Liberdade de expressão

Turquia é condenada a indenizar juiz punido por compartilhar artigo

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20 de março de 2022, 7h51

O fato de um juiz ter compartilhado com seus colegas certas opiniões da imprensa sobre a independência do sistema de Justiça de seu país, e ter permitido que eles fizessem comentários a respeito, está necessariamente dentro de sua liberdade de transmitir e receber informações em uma área crucial para sua vida profissional.

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O juiz compartilhou artigo que
acusava a Justiça turca de parcialidade 123RF

Com esse entendimento, a Corte Europeia de Direitos Humanos condenou a Turquia a indenizar o juiz İbrahim Kozan, que foi punido pelo Conselho da Magistratura do país por ter feito uma publicação no Facebook que teria extrapolado a discrição judicial.

Em 27 de maio de 2015, um artigo publicado pela imprensa turca criticava certas decisões do Alto Conselho de Juízes e Procuradores (HSYK) e punha em dúvida a independência dessa instituição em relação ao Executivo do país. No dia seguinte, Kozan compartilhou esse texto em um grupo privado do Facebook, voltado principalmente para profissionais do sistema de Justiça. Depois de publicado, o artigo gerou uma série de comentários de membros do grupo.

O HSYK abriu uma investigação disciplinar contra o juiz em dezembro de 2015. A 2ª Câmara do Conselho de Juízes e Procuradores repreendeu Kozan por compartilhar o artigo em questão, considerando que seu conteúdo era incompatível com o dever de lealdade do juiz com o Estado e suas obrigações judiciais. O HSYK afirmou que o magistrado se comportou de maneira que minou a dignidade e a confiança exigidas por seu cargo, tanto dentro quanto fora de sua esfera profissional. Em 2018, a sanção disciplinar se tornou definitiva.

O magistrado, então, recorreu à Corte Europeia de Direitos Humanos. O julgamento foi composto por sete juízes. Para a corte, o artigo de imprensa em questão se enquadrava em um debate de particular interesse para os membros do Poder Judiciário, uma vez que dizia respeito à sua imparcialidade e independência em relação ao Executivo.

Além disso, os juízes destacaram que Kozan não compartilhou o artigo com o público em geral, mas apenas em um grupo de discussão reservado para profissionais do Judiciário. Assim, rejeitaram a argumentação das autoridades disciplinares e do governo de que o recorrente manifestou a intenção de transmitir ao público uma mensagem de que aprovava o conteúdo da notícia.

No que diz respeito às garantias processuais, a corte observou que o Conselho de Juízes e Promotores não ponderou adequadamente o direito à liberdade de expressão do magistrado, por um lado, e seu dever de discrição, por outro. Reiterou ainda que o conselho é um órgão não judicial e que o processo perante a Câmara e o Plenário não oferece as garantias de revisão judicial.

Além disso, o recorrente não tinha qualquer recurso judicial em relação à medida tomada contra ele pelo HSYK, que agiu como autoridade de acusação e de decisão final, num caso em que estavam em discussão algumas das suas próprias decisões.

Segundo a decisão, qualquer juiz que tenha sido objeto de um processo disciplinar deve ter garantias contra o arbítrio. Em particular, o interessado deve ter a possibilidade de fazer com que a medida em questão seja revista por um órgão independente e imparcial, com competência para se pronunciar sobre a legalidade da medida e determinar qualquer ação indevida por parte das autoridades. O tribunal observou que não foi esse o caso no processo em questão.

À luz das considerações anteriores, e tendo em conta a importância primordial da liberdade de expressão em questões de interesse público, a CEDH concluiu que a sanção disciplinar imposta ao requerente não atendeu a nenhuma necessidade social premente e, consequentemente, não constituiu uma medida que era "necessária em uma sociedade democrática". A corte decidiu que a Turquia deve pagar a Kozan seis mil euros por danos morais e quatro mil euros por custas e despesas.

Processo 16.695/1

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