Opinião

Desafios da ação do ressarcimento ao erário por improbidade administrativa

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29 de março de 2022, 16h31

A lei nº 14.230/2021 trouxe profundas alterações na Lei de Improbidade Administrativa, dentre elas a concentração no Ministério Público da legitimidade para a propositura da ação judicial para responsabilidade do agente ímprobo.

É certo, todavia, que tal alteração não significou a impossibilidade de que os outrora legitimados possam a partir de então buscar pela via judicial o ressarcimento de danos. Assim, é importante ter em mente que o ressarcimento é uma decorrência natural do dano causado, e se opera de forma independente em relação às sanções cominadas na LIa. Veja-se nesse sentido que o próprio caput do artigo 12 da referida lei indica a necessária diferenciação, ao mencionar o ressarcimento ("independentemente do ressarcimento integral do dano") de forma autônoma em relação à sanção ("está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações") [1].

Ao revés de diversas críticas endereçadas à novidade legislativa, embora o ressarcimento ao dano causado ocorra no bojo da ação de improbidade administrativa, é certo que a mesma pretensão pode ser buscada pelos mais diversos expedientes judiciais e administrativos existentes. Com efeito, está circunscrito ao processo judicial por improbidade administrativa tão somente as sanções naquele estatuto cominadas.

Isto posto, em linhas gerais, a missão institucional das Procuradorias do Estado no que toca às ações de ressarcimento decorrentes de prejuízos causados ao patrimônio público segue ileso pelos mais diversos instrumentos jurídicos existentes [2].

Todavia, ainda que circunstancialmente, antevemos uma situação em que a alteração legislativa pode representar um dificultador para a ação de ressarcimento, diretamente decorrente da retirada pelo legislador da legitimidade do Ente Federado para a propositura de ações por improbidade administrativa.

A experiência demonstra que as ações de improbidade até então propostas pelas Fazendas Públicas por meio de suas Procuradorias relacionavam-se com seus agentes públicos, como um dos eventos subsequentes aos procedimentos administrativos disciplinares em que se constatava a ocorrência de conduta prevista como ímproba. Como essas ações são propostas em geral por análise posterior ao relatório final das comissões disciplinares e o procedimento burocrático de confirmação da punição e todos os eventuais recursos, naturalmente alguns destes procedimentos já estavam prescritos em relação à propositura de ação de improbidade no que toca a pretensão de aplicação das sanções da lei [3]. Sem prejuízo, todavia, em relação à propositura da ação com a exclusiva pretensão de ressarcimento dos prejuízos causados.

Pela viabilidade de tal procedimento, é o entendimento firmado pelo STJ no Tema Repetitivo 1089, que firmou a seguinte tese: Na ação civil pública por ato de improbidade administrativa é possível o prosseguimento da demanda para pleitear o ressarcimento do dano ao erário, ainda que sejam declaradas prescritas as demais sanções previstas no artigo 12 da Lei 8.429/92.

Assim, a ação buscando o ressarcimento ao erário permanecia viável ante a imprescritibilidade quando o prejuízo decorra de ato ímprobo, conforme interpretação do artigo 37, §5º da Constituição Federal, fixada no Tema 897 da Repercussão Geral do STF.

É preciso constatar que a dinâmica empregada para tais casos, em que ao se conferir a nota de imprescritibilidade ao dano causado e à subsequente responsabilidade pelo ressarcimento, trata-se de circunstância adversa ao agente infrator, em que se estabelece a imputação de que a sua conduta fora ímproba. Ao fim e ao cabo, trata-se, ainda que apenas pragmaticamente, e por meio de um juízo meramente declaratório, da qualificação daquela conduta como ato de improbidade, para que, em um juízo lógico hipotético condicional, implique que o dever de ressarcimento seja, portanto, imprescritível.

