Opinião

Conflito de competência entre penhora em execução fiscal e recuperação judicial

Autor

  • Leonardo Martins

    é advogado especialista em Direito Tributário pela Uniritter/Laureate e coordenador jurídico no escritório Franchi & Galvani Advocacia Empresarial.

14 de março de 2022, 15h26

O processo de recuperação judicial é muito corriqueiro no âmbito do judiciário brasileiro, sendo uma alternativa prevista em lei (Lei nº 11.101/2005 [1] e atualizada pela Lei nº 14.112/2020 [2]), para que uma empresa ainda em atividade, com dívidas, mas que pretende a "redenção", tenha o resguardo judicial para realizar o pagamento de suas dívidas de acordo com o plano de recuperação e respeitando o quadro de credores com as suas preferências, desde que obedecidos os requisitos legais e quando do seu deferimento para prosseguimento.

Em relação a tal medida, faz-se importante ressaltar que as execuções fiscais não se submetem a tal procedimento, ou seja, não são suspensas e não precisam aguardar o plano de pagamentos, diferenciando-se assim dos créditos de natureza civil e trabalhista, por exemplo.

A garantia para que as execuções fiscais não fizessem parte da recuperação judicial surgiu na previsão inicial do artigo 6º, parágrafo 7º, da Lei nº 11.101/2005 [3], mas que restou revogado, vindo a ser atualizado pelo novo §7º-B [4], do mesmo artigo e diploma legal, que assim dispõe: "§7º-B. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do artigo 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no artigo 805 do referido Código (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)." 

Conforme observa-se pela redação do artigo 6º, parágrafo 7º-B [5], este resguarda quanto a não necessidade de ser suspensa as execuções fiscais da empresa recuperanda, mas, de certa forma, resta por "limitar" o regular prosseguimento daquelas, tendo em vista a necessidade de comunicação entre os dois âmbitos, a fim de não serem constritos bens que venham a inviabilizar as atividades da empresa e, por consequência, também o processo recuperacional.

Nesta linha, é importante trazer a atenção de que as limitações na penhora de bens no âmbito das execuções fiscais já ocorrem mesmo nos casos em que não há um processo de recuperação judicial, estando tais proteções previstas no artigo 833 e incisos do Código de Processo Civil [6], preservando assim bens essenciais e as atividades da pessoa jurídica, resguardadas as exceções legais, como por exemplo, quando a dívida contraída é proveniente do mesmo bem, a exemplo da dívida de IPTU em relação aos imóveis.

Também em caso comparado ao processo de execução fiscal "padrão", este também possui limitações na penhora de bens quando o bem constrito já possui restrições anteriores, por exemplo, advindas de reclamatórias trabalhistas, situação em que se sobrepõe o crédito trabalhista, de natureza alimentar, sendo preterido o âmbito fiscal, tendo então, nesses casos, a necessidade de o exequente realizar uma nova busca para localização de outros bens/ativos do contribuinte executado.

Apesar de já existirem limitações nos processos de execução fiscal por si só, em relação à penhora de bens, observa-se, com clareza, sendo inclusive um tema relevante no âmbito jurídico brasileiro, que muitas vezes, a partir do artigo 6º, parágrafo 7º-B [7] mencionado e também pela praxe de decisões interlocutórias acerca da matéria, frequentemente há um "conflito de competência" fático, entre o âmbito da execução fiscal em seu normal curso, em face da recuperação judicial, diante da necessidade de comunicação e de "liberação" para prosseguimento de uma penhora lançada pela execução fiscal.

Quanto ao conflito de competência, apesar de o seu nome ser didático e transmitir claramente uma situação, o mesmo é também um incidente processual típico, previsto no art. 951 e seguintes do CPC [8], podendo ser ele  negativo ou positivo, e que pode ser suscitado pelas partes e pelo Ministério Público, por meio de petição, ou pelo juiz, por ofício [9].

