Opinião

STJ muda entendimento sobre conflitos de competência na recuperação judicial

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18 de março de 2022, 15h22

No final do ano passado, por meio do julgamento do Conflito de Competência nº 181.190/AC (CC 181.190), a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou o entendimento que vinha até então adotando sobre a apresentação de conflitos de competência por empresas em recuperação judicial que têm bens penhorados em sede de execuções fiscais para pagamento de tributos.

Antes do referido julgado, o STJ conhecia e julgava todos os conflitos que eram suscitados envolvendo os juízos de execuções fiscais e da recuperação judicial, não obstante a ausência de um efetivo conflito entre tais juízos, configurado por decisões divergentes. Vale notar que as empresas em recuperação judicial frequentemente suscitavam conflitos assim que tomavam ciência de decisões proferidas pelo juízo da execução fiscal determinando a penhora de seus bens, sem que houvesse um pronunciamento prévio e em sentido contrário do juízo da recuperação judicial. Argumentava-se que o juízo da recuperação judicial era o "juízo universal" que deveria decidir sobre toda e qualquer questão correlata aos bens da empresa devedora.

Com base nesse novo posicionamento, para conhecimento e apreciação de conflito de competência entre o juízo da recuperação judicial e o juízo da execução fiscal tratando sobre atos constritivos de bens essenciais de uma empresa em recuperação judicial, é necessário haver, de fato, decisões conflitantes proferidas pelos respectivos juízos, configurado na existência de uma manifestação do juízo da recuperação judicial contrária à constrição de bens determinada pelo juízo da execução fiscal.

De acordo com o relator do CC 181.190, ministro Marco Aurélio Belizze (ministro relator), a razão pela qual tantas empresas suscitavam o conflito de competência antes mesmo de qualquer pronunciamento do juízo da recuperação judicial era nebulosidade a respeito da delimitação de competências dos juízos em questão, tema este que não era tratado de forma clara pela Lei de Recuperação e Falência (LRF).

No entanto, a LRF foi recentemente alterada pela Lei nº 14.112/2020 e segundo o ministro relator, a inclusão do § 7-B, no artigo 6º parece esclarecer a questão, uma vez que estabelece, de um lado, a competência do juízo da execução fiscal para determinar a penhora sobre os bens da empresa devedora; e, por outro, resguarda a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre os bens essenciais da empresa.

Contudo, ainda de acordo com o voto, a Lei nº 14.112/2020 não detalha como essas competências se concretizam na prática, sendo justamente o papel do STJ dar um direcionamento para que o conflito de competência não continue sendo utilizado indevidamente, como um subterfúgio para as empresas em crise suspenderem as execuções fiscais.

Nesse contexto, em seu voto, o ministro relator determinou que, em atenção ao princípio da cooperação previsto no artigo 69 do Código de Processo Civil (CPC), o juízo da execução fiscal pode comunicar o teor da decisão que tratou sobre a constrição de bens diretamente ao juízo da recuperação judicial para que seja promovido o controle com relação à essencialidade dos bens penhorados, sem prejuízo de tal provocação ser realizada também pelas partes interessadas.

É indiscutível a importância da decisão proferida pelo STJ, pois serve para orientar os juízos sobre como atuarem de forma cooperativa, evitando-se assim a instauração de conflitos de competência desnecessários, que só irão sobrecarregar o sistema judiciário.

Após o julgamento do CC 181.190, já foram proferidas diversas decisões monocráticas e acórdãos negando conhecimento aos conflitos suscitados quando verificado que ausente a oposição do juízo da execução fiscal à determinação do juízo da recuperação judicial sobre a liberação ou substituição da constrição de bem, tendo o ministro Marco Buzzi, ao julgar em 24/2/2022 o conflito de competência 186.196/RJ (CC 181.196), esclarecido de forma clara que "(…) para a configuração do conflito de competência perante esta Corte de Justiça, é necessário demonstrar: i) a efetiva determinação de ato constritivo exarado pelo r. Juízo Fiscal em detrimento do patrimônio da recuperanda; ii) decisão do Juízo da recuperação judicial exercendo o respectivo exame de controle (manutenção e/ou substituição) sobre o ato constritivo exarado pelo r. Juízo Fiscal valendo-se da cooperação judicial preconizada no art. 69 do CPC/2015; iii) deliberação do Juízo da execução fiscal se opondo, concretamente, à deliberação do Juízo da recuperação judicial a respeito da constrição judicial".

Nesse sentido, cumpre destacar que a ideia de cooperação entre os diferentes juízos aqui mencionados já vem inclusive sendo aplicada pelos tribunais pátrios. A título ilustrativo, verifica-se que no âmbito da recuperação judicial do Grupo Oi, em 13 de setembro de 2021 o juízo da recuperação judicial criou um mecanismo para não só evitar a prolação de decisões conflitantes, como também para reduzir o número de consultas que lhe são endereçadas rotineiramente sobre atos constritivos advindos de execuções fiscais. Pautando-se no princípio da cooperação, foi determinado o envio de um aviso a todos os juízos dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça Estaduais sobre o mecanismo criado.

Contudo, mesmo após a criação de tal mecanismo, constatou-se que foi necessário instaurar conflitos de competência (no total, identificamos quatro), sendo que os primeiros dois conflitos foram apreciados antes do julgamento CC 181.190, de modo que ambos foram conhecidos.

Os outros dois conflitos de competência foram apreciados após o julgamento do CC 181.190, sendo que não foram conhecidos pois considerou-se que ausentes os requisitos delineados pelo acórdão objeto da presente análise.

Destes dois últimos casos, vale menção ao CC 186.196, no qual foram opostos embargos de declaração em face da decisão que não conheceu o referido conflito, esclarecendo que o juízo da execução fiscal já tinha ciência acerca da decisão do juízo da recuperação judicial determinando o mecanismo mencionado acima. Ou seja, foi devidamente observada a sistemática prevista no STJ por ocasião do julgamento do CC 181.190. Atualmente, aguarda-se uma decisão sobre os embargos de declaração, os quais, no nosso entender, devem prevalecer diante do manifesto conflito refletido na oposição do juízo da execução fiscal em atacar a ordem do juízo da recuperação judicial.

Se por um lado espera-se que com a decisão do CC 181.190 outros juízos de recuperação judicial usem sua criatividade, buscando soluções e mecanismos que efetivamente põem em prática a cooperação jurisdicional e ajudem a desafogar o sistema judiciário, é necessário que o próprio STJ também amadureça seu entendimento, desapegando de formalismos excessivos, sob pena de inviabilizar até mesmo o acesso à justiça.

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