Esse raciocínio está presente, ainda que pouco elaborado, em diversos julgados do STJ quando trata do tema da ação de ressarcimento diante da prescrição para a aplicação das sanções da LIA, conforme se observa:

"Se mostra lícita a cumulação de pedidos de natureza condenatória, declaratória e constitutiva nesta ação, quando sustentada nas disposições da Lei nº 8.429/1992

(STJ, REsp 1.660.381/SP, relator ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 26/11/2018)."

Tem-se, portanto, em uma ação de ressarcimento ao erário decorrente de ato de improbidade administrativa em que já ocorreu a prescrição para o sancionamento, uma cumulação de pedidos, em que há um pedido de natureza declaratória (o reconhecimento da conduta do agente como ato de improbidade) e, um pedido de natureza condenatória (o próprio ressarcimento).

Diante da circunstância estabelecida pelo legislador com a reforma da LIA, ao tornar monopólio do Ministério Público a propositura da ação de improbidade, pode-se colocar em debate se a ação exclusivamente de ressarcimento proposta pela Fazenda Pública nas situações em que o prazo prescricional já transcorreu ainda seria possível.

Isto pois antevê-se como provável que viceje na magistratura o entendimento de que faleceria à Fazenda aquele pedido declaratório antecedente de que o ato seja reconhecido como ímprobo. Por consequência, não tendo aquele ato a feição da improbidade, seria possível o reconhecimento da prescrição da pretensão de ressarcimento, fazendo coisa julgada material (artigo 487, II, do Código de Processo Civil), em grave prejuízo ao patrimônio público.

Diante disso, até mesmo as alternativas colocadas a disposição da advocacia pública são escassas. Uma primeira possibilidade seria a propositura da ação de ressarcimento tão logo quanto se apurasse o prejuízo ao patrimônio público. Todavia, a providência se mostraria problemática pois é no curso da instrução do procedimento administrativo que se tomará melhor compreensão da dimensão do prejuízo causado e da conduta do agente infrator.

Uma segunda alternativa encontrada na própria LIA seria que a Fazenda se habilitasse para acompanhar a ação de improbidade, em que ocorreria a apreciação pelo magistrado do dever de ressarcimento. Todavia, nesta situação ocorreria uma inaceitável sujeição da administração pública ao Ministério Público, cujo efetivo ressarcimento estaria condicionado à decisão de propositura da ação pelo parquet.

A situação, porém, encontra-se circunstancialmente afastada, diante da determinação da suspensão da lei 14.230/2021 no que toca à determinação do monopólio do Ministério Público para propositura da ação de improbidade, exarada em liminar na ADI 7042, retornando-se a possibilidade de que as ações de improbidade sejam realizadas pelos entes federados. Dada, todavia, a precariedade da decisão e os contornos que podem tomar a decisão final sobre o tema, tais desafios podem ressurgir com outras matizes.

Isto posto, cabe às Procuradorias neste momento refletir sobre tais impactos possíveis às ações de ressarcimento, encontrando soluções que não constituam óbice ao efetivo ressarcimento de prejuízos causados ao patrimônio público, a depender da solução a ser apresentada pelo STF nas ADIs 7042 e 7043.


[1] Merece nota que o Constituinte também fez de forma clara a mesma diferenciação no artigo 37, §5º, distinguindo o ilícito da obrigação de ressarcimento.

[2] No mesmo sentido as conclusões de Frederico Koehler e Silvano Flumignan, em: https://www.conjur.com.br/2022-mar-03/koehler-flumingnan-legitimidade-fazenda-postular-ressarcimento#_ftnref. Acesso em 3.3.2022

[3] A Procuradoria Geral do Estado de São Paulo estabelece a necessidade de averiguação ao final do procedimento administrativo disciplinar da menção de existência de prejuízo ao erário e enquadramento da conduta como ato de improbidade, tomando-se imediatamente as providências necessárias para o apenamento e o ressarcimento dos valores, sob responsabilidade de Procurador do Estado lotado no Contencioso Geral.

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