Opinião

Taxativo ou exemplificativo? Uma conta que alguém vai pagar

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3 de março de 2022, 9h15

O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde é a lista dos procedimentos, exames e tratamentos com cobertura mínima obrigatória pelos planos de saúde. Essa cobertura mínima obrigatória deve observar cada tipo de plano (ambulatorial, hospitalar com ou sem obstetrícia, referência e odontológico) e é válida para planos de saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e planos adaptados à lei.

A atualização do Rol era a cada dois anos, mas, desde outubro de 2021, passou a ser a cada seis meses, em janeiro e julho de cada ano. Essa mudança temporal sobre a revisão e atualização do Rol garante a celeridade e a ampliação dos serviços prestados a fim de possibilitar uma experiência satisfatória para o beneficiário.

As revisões dos procedimentos e eventos em saúde que compõem o Rol obrigatório podem ser apresentadas por qualquer cidadão e serão recebidas por meio de formulário eletrônico e, por sua vez, as propostas podem receber as seguintes solicitações: a) Incorporação de nova tecnologia em saúde ou nova indicação de uso no Rol; e b) Alteração de nome de procedimento ou evento em saúde já listado no Rol. O processo de aprovação de novos produtos ou procedimentos no Rol passa por uma análise dos técnicos da Câmara de Saúde Suplementar da ANS e, na sequência, é submetida à Consulta Pública.

Vale lembrar que, por meio da Medida Provisória nº 1.067/21, já convertida na Lei 9.656/98 (artigo 10-D), o Congresso Nacional institui a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, que será composta, no mínimo, por representantes do Conselho Federal de Medicina; Conselho Federal de Odontologia; e Conselho Federal de Enfermagem.

Cada novo produto ou procedimento incluído no Rol deve ser acompanhado de um relatório com: 1) as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, do produto ou do procedimento analisado, reconhecidas pelo órgão competente para o registro ou a para a autorização de uso; 2) a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às coberturas já previstas no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, quando couber; e 3)  a análise de impacto financeiro da ampliação da cobertura no âmbito da saúde suplementar.

A primeira atualização do Rol ocorreu em novembro de 1998 e sua última em abril de 2021. O Rol vigente, que já conta com mais de 3.300 itens, trouxe na última atualização a inclusão de 69 coberturas, sendo 50 relativas a medicamentos e 19 referentes a procedimentos, como exames, terapias e cirurgias.

No caso das vacinas, tão em evidência ultimamente por conta da pandemia, embora o fornecimento no Brasil seja feito por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), em alguns casos os planos de saúde são obrigados a oferecer a vacinação. Vacinas contra a dengue e a Onco BCG, por exemplo, são obrigatórias em coberturas de planos de saúde.

Ainda no que diz respeito à pandemia, a ANS autorizou, no início desse ano, a inclusão no plano de saúde do teste rápido para detecção de antígeno SARS-CoV-2 (Covid-19), mas somente para os casos em que exista indicação médica para pacientes com Síndrome Gripal ou Síndrome Respiratória Aguda Grave entre o 1° e o 7° dia de início dos sintomas, não estando cobertos os testes realizados em farmácias.

No mês de junho, o Ministério da Saúde enviou um ofício à ANS para solicitar a inclusão das vacinas da Pfizer e da AstraZeneca no Rol de coberturas obrigatórias, visto que ambas possuem registro na Anvisa e já haviam sido incorporadas no SUS.

No âmbito do Poder Judiciário, o Rol vem sofrendo questionamentos quanto a sua natureza: exemplificativa ou taxativa. Didaticamente, um Rol taxativo estabelece uma lista determinada de coberturas, não dando margem a outras interpretações. Por outro lado, um Rol exemplificativo estabelece apenas alguns itens de uma lista de coberturas, podendo ser concedido além do que está ali previsto.

