Opinião

Os indícios de autoria não bastam para prolação da decisão de pronúncia

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18 de março de 2022, 21h04

O caput do artigo 413 do Código de Processo Penal dispõe que o juiz, fundamentadamente, pronunciará o se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. Da mesma forma, nos termos do artigo 414 do CPP, não se convencendo da materialidade ou indícios suficientes de autoria, o juiz impronunciará o acusado [1]. Ou seja, tudo dependerá da dupla materialidade e indícios de autoria.

Em breve síntese, ao proferir a decisão de pronúncia, o juiz sumariante indica que percebeu provas legítimas tanto em favor quanto em desfavor do réu [2], versões contrastantes e conflito de interpretação de forma que, se houver incursão detida no mérito e se ouvir as partes, a decisão poderá ser tanto de absolvição quando condenação. Diante dessa situação conflituosa, apenas os sete julgadores constitucionalmente designados tem legitimidade para solucionar.

Ao impronunciar o réu, o magistrado entende que não há nenhum indicativo de culpa, que sequer possui elementos a serem confrontados em exame de mérito, que não haveria possibilidade de embate de ideias, que estão todas direcionadas em favor do réu. A impronuncia se dá quando o Juiz verifica que a decisão do Conselho de Sentença não poderá ser outra que não de absolvição e, se sobrevier condenação, será manifestamente contrária à prova dos autos.

Havendo a possibilidade de condenação, a decisão é pela pronúncia. Se não há possibilidade alguma de haver condenação, a decisão a ser proferida é a impronúncia. É neste ponto que surge o ponto nodal deste trabalho. Os artigos 413 e 414 do CPP definem que para a prolação de decisão de pronúncia, basta que haja materialidade e indícios de autoria.

É sabido que, em qualquer rito processual penal, é vedada condenação baseada — exclusivamente — em colaboração premiada (artigos 4º e 7º da Lei nº 12.820/2013), em denúncia anônima (STJ: HC 674139/SP), em reconhecimento fotográfico (STJ: HC 545118/ES), em prova inquisitorial (STJ: REsp 1932774/AM), em testemunhos de "ouvir dizer" (STJ: REsp 1649663/MG. Essa vedação se dá, conforme a fundamentação dos votos, porque apenas estas hipóteses mencionadas são somente indicativos, indícios do delito ou da autoria, mas não são provas.

Os indícios servem para levantar suspeita, acarretar um estado anímico e desencadear um fenômeno subjetivo no investigador/acusador. Por excelência, a presença de indícios pode servir como um ponto de apoio para o desencadeamento de novas investigações, mas não possui idoneidade para fundamentar a convicção do julgador, ou seja, não possui peso para condenar.

Percebe-se então, que em um processo de tráfico de drogas, por exemplo, que não foi além dos meros indícios, o julgador deve obrigatoriamente absolver. Portanto, como poderia um processo de competência do Tribunal do Júri, que contém exclusivamente indícios (colaboração premiada, em denúncia anônima, em reconhecimento fotográfico, em prova inquisitorial e em testemunhos de "ouvir dizer") ser submetido ao crivo do Conselho de Sentença?

Se o magistrado togado é vinculado à existência de prova judicializada, porque entregar ao jurado processo que, após a instrução sumariante, podendo as partes ouvir pelo menos oito testemunhas, juntar documentos etc., não foi possível transformar em prova nenhum indício? Não tem cabimento que esse controle de legalidade dos elementos processuais seja feito pelo julgador leigo. Não é possível esperar que o jurado vá rechaçar prova exclusivamente inquisitorial que lhe parece tão correta e convincente.

Para que esse problema seja solucionado, o legislador deve reconhecer que a utilização de indícios não foi adequada e tem induzido o Juízo Sumariante a injustiças. Para que não haja controvérsia, uma reforma legislativa se faz necessária. Enquanto essa mudança não acontece, o Magistrado deve ler esse dispositivo à luz dos princípios norteadores do processo penal e seguindo os ditames da justiça para evitar condenações injustas e em desconformidade com o ideal do processo penal.


[1] Como não será objeto de exame aqui, não há razão para tratar das hipóteses de absolvição sumária (artigo 415 do CPP) e desclassificação do crime (artigo 418 do CPP).

[2] Quando digo provas legítimas, é apenas uma maneira, até redundante, de dizer que houve um controle de legalidade de todas elas e não foi verificada nenhuma nulidade. O que, obviamente, inviabilizaria o julgamento pelos julgadores.

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