Opinião:

Mês da mulher e a importância do debate sobre a violência de gênero

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25 de março de 2022, 10h08

O mês de março, em que, no dia 8, comemora-se o Dia Internacional das Mulheres, suscita amplo debate sobre as diferentes formas de violência contra a mulher, bem como sobre as distintas maneiras de combatê-las. A discussão sobre as violações de gênero, evidentemente, não se restringe a uma data ou a uma campanha, porém é certo que o marco, ao tempo em que confere visibilidade à luta feminina, reforça a necessidade de ações contínuas para o enfrentamento das violências contra as mulheres. São gritantes as estatísticas nacionais acerca de agressões contra a mulher, nas suas mais distintas categorias — física, sexual, moral, psicológica, patrimonial e institucional.

Os debates são inúmeros, nos cenários brasileiro e mundial, envolvendo temáticas como equidade e inclusão, diversidade e liberdade, preconceito e discriminação, dentre outras. Em tal contexto, o protagonismo dos(as) integrantes do Sistema de Justiça em algumas dessas pautas tem se destacado, notadamente na promoção de maior participação feminina nesse universo, na condição de Magistrada, membra do Ministério Público, Advogada e Defensora Pública, bem como na ampliação do acesso da mulher aos postos de comando das instituições em que atua, com a oportunidade de assumir papel determinante na superação dos desafios inerentes à transformação de um espaço majoritariamente masculino.

Para além da aludida responsabilidade institucional, importa especialmente ao Poder Judiciário reconhecer a influência que as desigualdades históricas, sociais, culturais e políticas — a que estão submetidas as mulheres ao longo dos tempos — exercem na produção e aplicação do direito. Concretizar o direito à igualdade e à não discriminação e fomentar uma cultura jurídica emancipatória e de afirmação de direitos de todas as mulheres e meninas é acima de tudo um dever do Poder Judiciário. Nesse sentido, em outubro de 2021, foi lançado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o "Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero", cuja adoção foi indicada pela Recomendação CNJ n° 128, de 15/2/2022.

O protocolo nasceu a partir das políticas públicas estabelecidas nas Resoluções CNJ n° 254 e 255, de 2018, em alinhamento com a Agenda 2030 da ONU, e como fruto das atividades de Grupo de Trabalho que se nutriu de estudos produzidos pela academia e magistratura brasileiras, adotando como referências documentos oficiais congêneres produzidos pelo México, Uruguai e Colômbia, além de outros instrumentos internacionais.

Após o lançamento do Protocolo, foi publicada, em 24/11/2021, a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no julgamento do caso Barbosa de Souza e outros vs. Brasil. A decisão condenou o Brasil, 23 anos depois da execução de Márcia Barbosa de Souza, cujo homicídio fora atribuído ao então Deputado Estadual da Paraíba Aércio Pereira de Lima. O julgamento impõe ao Estado brasileiro a adoção e implementação de um protocolo nacional que estabeleça critérios claros e uniformes para a investigação dos feminicídios.

Desse modo, vale dizer que com a aprovação unânime da Recomendação CNJ n° 128/2022, para adoção do "Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero" no Poder Judiciário, o Estado brasileiro atende à determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos quanto à implementação de parâmetros oficiais de julgamento com perspectiva de gênero, harmonizando o ordenamento jurídico pátrio com os tratados internacionais de direitos humanos, bem como com a jurisprudência da Corte IDH a respeito da matéria. Trata-se, portanto, de uma inovação que fortalece o inevitável diálogo nacional com os sistemas regional e universal de proteção dos direitos humanos das mulheres e também reafirma a dignidade da pessoa humana enquanto fundamento do Estado Democrático de Direito Brasileiro (CF, artigo 1º, III).

Para tanto, o documento funciona como um instrumento referencial em que são estabelecidas premissas conceituais para orientar a compreensão das magistradas e dos magistrados acerca da questão de gênero. Ademais, é proposto um roteiro direcionador de uma abordagem apropriada de casos concretos, de modo a impedir que as decisões judiciais reproduzam estereótipos, perpetuem desigualdades e promovam a revitimização.

Tal conteúdo encontra-se disposto em três partes: uma introdução, contendo definições essenciais para um aporte teórico substancial sobre o assunto; um guia prático, na forma de passo a passo, para o adequado processamento e julgamento dos casos; e a análise de particularidades dos diferentes ramos do Poder Judiciário, incluindo questões recorrentes específicas das Justiças federal, estadual, do trabalho, eleitoral e militar.

Embora represente indubitável avanço, não se pode olvidar que o Protocolo constitui apenas o começo a partir do qual é preciso seguir evoluindo, por meio de iniciativas análogas, tais como a adoção da linguagem inclusiva, a organização de cursos institucionais sobre a temática de gênero e sua inserção nas grades curriculares e no conteúdo programático dos concursos públicos para ingresso na magistratura e nas demais carreiras jurídicas.

O Protocolo afigura-se, portanto, uma iniciativa inovadora que deve ser celebrada como o advento de um norte para a implementação de uma sólida política de igualdade de gênero, formulada com o propósito de despir o Sistema de Justiça das vestimentas arcaicas do patriarcalismo e do machismo estrutural de uma sociedade eivada de preconceitos, servindo como novas lentes, por meio das quais se possa enxergar a possibilidade de realização da igualdade substantiva e de transformação rumo à sociedade livre, justa e solidária idealizada pelo constituinte de 1988 (CF, artigo 3º, I). Afinal, parafraseando o poeta, TRANSFORMAR É PRECISO!!!

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