Opinião

Súmula 443 do TST: presunção de discriminação na dispensa de empregado

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17 de março de 2022, 13h20

No último dia 24 de fevereiro, a Subseção de Dissídios Individuais I (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho (TST), acolhendo a tese da parte reclamante, declarou que apenas uma avaliação de desempenho insatisfatória, por si só, não é suficiente para demonstrar a real motivação da dispensa sem justa causa de um empregado acometido por neoplasia.

Por maioria, a SDI-1 considerou como discriminatória a dispensa de uma consultora trainee oriunda de Belo Horizonte, acometida por um câncer de mama em tratamento, e diagnosticado durante o contrato de trabalho da empregada, desta feita, determinou a imediata reintegração.

Com isso, o colegiado reafirma o entendimento da Súmula 443 do TST, que, por sua vez, presume como discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite algum estigma ou preconceito perante os colegas e a sociedade de modo geral.

A questão, porém, é que referida súmula, não traz um rol das doenças graves que podem ser consideradas estigmatizantes ou geradoras de alguma forma de preconceito, além de sequer delimitar o tempo necessário para que uma empresa mantenha o empregado acometido por determinada doença em seus quadros, o que, portanto, dificulta a sua plena e correta aplicação.

Na ação ora mencionada, a empresa reclamada sustentou que a despedida sem justa causa da colaboradora decorrera da constatação de desempenho insuficiente, apurado em procedimento interno. A reintegração foi deferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região (MG), no entanto, a 8ª Turma do TST acolheu a tese recursal da empresa e concluiu que a dispensa fora motivada por rendimento insatisfatório. Para a Turma, a avaliação de desempenho realizada em 2018 apresentada pela empresa, em data próxima ao desligamento da colaboradora, constituía prova da motivação do ato.

Vale comentar que a Sétima Turma do TST em outro caso recente, particularmente no voto do ministro Eurico Vitral Amaro, já havia afastado a tese de um reclamante que alegara ter sofrido estigma em razão de uma neoplasia de próstata. A fundamentação para não acolher a tese autoral fora de que referida doença não se insere no conceito de doença que suscite estigma ou preconceito. Nas palavras do ministro: "a moléstia não oferece risco de contágio nem apresenta manifestação externa que gere aversão ou que marque o homem de forma negativa e indelével”. E complementou, “a maioria sobrevive". Contudo, durante o julgamento, prevaleceu o voto divergente do ministro Cláudio Brandão, para quem a mera presença do câncer gera a presunção de que a pessoa pode ser diferenciada no meio social.

No caso da 8ª Turma, em sede de embargos dirigidos à SDI-1 pela reclamante, esta defendeu que, em razão da neoplasia mamária, ela teria sido acometida por um distúrbio de ansiedade igualmente, o que a levou a realizar terapia hormonal. Diante desse cenário de saúde fragilizado por doença sem relação com a atividade profissional da reclamante, mas que a debilitou, esta última reiterou em suas razões recursais que a dispensa com base apenas em uma única avaliação negativa seria discriminatória, em especial pois antes dessa, a mesma trabalhadora já tinha sido avaliada positivamente pelo mesmo empregador.

O argumento da reclamante consistiu na condição de saúde propriamente dita, segundo ela, sendo este um motivo "mais que suficiente" para amparar o pedido para ser reintegrada ao emprego.

O ministro relator Cláudio Brandão, ao analisar os embargos, destacou no seu voto que a presunção de discriminação, como trazido na Súmula 443, deve ser afastada pelo empregador mediante prova "cabal e insofismável" de que a dispensa não teve relação direta ou sequer indireta com a enfermidade. Entretanto, para o Relator, a mera avaliação de desempenho apresentada pela empresa não é elemento hábil para afastar a presunção de discriminação, na verdade, e nas palavras do ministro, "ao contrário, ela atesta a sua ocorrência".

A decisão ponderou que uma única avaliação feita durante um processo árduo e penoso sofrido pela trabalhadora em decorrência do seu tratamento contra o câncer mamário, até a efetiva remissão, e por óbvio, não retrataria a plenitude profissional daquela reclamante. Isso porque, mais uma vez nas palavras do relator, a "situação da vida em que é esperada a ocorrência de variações no desempenho de qualquer pessoa, se comparado ao resultado alcançado por indivíduos sadios, ou mesmo ao apresentado pela própria empregada em avaliações anteriores ao diagnóstico".