Nesse sentido, na seara do conflito de competência e acerca da penhora de bens em execução fiscal quando da existência de recuperação judicial, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Conflito de Competência nº 181.190 – AC (2021/0221593-7) [10], decidiu, por unanimidade, não conhecer do conflito de competência, revogando a liminar anteriormente deferida pela Presidência do Superior Tribunal de Justiça, pelas razões a seguir: "a controvérsia inserta no presente incidente centra-se em saber se o Juízo em que se processa a execução fiscal contra empresa em recuperação judicial, ao rejeitar a exceção de pré-executividade e determinar o prosseguimento do feito executivo, com a realização de atos constritivos sobre o patrimônio da executada , invade ou não a competência do Juízo da recuperação judicial, segundo dispõe o §7º-B do artigo 6º da Lei de Recuperação e Falência, com redação dada pela Lei nº 14.112/2020. […] A decisão, objeto deste conflito de competência, determinou simplesmente o prosseguimento da execução fiscal, a autorizar, oportunamente, a constrição sobre bens da executada/recuperanda, providências que se inserem, indiscutivelmente, na competência do Juízo Federal suscitado. Na espécie, nem sequer há, por ora, decisão de constrição judicial propriamente. Logo, tampouco o juízo da recuperação exerceu, até este momento, o juízo de controle sobre a vindoura constrição, o que será viabilizado por meio da cooperação entre os juízos envolvidos, oficiosamente, ou por provação da parte interessada, no caso a recuperanda […] [11]". 

Assim, conforme trecho parcial da decisão, houve posicionamento do STJ no sentido de que a simples decisão que determina a penhora de bens no âmbito da execução fiscal (que afinal não se suspende pela recuperação judicial) é sim a competente para tal fase processual, sem ao mesmo tempo conflitar com o juízo da recuperação judicial, pois ainda não houve uma constrição, que necessitaria a comunicação à recuperação, ou ao menos há a existência de controvérsia acerca de determinada penhora, estando a situação então em consonância com o atual artigo 6º, parágrafo 7º-B, que surgiu com a Lei nº 14.112/2020 [12] e atualizou a Lei de Recuperações Judiciais (Lei nº 11.101/2005 [13]), portanto, não havendo conflito de competência na situação.

Frisaram ainda os ministros, que "[…] Diversamente, permissa venia, tem-se por necessário à configuração do conflito de competência perante esta Corte de Justiça que o juízo da execução fiscal se oponha, concretamente, à superveniente deliberação do Juízo da recuperação judicial a respeito da constrição judicial, determinando a substituição do bem constrito ou tornando-a sem efeito, ou acerca da essencialidade do bem de capital constrito. […]" [14].

Dessa forma, pelo mais atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, verificou-se a conclusão de que não há conflito na situação em tela, tendo em vista que o conflito prescinde da divergência entre dois juízos, todavia, considerando que a execução fiscal não se submete à recuperação judicial e que sequer deve ser suspensa, resta então devidamente pertinente o seu prosseguimento com a determinação de penhora de bens, seguindo o seu típico curso, sendo que, a partir de uma constrição, ou intenção de tal ato a partir da localização de bens, aí sim, em atendimento à legislação e pela cooperação jurisdicional (artigo 69, do CPC [15]), deverá haver a comunicação perante o juízo recuperando, sendo que se houver divergência entre ambos acerca de determinada constrição, estará então disponível o conflito de competência.

Sendo assim, o posicionamento do STJ é importante e demonstra uma adaptação atualizada às alterações trazidas pela Lei nº 14.112/2020 [16], inseridas na Lei de Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005 [17]), tendo servido uma de suas atualizações, especificamente o artigo 6º, parágrafo 7º-B [18], para sanar a controvérsia trazida em conflito de competência, resguardando a garantia das execuções fiscais em face do processo de recuperação judicial, mas ao mesmo tempo sem ferir a soberania do juízo recuperando ou mesmo as garantias da empresa recuperanda.

 


Autores

  • é advogado em Porto Alegre/RS, especialista em Direito Tributário pela Uniritter/Laureate e coordenador jurídico no escritório Franchi & Galvani Advocacia Empresarial.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!