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Voto plural como ferramenta de manutenção de controle na sociedade anônima

Autor

  • Maria Fernanda Mouchbahani Peralta

    é graduada em Direito pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) especialista em Direito Empresarial pela Faculdade da Indústria IEL-PR/FIEP. advogada na Advocacia Felippe e Isfer e integrante do CMR (Centro de Mulheres na Reestruturação Empresarial).

28 de março de 2022, 14h09

A Lei nº 14.195/2021, advinda da conversão da Medida Provisória do Ambiente de Negócios (MP nº 1.040/2021), promoveu alterações legislativas com vistas à desburocratização da atividade empresarial, tendo disposto acerca de diversos ramos do direito. Teve como um de seus objetivos a alavancagem do Brasil[2] — que, no último levantamento, ocupou a 124ª posição (de 190) no ranking Doing Business do Banco Mundial. Trata-se de relatório que avalia quais os melhores países para se fazer negócios.

Dentre as disposições a respeito das sociedades anônimas, aqui merece destaque a possibilidade de criação de classes de ações ordinárias com atribuição de voto plural. Cada uma delas, ressalvadas certas limitações, pode ter peso de até dez votos.

Assim, o capítulo III da Lei nº 14.195/2021 — denominado de "Da Proteção de Acionistas Minoritários" —, inovou ao introduzir tal figura, que se mostra como uma solução alternativa para a manutenção do poder de controle, mesmo diante da diluição da participação societária de determinado acionista pela captação de investimentos pelas companhias. Com a adoção do voto plural, o poder de controle uma companhia pode, inclusive, ser exercido por sócio titular de 4,6% das ações.[3]

O voto plural (também chamado de "supervoto") tem caráter personalíssimo: há previsão de que, em havendo transferência da ação para terceiros não titulares da mesma classe, ressalvadas hipóteses específicas trazidas pela Lei, esta se converte em ação comum, perdendo-se a prerrogativa do voto plural.

Isto se justifica pelo fato de que a adoção do "supervoto" tende a ter uma justificativa vinculada a características personalíssimas do seu titular. O exemplo mais evidente parece ser a atribuição deste ao fundador da companhia ou a algum outro acionista ou grupo de acionistas que exerça papel importante na gestão estratégica da operação.

Assim, torna-se possível manter tais sócios com o controle da sociedade e, ao mesmo tempo, permitir o ingresso de novos recursos por investidores, mediante a aquisição da maioria das ações. Por mais que haja a diluição da participação acionária, não há repercussão no poder de controle, ao menos imediata. 

Neste ponto, destaque-se que tal prerrogativa possui um prazo de validade: o voto plural terá vigência inicial de até sete anos, que poderá ser prorrogada por tempo indeterminado. Também há a possibilidade de atrelar o prazo do "supervoto" a alguma condição ou termo.

Até então expressamente vedado pela Lei das Sociedades Anônimas (LSA), a possibilidade de adoção do voto plural segue tendência internacional, eis que referido mecanismo já é, há muitos anos, amplamente utilizado em países como Estados Unidos, França, Itália, Argentina, Holanda, Suécia e Dinamarca.

A B3, inclusive, exaltou a incorporação da figura ao ordenamento jurídico brasileiro e vislumbra que esta “pode impactar positivamente a abertura de capital das empresas no país. Isso porque agora as companhias que buscam essa estrutura acionária poderão se listar no mercado brasileiro, sem precisar recorrer a esse tipo de oferta em outros mercados”.[4]

Por outro lado, também foram tecidas críticas ao voto plural. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) manifestou-se no sentido de que a adoção desta ferramenta é um desvio do princípio "uma ação, um voto", defendido pelo Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa.

Diante disso, defendeu que "se o voto plural fosse autorizado pela Lei 6.404/1976, deveria ser acompanhado de salvaguardas ou ações mitigadoras ao risco de desalinhamento de interesses".[5]

De todo modo, foi o que aconteceu: após a sanção da Lei nº 14.195/2021, o IBGC enalteceu a manutenção, de maneira geral, das proteções defendidas pelo Instituto.

Além de algumas travas já comentadas — como o caráter pessoal, o prazo e o limite de dez votos por ação —, a criação de classes com voto plural depende da aprovação de metade do capital social, incluindo os titulares de ação preferencial sem direito a voto. Podendo, ainda, tal quórum ser aumentado por disposição estatutária. Estabeleceu-se, ademais, o direito de retirada de acionistas dissidentes, a não ser que a criação da referida classe estivesse já prevista ou autorizada pelo estatuto.

Nas sociedades de capital aberto, a atribuição de voto plural deve acontecer anteriormente à negociação de valores mobiliários em mercado.

Ainda, ressalte-se que não é computado o voto plural em deliberações acerca da remuneração dos administradores e da celebração de transações com partes relacionadas que sejam relevantes, de acordo com a Comissão de Valores Mobiliários. Há também vedações à realização de certas operações societárias entre companhias que adotam o voto plural e aquelas que não adotam.

Além disso, as disposições acerca do voto plural não se aplicam às empresas públicas, às sociedades de economia mista, às suas subsidiárias e às sociedades controladas direta ou indiretamente pelo Poder Público.

Assim, vê-se que a inserção da possibilidade de atribuição de voto plural segue uma tendência internacional e faz parte de um pacote de alterações legislativas que visam à desburocratização e à melhora do ambiente de negócios. A adoção do "supervoto", cuja conveniência deverá ser analisada caso a caso, pode ser relevante ferramenta para viabilizar o ingresso de novos recursos através de investidores, garantindo que a diluição da participação societária não implique a perda de controle da companhia.


[3]Mas como a Lei das S.A. também permite que até metade do capital social seja formado por ações preferenciais, sem direito a voto, a potencial de diferença entre direito econômico (sobre os lucros) e direito de voto poderá ser ainda maior. Em uma companhia com metade das ações ordinárias e metade preferenciais, uma participação de 4,55% de "super ordinárias" poderá garantir o controle acionário (…)”. Disponível aqui:

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