Opinião

"LULApalooza": os limites eleitorais dos influenciadores e artistas

Autor

  • José Maurício Linhares Barreto Neto

    é coordenador do Programa de Integridade da Cidade de São Paulo mestrando na FGV-SP pós-graduado em Direito Penal Empresarial e Criminalidade Complexa no Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais) membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política (Abradep).

28 de março de 2022, 13h14

O ministro Raul Araujo, do Tribunal Superior Eleitoral, decidiu polemicamente o deferimento de liminar que proibiu no Lolapalooza "a realização ou manifestação de propaganda eleitoral ostensiva e extemporânea em favor de qualquer candidato ou partido político por parte dos músicos e grupos musicais que se apresentem no festival, sob pena de multa de R$ 50 mil reais por ato de descumprimento".

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Em primeiro lugar, o ministro aponta que há uma propaganda eleitoral extemporânea, ou seja, fora do período eleitoral que podemos classificar como "antecipada". No que toca a este tema, devemos criticar dois pontos.

O primeiro deles é que para caracterizar propaganda política eleitoral, consoante diz o professor Marcos Ramayana, devemos ter a finalidade de divulgação de ideias e programas de candidatos para sugestionar o voto às pessoas. Quando há apenas a manifestação por um artista, mesmo que negativa ("ei, Bolsonaro, vai tomar no c*"), de um determinado candidato, não estamos incorrendo em propaganda eleitoral. Fosse isso, ainda que houvesse promoção de outro candidato ou mesmo de fato propaganda eleitoral negativa, estaríamos na restrição de liberdade de expressão artística e ideológica, insculpida no art .220, § 2ª e artigo 5º, IV e X da Constituição.

Vamos, portanto, proibir entrevistas e falas de Regina Duarte, Antonia Fontenelle, Ratinho, Amado Batista, Netinho, Thiago Gagliasso, entre outros, que, aliás, por vezes tem a presença do pré-candidato e presidente Jair Bolsonaro? Para alguns casos sim, em razão de claro abuso de poder midiático como apresentadores de televisão e rádio, como aponta as normas eleitorais, entretanto, outros nem tanto (infelizmente)…

Muito embora possa ter ferido a honra do pré-candidato Bolsonaro para milhares de pessoas num show, a discussão do caso é de âmbito civil, fora da competência da Justiça Eleitoral. É célebre a insatisfação do governo, desde início de 2018, por parte brasileiros e artistas. Não é novo ouvirmos as frases da Pabllo e de outros seja em shows, seja na internet. Neste caso ocorrer a proibição de manifestação nos parece oportunismo eleitoral. A Pabllo Vittar, dessa forma, está amparada por sua livre exposição de ideias não só pela Constituição, conforme também nos artigos 19, § 10º; artigo 27, artigo 28, §6º da Resolução 23.671/2021 do TSE. O Ministro não se atentou a nova resolução do próprio TSE!

Indicar que é uma propaganda eleitoral antecipada é se esquecer das normas eleitorais e é esse o segundo ponto que trataremos. Na Resolução 23.610/2019, no seu artigo 3º diz que não configura propaganda eleitoral extemporânea na hipótese quando não há pedido explícito de voto, há menção à pretensa candidatura, e há exaltação de qualidades pessoais do candidato. Aliás, no inciso V atenta que o ato de a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive em redes sociais, blogs, sítios eletrônicos pessoais e aplicativos não é propaganda eleitoral antecipada. Em que momento temos o contrário da norma? Nenhum!

A respeito de ser declarado showmício, novamente vemos que a decisão se afasta das próprias resoluções do TSE. No artigo 18 da Resolução 23.671 temos a inovação de permissão de apresentações artísticas e shows musicais em eventos de arrecadação de recursos de campanhas nessas eleições de 2022. Se é possível a parceria entre artistas e candidatos nestas situações, por que a manifestação da Pabllo deve ser proibida? Aliás, antes fosse sua ligação com Lula — seja remunerada ou não, o evento do Lolapalooza é privado, sem qualquer ligação com algum candidato. O show é exclusivamente para animação de pagantes da empresa, jamais uma caracterizada propaganda eleitoral — seja antecipada ou em época das eleições.

Caso parecido — e diferente da decisão do ministro Raul — foi da turnê de Roger Waters. Por unanimidade, o plenário do TSE julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral apresentada pela campanha do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), contra os adversários Fernando Haddad (PT) e Manuela D´Ávila (PCdoB). O ministro Jorge Mussi decidiu que "somente o artista e sua equipe detiveram controle sobre o conteúdo dos shows". "O candidato e os empresários não possuíam qualquer ingerência sobre o roteiro da apresentação."[1]

Hoje a discussão de artistas e influenciadores digitais cada vez mais cresce. Aliás, me parece que temos uma bancada no Congresso de influenciadores ou que se utilizam de tais técnicas para engajamento dos eleitores. Temos poucos nortes[2], mas dentre eles está o Recurso Especial Eleitoral 458-67/PI, o qual a cooptação de influenciador em contrapartida financeira pode gerar abuso de poder[3], e, nesse sentido discutirmos a perda ou não do mandato ou ao menos uma propaganda irregular.

A matéria não é nova. Apesar de antiga, está no sabor das eleições e do momento político do país. Temos que atentar, pois as eleições já começaram de fato. O ajuizamento de ações é frequente e isso afeta as estratégias e o tabuleiro político.

[2] O projeto de lei do Novo Código Eleitoral tem a seguinte redação no art. 495, § 9º:  É vedada a propaganda eleitoral, ainda que gratuita, em canais digitais de influenciadores que os utilizem de forma profissional, com o recebimento de valores provenientes de patrocinadores ou por intermédio de remuneração diretamente feita pela plataforma que hospeda os respectivos canais

Autores

  • é sócio fundador da Cardoso, Siqueira & Linhares; pós-graduado em Direito Penal Empresarial e Criminalidade Complexa no IBMEC. Foi membro do grupo de pesquisa "Direito e Novas Perspectivas Regulatórias", coordenando o grupo de estudo da "Democracia, Eleições e Inovação" do LEDH.uff — Laboratório Empresa e Direitos Humanos da Universidade Federal Fluminense; membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep)

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