A controvérsia resulta de uma divergência jurisprudencial entre os ministros da 3ª e 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

A 3ª Turma entende que o Rol é meramente exemplificativo, apoiado numa tese principiológica, pois "não cabe ao órgão regulador, a pretexto de fazê-lo, criar limites à cobertura determinada pela lei, de modo a restringir o direito à saúde assegurado ao consumidor, frustrando, assim, a própria finalidade do contrato", segundo a ministra Nancy Andrighi. Por conta disso, a ministra entende que deve ser considerada abusiva qualquer norma infralegal que restrinja a cobertura de tratamento para as moléstias listadas na Classificação Internacional de Doenças (CID), da Organização Mundial de Saúde, admitindo-se apenas as exceções previstas na Lei 9.656/1998, como os tratamentos experimentais, ao passo que o reconhecimento dessa suposta natureza taxativa também significaria esvaziar completamente a razão de ser do plano-referência criado pelo legislador, sendo inviável exigir do consumidor que conheça e possa avaliar todos os procedimentos incluídos ou excluídos da cobertura que está contratando.

A 4ª Turma entende que o Rol é taxativo, apoiado numa tese contratualista, pois "considerar esse Rol meramente exemplificativo representaria, na verdade, negar a própria existência do 'Rol mínimo' e, reflexamente, negar acesso à saúde suplementar à mais ampla faixa da população", segundo o ministro Luis Felipe Salomão. Os argumentos do ministro são fundamentalmente pautados na defesa da legislação que rege o setor suplementar, na legitimidade da ANS como reguladora, no equilíbrio econômico contratual, e na comprovação científica dos tratamentos de cobertura obrigatória.

Depois de mais de duas décadas de vigência do Rol, com decisões divergentes da mais alta corte do Judiciário para julgar a matéria, o Superior Tribunal de Justiça se reuniu nesta quarta (23) para pacificar o entendimento. No entanto, pedido de vistas adiou a decisão.

A minha percepção após a etapa do julgamento de hoje é que a balança do Judiciário deve pender para o lado contratualista, ou seja, pelo Rol taxativo, conforme entendimento relatado pelo ministro Luiz Felipe Salomão. A meu ver, uma vez que a precificação dos planos de saúde leva em consideração os riscos do negócio atrelados à utilização médico hospitalar com base nas garantias contratuais de coberturas assistenciais previstas no Rol, o beneficiário, por incrível que pareça, ganha mais com esta decisão pela taxatividade. Isto porque será possível ter previsibilidade e, portanto, manter a média do preço dos planos de saúde, ainda que já não estejam tão atraentes.

Se for essa a decisão, a ANS mantém sua competência legal para definir os produtos e procedimentos mínimos obrigatórios na cobertura assistencial dos planos de saúde, observados os tipos de plano (ambulatorial, hospitalar com ou sem obstetrícia, referência e odontológico), não sendo admitidas coberturas não previstas no Rol.

No entanto, se prevalecer o entendimento da ministra Nancy Andrighi; a decisão desautorizaria a Agência Nacional de Saúde Suplementar a cumprir sua função de estabelecer o limite dos produtos e procedimentos obrigatórios na oferta dos planos de saúde e torna o Rol como mera referência.

Haveria um retrocesso na regulação dos planos de saúde, especialmente na grande maioria dos contratos que são coletivos. Neste caso, as coberturas deverão ser previstas em contrato, deixando o beneficiário de ter garantido os produtos e procedimentos mínimos obrigatórios que são previstos no Rol.

O preço dos planos de saúde deverá ser atualizado de acordo com o novo regramento, visto que os riscos do negócio estão atrelados à utilização médico hospitalar com base nas garantias contratuais de coberturas assistenciais que deixou de ter previsibilidade com o Rol.

Os planos vigentes também sofrerão o impacto desta decisão, cujo reflexo será percebido nos próximos reajustes anuais, tornando-se um desafio ainda maior frear o aumento das mensalidades do plano.

Que o taxativo prevaleça, para o bem do consumidor.

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