Opinião

A catástrofe empresarial ante o julgamento da ADI nº 4.980

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9 de março de 2022, 14h51

Está na agenda do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (10/3) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.980, proposta pela Procuradoria-Geral da República em 2013, que visa o reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 83 da Lei 9.430/1996.

O citado dispositivo determina atualmente que a representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária e aos crimes contra a previdência social, em suma os crimes tributários relativos à sonegação, omissão ou falsas declarações em impostos, será encaminhada ao Ministério Público somente depois de proferida a decisão final na esfera administrativa sobre a exigência do crédito tributário correspondente.

Em outros termos, o órgão acusatório só tem ciência absoluta dos fatos após o encerramento de todas as vias administrativas, principalmente após o julgamento dos recursos interpostos e do encerramento da discussão do crédito tributário, seja pelo questionamento de sua legalidade  ante a probabilidade de lançamento indevido ou em desacordo com a legislação , seja pela viabilidade da discussão do valor ou da possibilidade de seu parcelamento.

Em que pese a via administrativa ser o mecanismo correto para o debate dos critérios relativos ao lançamento do tributo e de sua cobrança, garantindo principalmente às empresas a ampla defesa nestes aspectos, à luz das garantias constitucionais estabelecidas, a Procuradoria-Geral da República propõe a mudança desse cenário.

A ADI nº 4.980 busca o reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo legal e a sua revogação, sob o argumento da existência de uma "impunidade" para casos reais nessa seara, já que, sob a ótica da Procuradoria-Geral da República, há desacordo legislativo no aguardo do lançamento definitivo do crédito tributário para o oferecimento da representação fiscal para fins penais e consequentemente início de procedimentos de natureza criminal.

Certo é, que os efeitos do julgamento da ação possuem reflexos na ordem prática e extravasam substancialmente o âmbito penal, circunstâncias estas que, aparentemente, foram ignoradas pela Procuradoria-Geral da República. Vejamos:

Caso dado provimento à Ação Direta de Inconstitucionalidade e admitida a possibilidade de que a representação fiscal para fins penais possa ser oferecida ao Ministério Público antes do término do procedimento administrativo fiscal, não se terá neste momento o valor definitivo do tributo que teria sido sonegado, omitido ou apropriado. Uma vez que este valor poderá ser revisto durante o julgamento de recursos administrativos.

De igual modo, também não será incerto o período apurado sobre o crime praticado. E especialmente, a própria existência do crédito tributário, uma vez que antes do julgamento definitivo no âmbito administrativo, ele não é nem mesmo exigível.

Essas incertezas contrastam com o princípio basilar da ação penal, o juízo de certeza, e se opõem ao artigo 41 do Código de Processo Penal, pois o Ministério Público não possui, até a definição da esfera administrativa, todas as circunstâncias do fato criminoso e, por consequência, o juízo não tem a capacidade de definir se eventual denúncia oferecida pela Acusação preenche todos os requisitos e se é possível recebê-la, constituindo-se em seguida a ação penal.

Outro aspecto de grande relevância é o acordo de não persecução penal (artigo 28-A), o "ANPP", advindo da Lei nº 13.964/2019. Por ter sido incluído na legislação somente em 2019 e considerando que a ADI nº 4.980 foi proposta em 2013, a matéria encontra impasse técnico, pois não há regulamentação se o Ministério Público, eventualmente preenchidos os requisitos para a propositura do acordo, poderá ou não oferecê-lo, antes do encerramento da fase administrativa.

E mais, se poderá oferecê-lo sem o pleno conhecimento do crédito tributário, porque, de acordo com o inciso I do artigo 28-A, do CPP, é cabível como condição a restituição do dano. Pelo contexto proposto, como poderá o sujeito, especialmente o empresário, adimplir a condição do ANPP de reparação do dano se não há o valor definitivo? E ainda, o pagamento a menor eventualmente fixado como condição do ANPP ensejará extinção da punibilidade ou o saldo remanescente ainda permitirá o Ministério Público oferecer nova denúncia em desfavor do investigado?

Assim sendo, o eventual julgamento favorável à ADI nº 4.980 causará, sem sombras de dúvidas, uma enxurrada de ações penais no Poder Judiciário e, por conseguinte, o aumento exponencial de sua atividade jurisdicional, a prolongar a mora no julgamento e no trânsito em julgado das demandas criminais, causando, por mais vezes, a falsa interpretação de "impunidade", ora oriunda da morosidade pelo excesso de ações.

Do mesmo modo, causará significativa oneração às empresas, que se verão no dilema de efetuar pagamento de créditos que ainda não foram definitivamente constituídos e podem ser questionadas para que não sejam investigadas pela prática de eventuais crimes tributários e previdenciários e seus sócios e administradores virem réus em ações penais.

Ou ainda, referidos representantes empresariais estarão à mercê da propositura de acordo de não persecução penal pelo Ministério Público, cuja tratativa resta inviabilizada, por lei, de ser celebrado mais de uma vez pelo período de cinco anos, além da própria exposição à imprensa acerca da existência de demanda criminal em face da empresa, afetando, de igual modo, controles de compliance eventualmente existentes.

Além disso, eventualmente reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 83 da Lei 9.430/96, carecerá a matéria de nova redação legislativa quanto à prescrição, pois prevê a Súmula Vinculante nº 24 que "não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo".

Considerando o interesse da Procuradoria-Geral da República em modificar o método de tramitação de investigação e ação penal face a esses conceitos, o Supremo Tribunal Federal deverá ser provocado pela revogação da súmula vinculante, já que oposta ao novo e eventual entendimento, já que atualmente somente após o lançamento definitivo do tributo que se identifica o marco inicial para o prazo prescricional.

Outro ponto essencial ao debate é que o pedido da PGR embora confeccionado em 2013 ignorou os parágrafos inseridos no artigo 83 da Lei nº 9.430/96 advindos da Lei nº 12.382 de 2011, que versam, em linhas gerais, sobre o parcelamento, suspensão da pretensão punitiva, prescrição e extinção da punibilidade. Esta informação inclusive foi trazida pela Defensoria Pública da União quando do pedido de admissão amicus curiae em 2021.

Destarte, eventualmente provido o pedido em ADI nº 4.980, a catástrofe empresarial é iminente, cujo montante se mostra incalculável face à extensão dos efeitos do julgamento, em absolutamente todos os âmbitos jurídicos, empresariais e financeiros.

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