Opinião

Exigência do ITBI está envolta em questões controvertidas

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2 de novembro de 2022, 7h04

O ITBI (Imposto sobre a Transferência de Bens Imóveis) é um imposto de competência municipal que incide sobre a transmissão "intervivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como na cessão de direitos para a sua aquisição.

Não obstante tratar-se de um tributo com longo histórico, muitas controvérsias ainda são causadas pela sua exigência, com inegáveis efeitos práticos no dia a dia do cidadão.

Nesse sentido, muito recentemente os tribunais superiores têm se manifestado acerca da exigência do imposto, nas mais variadas situações.

Algumas decisões são bastante favoráveis aos contribuintes, devendo ser objeto de análise nos casos concretos, a fim de se verificar a possibilidade de questionamento das exigências, ou mesmo a repetição de valores já recolhidos. Outras merecem atenção em razão de sua aplicação prematura e irrestrita.

Base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado
Sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.113), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu, em março deste ano, três teses relativas ao cálculo do ITBI nas operações de compra e venda:

a) A base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;

b) O valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (artigo 148 do Código Tributário Nacional  CTN);

c) O município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido de forma unilateral.

O ministro Gurgel de Faria, relator do caso, explicou que, "no que tange à base de cálculo, a expressão 'valor venal' contida no artigo 38 do CTN deve ser entendida como o valor considerado em condições normais de mercado para as transmissões imobiliárias". Segundo ele, embora seja possível delimitar um valor médio dos imóveis no mercado, a avaliação de cada bem negociado pode sofrer oscilações positivas ou negativas, a depender de circunstâncias específicas.

Em relação à possibilidade de adoção de valor venal previamente estipulado pelo fisco, Gurgel de Faria explicou que, no caso do ITBI , de forma diversa do IPTU, a base de cálculo deve considerar o valor de mercado do imóvel individualmente determinado, afetado também por fatores como benfeitorias, estado de conservação e as necessidades do comprador e do vendedor, motivo pelo qual o lançamento desse imposto ocorre, como regra, por meio da declaração do contribuinte, presumidamente verdadeira, ressalvado ao fisco o direito de revisar a quantia declarada mediante procedimento administrativo que garanta o exercício do contraditório e da ampla defesa.

A partir deste entendimento do STJ, há a possibilidade de redução do imposto a ser pago pelo contribuinte, principalmente nos casos em que se estipula valor venal de referência para o seu cálculo. Contudo, é importante destacar que o posicionamento do STJ vincula apenas as decisões proferidas pelo Judiciário, o que significa que não necessariamente haverá uma mudança de conduta nos fiscos municipais. Assim, os contribuintes devem acionar a Justiça para pagar o imposto com base no valor da operação ou para recuperar o valor pago a maior nos últimos cinco anos.

Imunidade constitucional relativa à incorporação de bens ou direitos reais ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital
A Constituição prevê que o ITBI "não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil". (artigo 156, parágrafo 2º, inciso II).

Em agosto de 2020 o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário 796.376, sob a égide da repercussão geral, e, por maioria, fixou tese segundo a qual a imunidade ao ITBI, prevista no artigo 156, §2º, I, da Constituição Federal (CF), "… não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado".

O caso tratava da diferença entre o valor atribuído aos imóveis pelo contribuinte e o valor das cotas ou ações com eles integralizadas — não se discutia, como em alguns meios se divulgou, a incidência do imposto sobre a diferença entre o preço de mercado (ou o valor cadastral) do imóvel e o seu custo histórico, quando este último tenha sido adotado pelo contribuinte. Ou seja, o STF decidiu que o ITBI incide sobre valor do bem, ou bens, que for superior àquele registrado como capital social, em conta de reserva de capital, por exemplo.

Não obstante entendermos que a decisão vai de encontro à melhor interpretação da legislação, na linha do voto vencido do ministro Marco Aurélio — seguido pelos ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, mais relevante é destacar o que ficou subentendido a partir do voto do ministro Alexandre de Moraes, único que apresentou voto escrito pela corrente vencedora — formada pelos ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux, Rosa Weber, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Celso de Mello.

Alexandre de Moraes afirmou que as restrições impostas pela parte final do dispositivo constitucional — "salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil" — aplicam-se apenas às transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, afirmando ser "incondicionada" a imunidade dos imóveis entregues em subscrição de capital, qualquer que seja a atividade da empresa destinatária.

O entendimento, portanto, é de que a exceção à imunidade, relativa às empresas preponderantemente imobiliárias, prevista na parte final do dispositivo constitucional, não se aplicaria às operações de integralização de imóveis, de forma que está aberta a possibilidade de os contribuintes buscarem a transmissão de imóveis para integralização de capital, sem o pagamento de ITBI.

A discussão já foi colocada ao Judiciário, com base no decidido pelo Supremo, e deve ser considerada pelos contribuintes, especialmente na criação de holdings patrimoniais.

ITBI sobre cessão de direitos
Muitos municípios exigem o ITBI sobre o mero registro de negócios afetos à transferência de imóveis junto aos Cartórios de Notas, de forma que muitos contribuintes já foram à Justiça buscar o reconhecimento do direito de pagar o tributo apenas no ato de registro dos negócios junto ao Cartório de Imóveis, tendo o STF, em fevereiro de 2001, decidido, por unanimidade, que a cobrança do ITBI somente pode ser realizada após a transmissão da propriedade imobiliária, o que se concretiza com o registro desta no Registro de Imóveis competente.

Nos termos da decisão do STF, a matéria estaria sendo decidida com base em reiterada jurisprudência do próprio Tribunal.

Ocorre que os precedentes do STF e de outros Tribunais, sobre matéria correlata, tratam sempre da desnecessidade do pagamento do ITBI no ato de registro de promessa de compra e venda e no julgamento recente do STF tem-se uma cessão de direitos de aquisição, que o Tribunal tratou de forma equivocada.

Contratos de promessa de compra e venda, firmados por instrumento público ou particular, registrados ou não, não transmitem direitos reais, motivo pelo qual sobre eles não incide o ITBI. Situação diversa é a cessão de direitos, representada pela transmissão do direito apenas com a escritura.

Diante da confusão, muito recentemente, em 26 de agosto deste ano, o Plenário virtual do STF decidiu reanalisar a fixação de tese segundo a qual o fato gerador do ITBI "somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, mediante o registro".

Segundo o ministro Dias Toffoli, na análise dos Embargos de Declaração do Município de SP, parte na ação:

"Nos julgados mais recentes da Corte, não houve debate aprofundado sobre aquela última hipótese de incidência, sendo certo que os precedentes utilizados como jurisprudência no acórdão ora embargado trataram de hipótese diversa, concernente à primeira parte do inciso II daquele artigo, qual seja transmissão de bens imóveis".

Nesse sentido, o STF anulou o julgamento proferido em 2021; portanto, os temas acerca da incidência do ITBI em cessão de direitos de compra e venda e transmissão de direitos reais continuam em aberto.

Como resultado, os atos realizados sob a égide da decisão do STF, no ARE 1.294.969, fundados na hipótese de que o ITBI seria devido apenas no registro perante o cartório de imóveis, de forma genérica, poderão ser anulados e o imposto, exigido pelos municípios

Estas controvérsias acerca do ITBI demonstram, com muita clareza, a necessidade de uma avaliação cuidadosa quando do pagamento do tributo, seja pela possibilidade de se exonerar do imposto, ou conseguir sua redução, seja pela possibilidade de aplicação prematura de precedentes judiciais, o que pode implicar a sujeição de multa e juros sobre eventuais cobranças retroativas.

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