Processo Tributário

As técnicas de defesa na execução fiscal: limites e conflitos

Autor

  • Íris Vânia Santos Rosa

    é advogada doutora e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professora do mestrado do IBET-SP professora de Direito Tributário e Processo Tributário do curso de graduação da Fundação Santo André (FSA) professora do curso de especialização em Direito Tributário da PUC-SP e do Ibet professora do curso de extensão "Processo Tributário Analítico" do Ibet e pesquisadora do Grupo de Estudos "Processo Tributário Analítico" do Ibet.

20 de março de 2022, 8h00

Como aduzido em artigo anterior [1] veiculado nesta coluna, em ambiente executivo fiscal, o exercício da ampla defesa e do contraditório pelo sujeito passivo devedor pode se dar de duas formas distintas: (1) mediante a apresentação de exceção de pré-executividade, protocolizada nos autos da própria execução fiscal; ou (2) da oposição de embargos à execução fiscal, instrumento que conforma nova relação processual, porque assume forma processual de típica ação, a despeito de consubstanciar, em essência, verdadeira defesa.

Ainda ali, destacamos que, à luz da orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidada em sua Súmula 393, admite-se como causas de pedir na exceção de pré-executividade questões de ordem pública que podem ser conhecidas de ofício pelo juiz e que prescindem de dilação probatória.

Pretendemos nesse artigo cogitar acerca da possibilidade, ou não, de o sujeito passivo devedor reproduzir no âmbito da nova relação processual formada a partir da oposição dos embargos à execução fiscal questões anteriormente arguidas em exceção de pré-executividade.

O desate do nó górdio que constitui o objeto deste texto, portanto, passa por saber se a fundamentação convocada na decisão que apreciou a exceção pré-executividade limita o espectro de causas de pedir dos embargos. Eis a pergunta a ser respondida: é possível falar em perda do direito do devedor de ver apreciado, no julgamento de seus embargos, questões já arguidas, via exceção de pré-executividade, no bojo do processo executivo fiscal?

Já de início, devemos descartar qualquer possibilidade de invocar, para a resolução do problema, o quanto prescrito no artigo 507 [2] do Código de Processo Civil (CPC), que dispõe sobre o fenômeno processual extintivo de direitos denominado "preclusão".

Com efeito, a preclusão processual pode ser definida como a figura que se corporifica na perda do direito de praticar um determinado ato processual, formalmente considerado e no bojo de um mesmo processo, em razão de um comportamento anterior adotado pela parte, podendo ser (1) temporal (comportamento omissivo da parte); (2) consumativa (comportamento comissivo e exauriente do direito da parte), ou (3) lógica (comportamento, comissivo ou omissivo, contraditório da parte).

A preclusão temporal opera-se nas ocasiões em que há omissão da parte em praticar ato processual dentro do prazo precrito normativamente, ou seja, perde ela o prazo para se manifestar nos autos sobre determinado assunto ou para interpor algum recurso.

A preclusão consumativa, por sua vez, consiste na impossibilidade da prática de um ato processual em razão de ele já ter sido praticado, gerando efeitos imediatos e próprios, dentro do processo.

A preclusão lógica, por fim, manifesta-se a partir de uma contradição entre o ato processual que se pretende levar a efeito e outra conduta anteriormente adotada pela parte no processo, dada a incompatibilidade do primeiro em face da segunda. Isso ocorre, por exemplo, quando a parte expressamente concorda com uma decisão judicial, mas, a despeito disso, interpõe recurso contra essa mesma decisão.

A impossibilidade de falarmos, in casu, em preclusão do direito do devedor à apreciação de matéria trazida em suas razões de embargos que tenho sido anteriormente arguida em exceção de pré-executividade escora-se nas seguintes razões: (1) o fato de a preclusão ter por objeto a prática de um ato processual formalmente considerado, independemente de seu conteúdo material; e (2) a circunstância de a preclusão caracterizar fenômeno emitemente interno, isto é, intraprocessual, não havendo que se falar em preclusão processual do direito de praticar um ato no bojo de determinado processo em razão de comportamento da parte verificado em outro processo.

Essa constatação, no entanto, não nos autoriza a concluir que o devedor tributário está totalmente livre para reproduzir em suas razões de embargos o quanto anteriormente alegado, incidentalmente, em exceção de pré-executividade.

Em verdade, a análise acerca do direito à apreciação de matérias de defesa trazidas nas razões de embargos do devedor que já tenham sido alegadas em exceção de pré-executividade supõe considerar, necessariamente, o conteúdo e os efeitos da decisão que rejeitou, total ou parcialmente, a defesa incidental.

É que, no caso de recebimento e não conhecimento da exceção, isto é, nas situações em que as alegações trazidas na defesa não tenham sido efetivamente apreciadas, não há que se falar em analise de mérito e, consequentemente, em formação de coisa julgada material. De outro lado, em se verificando o recebimento e conhecimento (total ou parcial) da exceção, com apreciação e rejeição efetiva do conteúdo material invocado na defesa, tem-se decisão de mérito, a qual, após esgotadas as vias recursais, dará ensejo à formação de coisa julgada material, tal como definida no artigo 502 do CPC [3].

No primeiro caso — rejeição da exceção de pré-executivadade sem apreciação efetiva do mérito da defesa — não haverá óbice algum à reconvocação dos argumentos e alegações nas razões de embargos, pois, não tendo sido elas apreciadas na decisão que rejeitou a exceção de pré-executividade, não incidem os efeitos — imutabilidade e indiscutibilidade — que são próprios à coisa julgada material.

Já nas situações em que o juízo da execução fiscal tenha apreciado e afastado, em decisão interlocutória de mérito, as razões de defesa apresentadas pelo devedor na exceção de pré-executividade, a matéria decida não poderá ser novamente discutida e conhecida no processo de embargos.

Trata-se, aqui, de uma decorrência direta do fenômeno conhecido por "eficácia preclusiva da coisa julgada", expressamente prescrito no artigo 505, caput [4], do CPC, o qual, ao vedar ao juiz a possibilidade de reapreciar as questões já decididas relativas à mesma lide, impede que as questões de fato e de direito efetivamente decididas no processo executivo fiscal por ocasião da apreciação da exceção de pré-executividade, possam ser reapreciadas por ocasião do julgamento dos embargos do devedor.

Assim, na hipótese de não conhecimento da exceção, como o juiz não se pronunciou sobre os fundamentos de defesa do sujeito passivo devedor, não se corporificaram as "questões decididas" a que alude o artigo 505, caput, do CPC, de maneira que não se reconhece a eficácia externa (preclusiva) da coisa julgada formada no processo executivo fiscal, o que autoriza a reiteração, nas razões de embargos, de todos os fundamentos trazidos anteriormente na exceção.

Conhecida e, no mérito, rejeitada a exceção, após esgotados os meios recursais, tem-se a formação de típica coisa julgada material, ocasião em que, ainda que se esteja diante de uma nova relação jurídico-processual decorrente da oposição dos embargos, as matérias convocadas e rejeitadas na defesa incidental não poderão ser reiteradas e reapreciadas pelo juízo, haja vista o óbice imposto pelo indigitado artigo 505 do CPC.


[2] Artigo 507. É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão.

[3] Artigo 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

[4] Artigo 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:

Autores

  • é advogada, doutora e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, pesquisadora do Grupo de Estudos em Processo Tributário Analítico do Ibet-SP, professora do mestrado do Ibet-SP, professora de Direito Tributário e Processo Tributário do curso de graduação da Fundação Santo André (FSA) e professora do curso de especialização em Direito Tributário da PUC-SP e do Ibet.

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