Opinião

Cobrança de ITBI na compra e venda do imóvel rural: a nova decisão do STJ

Autor

  • Leonardo Scopel Macchione de Paula

    é pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Damásio Educacional e em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) pós-graduando em Prática Tributária e Empresarial pelo Instituto Goiano de Direito (IGD) mestrando no Instituto Brasileiro de Ensino (IDP) professor universitário de Direito Contratual professor em curso preparatório para primeira fase da OAB no Dr. Aprova e sócio do escritório Macchione & de Paula Advogados Associados.

5 de março de 2022, 14h23

Tema bastante polêmico é o tal do Imposto sobre transmissão de bens imóveis.

De forma resumida, ITBI é aquele imposto cobrado pelos municípios quando há a transmissão, de forma onerosa e entre vivos, de bens imóveis. Há outras hipóteses de incidência, mas, para o presente artigo, iremos nos ater a operação de compra e venda, apenas.

Assim, ao vender um imóvel, seja ele urbano ou rural, incidir-se-á o ITBI (imposto de transmissão sobre bens imóveis).

Salvo convenção em contrário, é de responsabilidade do comprador o pagamento de referido imposto.

Ademais, conforme reafirmado pelo STF quando do julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário n° 1.294.969/SP, a cobrança do ITBI somente é devida quando da efetiva transferência da propriedade. Ou seja, ilegal é a cobrança na lavratura da escritura de compra e venda, por exemplo, sendo devida apenas no momento de seu registro.

Mas, quando se fala em ITBI, questão afeta que gera polêmica: qual a base de cálculo? Ou melhor, sobre qual valor o imposto deve ser cobrado?

Várias são, ou pelo menos eram, as situações: 1) o ITBI será cobrado sobre o valor venal do bem; 2) o ITBI será cobrado sobre o valor real da operação; 3) o ITBI será cobrado sobre o valor de mercado do bem e 4) o ITBI, em se tratando de imóveis rurais, será cobrado pelo seu VTN. Enfim, essas e outras eram alguma das previsões municipais.

Acontece que, no último dia 24/02, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp n° 1937821/SP, de relatoria do ministro Gurgel de Faria, estabeleceu três conclusões, a saber:

a) "a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculado à base de cálculo do IPTU";

b) "O valor da transação declarada pelo contribuinte goza de presunção de que é condizente com o valor de mercado e somente pode ser afastada pelo Fisco mediante regular instauração de processo administrativo próprio".

c) "o município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI".

Quais os possíveis reflexos dessas conclusões, nas operações de compra e venda de imóvel rural? É o que tentaremos apresentar.

Reflexos nas operações de imóvel rural
A primeira conclusão, ou tese estabelecida, foi de que a base de cálculo do ITBI não pode ser vinculada à base de cálculo do IPTU, leia-se: valor venal, e sim do valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado.

Pois bem.

Quanto a vinculação da base de cálculo ao valor do IPTU, tal qual não tem aplicação a imóveis rurais, por questões óbvias.

Mas, segundo o próprio STJ, o município "não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI", isto é, não pode o município se valer, por exemplo, de pautas de referência, o que, na prática, era bem comum.

Alguns municípios possuíam uma pauta interna de valores e, consequentemente, a base de cálculo do ITBI já estava previamente arbitrada, antes mesmo da operação.

Por um lado, referida tese é vista com bons olhos.

Isso porque, na prática, os municípios simplesmente arbitravam o valor que entendiam devido à título de base de cálculo, baseado em uma pauta de referência (que referência algum existia) e restava ao contribuinte apenas duas opções: submeter-se ao valor arbitrado ou gastar com laudos de avaliação, que, bem se sabe, são dispendiosos, a fim de desconstituir o valor, onde, na maioria das vezes, não obtinha êxito.

Por outro lado, alguns municípios utilizavam-se do VTN como referência para base de cálculo. Obviamente que o VTN é menor que o valor real do imóvel. Ou seja, por uma visão estritamente econômica, com certeza, seria melhor que a pauta de referência fosse utilizada, desde que, evidente, tal pauta fosse a do VTN!

Já em relação a outra premissa estabelecida, onde a base de cálculo deve ser aquela representativa do valor do imóvel "transmitido em condições normais de mercado", duas situações possíveis podem surgir, no nosso entender:

A uma, o valor da operação é o valor sobre o qual o ITBI incidirá. Se eu vendi meu imóvel por X milhões, conforme escritura de compra e venda e/ou compromisso particular, é sobre esses X milhões que o imposto recairá.

A duas: mesmo que a operação, conforme contrato de compra e venda, tenha sido de X milhões, porém, o Fisco entenda que, em situações normais de mercado, não seria esse valor e sim Y milhões, é sobre Y milhões que o ITBI deve incidir. Porém, como decidiu o STJ, a declaração do contribuinte possui presunção de veracidade.

Assim, se o contribuinte declarou que a operação foi de tantos reais, tal qual há de prevalecer, até que o Fisco comprove o contrário, mediante instauração de processo administrativo fiscal, nos moldes do artigo 148 do CTN.

Ou seja, o ônus da prova será do município!

Na verdade, o ônus da prova é e sempre foi do Fisco, pois é ele o autor e, portanto, cabe a ele a prova do fato constitutivo do direito alegado [1].

Acontece que, na prática, não era o que acontecia.

Cabia ao contribuinte comprovar que o valor por ele declarado, de fato, representava a realidade, numa nítida inversão do ônus probatório.

Mas atenção: entendemos que o ônus da prova do Fisco deve ser no sentido de demonstrar que o valor da operação não foi aquele informado pelo contribuinte. Isto é, mesmo que o imóvel tenha sido vendido por um valor menor do que o "normalmente praticado no mercado", é ele que deve prevalecer, desde que, de fato, tenha sido este o valor da operação.

Conclusão
Em resumo, num primeiro momento, são essas as consequências possíveis do novo entendimento do STJ:

1) não pode o município se valer de pautas referenciais de valores;

2) o valor declarado pelo contribuinte tem presunção de veracidade, cabendo ao município fazer prova em sentindo contrário;

3) que o valor a ser aplicado é o valor da operação, e não o valor que o Fisco entenda ser o valor "real de mercado".

Aguardemos os próximos capítulos.


[1] MACHADO, Hugo de Brito em Mandado de Segurança em Matéria Tributária. Ed. Dialética, São Paulo, 2003. Pág. 272.

Autores

  • é pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Damásio Educacional – DE e em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET, pós-graduando em Prática Tributária e Empresarial pelo Instituto Goiano de Direito – IGD, professor universitário de Direito Contratual e sócio do Escritório Macchione & de Paula Advogados Associados;

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