nova resolução diverge ligeiramente da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema. Com efeito, enquanto a resolução parece exigir recebimento de denúncia na esfera criminal sobre os mesmos fatos para aplicação dos prazos elencados pela legislação penal, o STJ não condiciona a sua aplicação à apuração criminal do fato ilícito, notadamente em razão da independência entre as esferas criminal e administrativa [2].

De outro giro, a prescrição poderá ser aferida em qualquer fase do processo no TCU. No entanto, no caso de dívidas sujeitas à cobrança judicial, o Tribunal não se manifestará sobre a prescrição caso já remetido o feito para Advocacia-Geral da União promover a execução. Nesse caso, caberá ao interessado postular administrativamente perante à própria AGU ou ainda judicialmente, via ação autônoma, embargos à execução ou exceção de pré-executividade, a ocorrência de eventual prescrição consumada no interstício das fases da tramitação administrativa enquanto o processo estava no TCU.

Por fim, verificada a prescrição, o Tribunal de Contas da União poderá remeter cópia da documentação pertinente ao Ministério Público ou para a Advocacia-Geral da União para ajuizamento de ação pela prática de ato doloso de improbidade administrativa, única hipótese hoje no ordenamento cujo ressarcimento é imprescritível (tema 897 de repercussão geral do STF).


[1] STF. MS 32.201- DF. Relator: MINISTRO ROBERTO BARROSO. Primeira Turma. DJulg: 21/03/2017.

[2] REsp nº 1.871.758/PR, relator ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 3/5/2022, DJe de 5/5/2022.

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