Extrai-se da decisão do TST, assim, a ratificação do posicionamento dessa Alta Corte, baseado no princípio da continuidade da relação empregatícia e no princípio da dignidade da pessoa humana. Aliás, uma das razões da qual se valeu o voto do Relator foi a própria debilidade da trabalhadora, o que, decerto, segundo ele, teria prejudicado a avaliação feita pela empresa, na medida que a consultora não estava em condições normais "de temperatura e pressão", em linhas gerais, não podendo o ultimo julgamento feito pelo empregador ser usado como um elemento fático apto a demonstrar que o reclamado envidou os esforços para garantir a equidade entre os seus empregados.

Justamente em razão da presunção de discriminação nas hipóteses em que o trabalhador sofre de alguma doença, notadamente estigmatizante, certo é que o que vimos com esse julgamento, é o claro e inequívoco entendimento da maioria do TST de que cabe ao empregador demonstrar que, no caso de uma simples avaliação de desempenho, todos os critérios e premissas aplicados à um determinado empregado são os mesmos para outros empregados nas mesmas condições, consoante a melhor interpretação do princípio da equidade (tratar desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade).

Em razão disso, não é recomendável valer-se de um único documento, como esse utilizado pela empresa reclamada no exemplo da 8ª Turma, para comprovar um tratamento equânime entre os trabalhadores, devendo o empregador, por exemplo, identificar se outros empregados foram desligados no mesmo período que o da pessoa acometida pela doença estigmatizante, ou ainda, demonstrar se havia ou não conhecimento prévio sobre o estado de saúde do empregado, ou senão que a condição nunca resultou em estigma pelos colegas e/ou superiores hierárquicos do trabalhador.

E mais, considerando que o ônus da prova, nesses casos, é do empregador e não do empregado, cabe ao primeiro provar que a dispensa se deu por outra causa, como um motivo disciplinar, técnico, econômico, financeiro, ou de reestruturação da empresa.

Para tanto, vale dizer que se acaso o empregador tenha ciência da condição frágil de saúde do empregado, decorrente de enfermidades como HIV ou câncer, por exemplo, uma das formas de mitigar riscos futuros, o ideal é que sejam realizados todos os exames de saúde ocupacional periódicos, e o demissional (não obstante o disposto no item 7.4.3.5. de a NR-7). Isso conduzirá o empregador à certeza e à conclusão, via atestado de saúde ocupacional, sobre o real estado de saúde do trabalhador, e se houve diminuição da capacidade laborativa, prejudicando o desempenho.

Outrossim, é ideal que o empregador destrinche a casuística à luz do conceito de estigma, isso é, assinale a inexistência de marca, sinal, ou diferenciação que possa destacar o empregado de grupo de pares e superiores hierárquicos. O empregador deve assegurar que a tomada de decisão para a dispensa de seus empregados não parta de um mero entendimento subjetivo baseado na suposta inferioridade de um indivíduo, mas sim de critérios técnicos e objetivos, como uma renovação do quadro, por exemplo, ou outros motivos, como eventual conduta imprópria do trabalhador.

Tais cuidados e cautelas, conforme exemplos acima, e sem a pretensão de esgotar todas as possibilidades à disposição do empregador, decorrem do próprio preceito constitucional sobre exercício da atividade econômica, conforme estabelecido no artigo 170 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88), que se pauta pela valorização do trabalho humano, a existência digna, de acordo com a justiça social, e a função social da propriedade. O legislador constituinte elevou a proteção contra toda e qualquer despedida arbitrária à garantia fundamental dos trabalhadores (inciso I do artigo 7º da CRFB/88), e aliado a isso, com o fim de combater a dispensa discriminatória e resguardar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o TST editou o verbete sumular 443.

Enfim, aos empregadores cabem adotar as cautelas que estejam à sua disposição, e ter à mão provas previamente constituídas e robustas, não apenas uma, como no caso em comento e julgado pela 8ª Turma do TST  uma mera avaliação de desempenho  a fim de permitir análise mais concreta da hipótese controvertida pelo Juízo da causa.

Ademais, não é demais lembrar que a presunção de ilegalidade do ato de dispensa do empregado portador de uma doença grave, claro, calcada na jurisprudência trabalhista, não pode ser de modo algum absoluta, sob pena de se criar uma nova espécie de estabilidade no emprego, e pior, desvinculada do caráter discriminatório que o novel legislador intentou coibir.

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