Opinião

Direitos individuais homogêneos e legitimidade do MP para execução coletiva

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21 de março de 2022, 15h16

Recentemente, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o Recurso Especial 1.801.518/RJ, no qual discutiu-se a legitimidade ativa do Ministério Público para promover a liquidação e a execução coletiva de sentença na tutela de interesses ou direitos individuais homogêneos previstos no artigo 81, parágrafo único, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), além de outros assuntos.

No caso em tela, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) ajuizou ação civil pública (ACP) em face de incorporadora, para que a empresa revisasse a cláusula contratual que previa a retenção de parcelas pagas em caso de desistência da aquisição de imóvel (entre 75% e 90% para 25%). Além disso, o MP-RJ solicitava o reconhecimento do direito dos consumidores lesados à repetição em dobro do indébito.

Com o julgamento procedente da ACP, a sentença foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) somente para afastar a repetição em dobro e o dano moral coletivo. Após o trânsito em julgado da sentença, o MP, além de solicitar a condenação da incorporadora ao pagamento de multa (astreintes) pelo suposto atraso no cumprimento de decisão liminar deferida pelo Juízo em caráter incidental, iniciou o cumprimento coletivo da sentença, com fundamento no artigo 98 do CDC, referente à devolução simples dos valores devidos aos indivíduos lesados.

Nesse sentido, a incorporadora, ao ser intimada sobre o início da fase de execução, manifestou-se pela ilegitimidade do MP para promover a execução coletiva da sentença, o que restou afastado pelo Juízo de origem. A decisão foi objeto de agravo de instrumento, ao qual o TJ-RJ negou provimento.

Contra o acórdão, a ré interpôs o REsp 1.801.518/RJ, arguindo que apenas os consumidores lesados poderiam exigir o cumprimento da condenação. Tal entendimento foi acolhido pelo STJ, por unanimidade, confirmando entendimento anterior da Corte sobre o tema. Vale salientar que na concepção dos ministros do STJ, o interesse público que justificaria a atuação do MP na ação coletiva foi superado na fase de execução, restando ao parquet somente a hipótese da execução residual prevista no artigo 100 do CDC.

Para o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do processo, embora o artigo 98 do CDC admita a execução coletiva da sentença pelos entes legitimados no artigo 82 do CDC  entre eles, o MP , na fase de execução da sentença já não há o interesse social previsto no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal a justificar a atuação ministerial, uma vez que o interesse jurídico, nessa fase, restringe-se ao âmbito patrimonial e disponível de cada um dos consumidores reconhecidamente lesados.

Nesse sentido, o relator entendeu que, na fase de execução da sentença, a controvérsia sobre o caráter homogêneo do direito já se encontra superada. Com isso, a sentença que reconhece direitos individuais homogêneos  hipótese do caso em análise  pode ser executada individualmente, conforme autoriza o CDC no artigo 97.

Quanto à hipótese de execução residual prevista no artigo 100 do CDC, o relator entendeu pela sua inaplicabilidade no caso em análise, uma vez que não teria transcorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados, nos termos do artigo. Assim, declarou a ilegitimidade ativa do MP para iniciar a execução da sentença proferida em ação coletiva  sem prejuízo da execução residual, transcorrido o prazo legal.

Cabe destacar que o entendimento do STJ tem enfrentado críticas de alguns membros da comunidade jurídica, os quais entendem que a função jurisdicional não se esgota com o término da fase de conhecimento, sob pena de a satisfação de direitos coletivos reconhecidos pelo Poder Judiciário ser prejudicada. Desse modo, a relevância social da fase de execução justificaria a legitimidade do MP.

Contudo, diante dos últimos julgados do STJ sobre a matéria, verifica-se uma tendência de consolidação do entendimento no sentido de que não há relevância social na fase de execução, razão pela qual o MP não tem legitimidade ativa para promover a execução coletiva de sentenças que tutelam direitos individuais homogêneos.

Por fim, é indispensável pontuar que a matéria em discussão será novamente enfrentada pelo STJ no julgamento do RE 1.758.708/MS. Até lá, espera-se que os tribunais do país observem o posicionamento adotado pelo STJ e afastem a legitimidade do MP para cumprimento de sentença em ação coletiva que tutela direitos individuais homogêneos.

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