Opinião

Contribuição da "soft law" para a uniformização da jurisprudência

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5 de novembro de 2022, 6h06

A Recomendação nº 134, publicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 12/9/2022 e que "dispõe sobre o tratamento dos precedentes no Direito brasileiro", contém importantes instruções para o exercício da função precípua dos tribunais em uniformizar sua jurisprudência, prestigiando o sistema de precedentes qualificados (CPC, artigos 926 e 927), como enuncia o artigo 5º da aludida Recomendação.

A fim de conferir maior segurança jurídica e endossar a correta aplicação dos precedentes qualificados pelos tribunais, o CNJ optou pela utilização de mecanismo de soft law [1] para adicionar elementos não previstos em lei nos acórdãos a serem prolatados nos julgamentos de incidentes de assunção de competência, de resolução de demandas repetitivas e de recursos extraordinário e especiais repetitivos.

 Além da fundamentação adequada e específica prevista no artigo 93, IX, da CF e no artigo 927, §4º, do CPC, em seus arts. 12 e 13 a Recomendação do CNJ propôs 1) a indicação, no acórdão paradigma, de todos os fundamentos suscitados, sejam eles favoráveis ou contrários à tese em discussão, retomando parte da antiga redação dada ao artigo 1.038, do CPC (alterada pela Lei nº 13.256/2016); 2) a delimitação dos dispositivos de lei relacionados à questão jurídica de direito material ou processual versada, dialogando com o artigo 1.037, I, do CPC; 3) a enunciação da tese jurídica firmada, de forma clara, simples e objetiva, a fim de evitar imprecisões técnicas na sua aplicação; e 4) a breve síntese das circunstâncias fáticas que envolvem a questão jurídica, também de forma clara e precisa, sobretudo para obstar a aplicação do precedente vinculante sobre contexto fático distinto (facilitando a demonstração do distinguishing em agravos internos) ou sobre fundamento inédito não apreciado pelo referido precedente vinculante, conforme preveem os artigos 39, parágrafo único, 40 e 41, da Recomendação nº 134/22 do CNJ.

Nessa esteira, o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu a constitucionalidade da competência normativa (CF, artigo 103-B) do CNJ, nos julgamentos da ADI nº 3.367 e da ADC nº 12; e, inclusive, dirimiu sobre o limite dessa competência frente à competência do Poder Legislativo em inovar em relação à edição de normas processuais, no julgamento da ADI nº 4.145 [2].

Dessa forma, apesar de tal instrumento não ser necessariamente dotado de "eficácia vinculante", como são as Resoluções e os Enunciados Administrativos, nos termos do artigo 102, §5º, do RI-CNJ, a Recomendação nº 134/22 do CNJ possui importante papel na padronização dos precedentes, permitindo a boa compreensão das teses vinculantes lá sedimentadas, sem que, para tanto, seja necessária uma (mais morosa) alteração legislativa pelo Congresso.

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[1] Segundo André Abbud, a terminologia soft law em seu sentido mais amplo "aponta para todos os instrumentos regulatórios dotados de força normativa limitada, isto é, que em princípio não são vinculantes, não criam obrigações jurídicas, mas ainda assim produzem certos efeitos concretos aos destinatários". (ABBUD, André de Albuquerque Cavalcanti. A soft law processual na arbitragem internacional: a produção de provas. Tese de Doutorado, apresentada na Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013, pp. 12-13). No caso, a Recomendação está endereçada aos membros do Poder Judiciário.

[2] "Por fim, seja em relação à atividade judicante, seja na atuação nos estritos limites da lei, não se pode olvidar que as normas produzidas pelo Conselho Nacional de Justiça têm por finalidade à orientação da conduta disciplinar e administrativa dos órgãos do Poder Judiciário. Dessa forma, as normas produzidas pelo Conselho não constituem, nem poderiam, requisito de validade dos atos jurisdicionais. Elas, em verdade, limitam-se a tornar mais nítidas as competências dos agentes públicos, atribuindo-lhes a responsabilidade no exercício do poder que possuem. Funcionam, dessa forma, como verdadeira garantia da autonomia constitucionalmente assegurada ao Judiciário. A conclusão, aqui, é de que não poderia o Conselho Nacional de Justiça criar obrigações que estendam-se a órgãos estranhos ao Poder Judiciário". (STF, ADI nº 4.145, ministro relator Edson Fachin, relator p/ acórdão ministro Alexandre De Moraes, Tribunal Pleno, j. 26/04/2018; fl. 27).

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